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Gonçalo Lobo Xavier. “Drasticamente houve um travão ao consumo a partir de setembro”

O secretário-geral da APED admite ainda que 50% das vendas são de produtos em promoção, com as pessoas a fazerem compras de forma “mais racional”.

O secretário-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) garante que os preços não estão mais altos nos hiper e supermercados porque os retalhistas têm feito um esforço para não repercutir os aumentos dos preços nos valores finais. No entanto, reconhece que nem sempre isso é possível e dá como exemplo o que se verifica com o pescado e que, de acordo com os estudos da DECO, apontam para subidas na ordem dos 40%. Gonçalo Lobo Xavier lembra que, “com a guerra, com o começo da crise, com os níveis de confiança do consumidor a baixar, a partir de maio e junho” começou a existir um padrão muito diferente, “em que tudo mudou drasticamente”, daí os padrões de consumo terem baixado. O responsável lembra ainda a análise que foi feita para o Governo com vista a reduzir o IVA de alguns produtos e diz que, do ponto de vista das organizações, estava tudo preparado para fazer esse esforço, chamando a atenção para o facto de que reduzindo o IVA em determinados bens, esse impacto teria de ser assumido em termos de preço. Um hipótese que não saiu da gaveta, mas por “culpa” do Executivo. “O Governo terá feito as suas contas e terá concluído que o que ia dar a ganhar aos portugueses ia retirar do seu Orçamento. E apesar de o Governo estar com uma receita fiscal como nunca teve não a quis perder. Foi uma opção política”, salientou.

Em relação ao aumento dos assaltos, o secretário-geral da APED garante que “em algumas regiões do país há situações sociais mais complicadas e que acabaram por ter algum impacto nas decisões dos retalhistas relativamente aos sistemas de segurança”, mas que estes sistemas sempre existiram. Ainda assim, reconhece que “é inegável que estamos a viver o período mais crítico do ponto de vista social que tem um impacto nas famílias e normalmente nestes períodos aumentam estes pequenos delitos”, daí também os pedidos da IPSS junto da distribuição terem vindo a aumentar.

Quanto à aplicação do imposto extraordinário sobre lucros excessivos, Gonçalo Lobo Xavier diz apenas que soube, ao mesmo tempo, que o país foi informado, mas questiona o que são lucros excessivos. E acrescenta: “Não há nenhuma empresa que esteja satisfeita ou a lucrar por estarmos com um ambiente inflacionista, de guerra e de instabilidade” e diz estar a aguardar reunião com o Governo.

A taxa de inflação continua a não dar tréguas e mantém-se acima dos 10%. Isso reflete-se nos preços a cobrar aos clientes?

Há duas realidades muito distintas no universo dos associados da APED: o retalho alimentar e o retalho especializado. O retalho alimentar é um negócio de margens muito baixas, na ordem dos 2%/3%, em toda a Europa. É um negócio de volume, mas não é um negócio de margens altas. O crescimento dos custos dos fatores de produção com a energia à cabeça tem contaminado toda a cadeia de valor, desde a produção agrícola até à transformação, à indústria, passando pela logística e pelos transportes. Este aumento dos custos dos fatores de produção tem feito com que os preços naturalmente cresçam. Mas também é verdade que as empresas de distribuição não têm passado para o consumidor ou para o preço de venda final o aumento destes custos na mesma proporção com que têm crescido.

Então aí estaríamos perante um cenário ainda pior?

O negócio da distribuição alimentar é muito concorrencial, com muitos players – num universo de 195 associados da APED temos 60 players no retalho alimentar – e mesmo sendo menos em número representa uma fatia muito grande da faturação, conta com mais de 90 mil trabalhadores, num universo de quase 140 mil que representamos. O retalho alimentar, pela sua própria essência, tem conseguido mitigar um bocadinho mais os preços relativamente à dimensão dos aumentos dos custos, no entanto, isso só se faz esmagando as margens. Está-se a vender mais em volume de negócios, mas também se está a vender em menos quantidades porque as pessoas estão a levar menos mas a um preço igual ou mais alto.

Daí esse aumento em termos de volume? Acha que as pessoas deixaram de fazer tantas refeições fora?

Claramente tivemos, ao longo dos últimos 12 meses, um comportamento muito diferente dos consumidores. Quando voltou o canal Horeca – área de atividade económica onde atuam os setores de hotelaria e restauração – e quando a pandemia começou a abrandar, as pessoas começaram a querer ter uma vida normal. Nessa altura, o canal Horeca cresceu bastante e o retalho alimentar reequilibrou-se para níveis mais modestos. Na pandemia, as pessoas em 2020 e em 2021 refugiaram-se em casa, passaram a conviver mais nas suas casas e houve um crescimento do padrão de consumo, mesmo para produtos mais premium, em que valorizaram ainda mais a produção nacional. De repente com a abertura do canal Horeca e com o aligeirar das medidas houve um reequilíbrio e, em 2022, o que sentimos é que ainda havia um certo desafogo do ponto de vista do orçamento familiar, em que as pessoas mantiveram os seus níveis de consumo e isso teve um impacto, mesmo em alguns produtos premium. Notou-se claramente um crescimento das bebidas alcoólicas, como no caso do vinho e dos espumantes. Depois, com a guerra, com o começo da crise, com os níveis de confiança do consumidor a baixar, a partir de maio e junho começámos a ter um padrão muito diferente, em que tudo mudou drasticamente. Repito, drasticamente houve um travão ao consumo a partir de setembro, com as pessoas a pensarem e a fazerem uma gestão mais rigorosa do seu orçamento familiar.

E também coincide com o fim das férias…

Foi um bocadinho o choque do regresso às aulas, o regresso à realidade e o fim de férias. Tudo isto conjugado com a perspetiva de uma inflação que se manteve persistente, que não parou e, ao mesmo tempo, com os sinais de crise, com os aumentos dos preços da energia e com a perspetiva do aumento dos juros, passando a haver uma tomada de consciência muito grande e que teve uma consequência muito direta no consumo. Setembro e outubro são meses – ainda não temos os dados todos de outubro – de travão no consumo, com os consumidores a fazerem escolhas muito racionais e com um crescimento muito significativo das marcas de retalhista, isto é, de marcas próprias. As pessoas passaram a fazer uma escolha muito mais racional à procura de promoções e isto, no limite, levou a que este ambiente concorrencial que sempre se viveu no retalho alimentar tomasse ainda uma outra proporção, em que as pessoas claramente vão ao local onde veem a promoção da carne de porco, do frango e de todos estes produtos mais essenciais e mais básicos. Nota-se uma relativa dispersão, isto é, menos fidelidade a um retalhista e uma maior procura em relação aonde estão as melhores promoções.

Sente que é um déjà vu em relação à troika?

Confesso que na altura da troika vivia outra realidade. Estava na indústria e não tenho tão presente essa comparação. Mas admito que, neste momento, estamos com um nível de confiança no consumidor ao nível das crises de 2008 e 2009 e com um impacto muito grande no consumo. Por outro lado, não posso deixar de dar esta nota, o retalho especializado também continua a viver um clima de alguma incerteza, aquele consumo que víamos por alturas de junho e julho e que tradicionalmente eram meses em que os consumidores compravam os eletrodomésticos grandes, faziam um investimento, porventura com base nos subsídios de férias também se sentiu, este ano, a um abrandamento e essas decisões ficaram por fazer ou foram adiadas. Isto mostra um sentimento de alguma incerteza por parte dos consumidores. O retalho especializado que viveu dias difíceis durante a pandemia ainda tarda em recuperar e em atingir níveis técnicos pré-pandemia, mas não nos podemos esquecer que os meses de outubro, novembro e dezembro são os mais importantes para o retalho especializado. São os meses para as compras de Natal.

Essa época poderá dar algum fôlego?

Sim, especialmente no retalho especializado que olha para estes três meses como meses de recuperação. Mas não estamos a assistir a níveis muito animadores desse ponto de vista. Vamos ver, mas há uma tendência normal de recuperação com o Natal e também com o Campeonato do Mundo de Futebol que leva normalmente a fazer alguns investimentos. Estamos apreensivos, na medida em que procuramos fazer tudo para não passar para o consumidor um aumento dos preços na mesma medida do aumento dos custos e dos fatores de produção, quer no retalho alimentar, quer no retalho especializado. Este clima de incerteza e de guerra leva-nos a ter algumas cautelas, embora estejamos firmes e a apresentar os produtos nas prateleiras. Mas verificamos que as pessoas fazem um investimento mais racional. Portugal continua do Top 5 dos países com venda em promoção. O consumidor habituou-se muito a este mecanismo, a essa ferramenta que é bastante atrativa e a venda em promoção está a atingir níveis de 50%. Isto é, 50% das vendas dos produtos são em promoção. Os consumidores olham para esta ferramenta como algo muito interessante. E a lei dos saldos e de promoções veio estabilizar e dar ainda mais informação ao cliente, com os […]

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