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Governo redesenha a paisagem para resistir ao fogo e quer pagar aos proprietários pela floresta

Há 220 milhões de euros para gestão de paisagem, através do PRR, 20 milhões para recuperar matas nacionais e mais 3,2 milhões para combate aos incêndios. Ministro do Ambiente e Ação Climática explica ao DN as apostas para o setor.

No conselho de ministros foram “aprovados 20 milhões de euros que serão alocados às matas nacionais, para investir nos perímetros florestais, promover a arborização, recuperar áreas ardidas, retirar infestantes e recuperar caminhos e equipamentos de lazer”. A luz verde foi dada no início deste mês, “com efeitos numa área de 2% a 3% de toda a mata nacional, como por exemplo, o Pinhal de Leiria ou a mata da Margaraça e outras da maior importância ecológica”, explica Matos Fernandes, à conversa com o DN antes de partir para Évora e Alandroal onde este domingo irá assinalar o Dia Internacional das Florestas.

Vai estar no Alentejo toda a manhã e participa na apresentação do projeto Além Risco, a implementar nos próximos dois anos. É promovido pela Science Retreats e visa reforçar a capacidade de adaptação das populações locais do Alentejo Central ao efeito das ondas de calor na saúde pública através da plantação de 50 mil árvores nos aglomerados urbanos da região. “O costume é plantar uma árvore na floresta, mas vamos plantar árvores em ambiente urbano. Não porque não façam falta na floresta, mas o que este projeto tem de interessante e diferente é a plantação de 50 mil árvores em diversas localidades urbanas do Alentejo. A sombra destas é a principal arma no combate às ondas de calor, e no Alentejo isso é muito evidente”, explica o ministro.

As alterações climáticas têm vindo a acentuar as vagas de calor e estas “afetam a saúde dos idosos, das crianças e de qualquer pessoa fragilizada por patologias cardíacas ou pulmonares e é fundamental que em ambiente urbanos comecemos a ter mais árvores que sejam ilhas de sombra”. Além da plantação das árvores, o ministro pretende que “este projeto crie um manual de boas práticas para estruturas verdes de caráter urbano, criando laboratórios para a plantação de árvores com a participação das comunidades locais”. No caso desta iniciativa, “trata-se de um projeto de 200 mil euros financiado através de fundos da EFTA (onde se inclui a Noruega), e uma parte das verbas tem que ver precisamente com a adaptação às alterações climáticas, um tema escolhido pela presidência portuguesa da União Europeia como da maior importância”, destaca o governante. “Fizemos a primeira leitura da estratégia de adaptação às alterações climáticas no Conselho da ultima quinta-feira, a que presidi, e o Conselho Informal do Ambiente vai realizar-se em Évora e será dedicado a este tema, a 23 de Abril”, adianta.

Portugal é um país que a sul do Tejo sofre de seca estrutural, perdeu 13 quilómetros quadrados de costa nos últimos 20 anos e sofre de graves fogos rurais . “Temos de nos adaptar ao território, tentando garantir que, com soluções naturais, podemos reforçar a capacidade do próprio território. Isso é a adaptação. E, como tal, este investimento é da maior importância”, afirma.

Hoje é cada vez mais investigada a relação entre pandemias e alterações climáticas. Em parte, este projeto tenta responder também a essa inquietude e, acredita o ministro, que “melhorar os centros urbanos contribuirá para melhorar a saúde de quem lá vive. Quando hoje se fala de ambiente o grande tema é a redução de emissões, mas eu estou convencido de que, em breve, o grande tema será o da manutenção da biodiversidade e o restauro dos ecossistemas e a pandemia veio demonstrar essa necessidade de forma muito clara.”

Futura cogestão da floresta

A cogestão de áreas protegidas está também na agenda do governo. Engloba grandes maciços e zonas como a da Peneda-Gerês. Assenta no princípio de que uma área protegida tem duas obrigações: a da conservação e a da valorização. “O ICNF (Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas) está mais talhado para a conversação e menos para a valorização. É fundamental valorizar as áreas protegidas. Começámos, com cautela, com projetos piloto no Tejo internacional e só depois produzimos o decreto-lei, que deixa claro que não é retirada nenhuma competência ao ICNF. São é distribuídas as competências de promoção às autarquias, associações locais, politécnicos e universidades”, detalha Matos Fernandes.

Já foram assinados seis contratos de cogestão, “um deles no âmbito dos 50 anos da Peneda-Gerês e na presença do senhor presidente da República, e este ano queremos assinar todas as outras sabendo que, por exemplo, o do Parque da Arrábida não vai ser assinado porque as autarquias não querem assumir essa responsabilidade. É o único caso em que sei que não vamos conseguir assinar contrato de cogestão”, explica.

O avanço dos programas de intervenção na paisagem está também nas prioridades ambientais e o executivo acredita que possam ser mais uma arma na luta contra os incêndios. “O plano dos fogos rurais deixa claro que temos 6 milhões de hectares em Portugal de florestas, matos e pastagens e temos de conseguir em 20%, ou seja em 1,2 milhões de hectares, programas de intervenção na paisagem para podermos ter maior resistência ao fogo. Assim, os 20 planos de paisagem são desenhados precisamente para esses 1,2 milhões de hectares, nos territórios mais vulneráveis”. A ambição passa por “redesenhar a paisagem de forma a que volte a ter a imagem daquilo que era no tempo em que os campos tinham gente e havia uma atividade agropastoril ativa. Queremos redesenhar os mosaicos, introduzir as descontinuidades e espécies mais resilientes ao fogo”, afirma o ministro.

Para o Algarve há “um plano de paisagem completo e aprovado, que é o da Serra de Monchique e Silves, e que aconteceu logo a seguir aos incêndios. Porque é através dos planos de paisagem que nós vamos pagar para fazer a renovação dos ecossistemas, ou seja, vamos pagar aos proprietários o bem público que eles produzem”. Nos incêndios de 2017 “já estávamos a trabalhar nisso, mas não tínhamos pronto o algoritmo para o pagamento do serviço de ecossistemas”, recorda o ministro.

Na prática, são estes planos que vão determinar as áreas integradas de gestão de paisagem. “Estas, por sua vez, serão escolhidas pelo seu valor natural e florestal, por estarem em zonas de forte risco de incêndio ou porque correspondem a áreas já ardidas. Através do PRR queremos financiar 90 áreas integradas de gestão de paisagem (AIGP), através de 220 milhões de euros do PRR, com o objetivo de transformar o território rural e florestal”, adianta.

A Primavera começou ontem e a ameaça dos fogos surge sempre que o termómetro sobe. Por isso, o governante afiança que o ICNF vai “assumir um papel de maior responsabilidade na gestão dos fogos rurais. E vão ser reforçados os meios humanos, com mais 100 sapadores de bombeiros e os meios mecânicos. Ainda ontem, sábado, estive com o senhor primeiro ministro a entregar 30 novas máquinas, num investimento de 3,2 milhões de euros, que vão ser distribuídas pelo país pelas CIM (Comunidades Intermunicipais) e associações de produtores florestais”, esclarece.

Com a covid-19, algumas famílias das grandes cidades voltaram ao interior, o que poderá, a prazo, vir a ter um impacto positivo na gestão do território florestal e prevenção dos incêndios. “A pandemia reensinou-nos alguns valores de que já não nos lembrávamos como é o caso do valor da ruralidade. Cada vez mais as pessoas têm a perceção de que não se consegue discutir a saúde humana, sem se discutir a saúde animal e ambiental”. Por isso, apela o ministro, “são muito bem vindos ao interior do país, seja como visitantes seja como investidores, todos aqueles que o quiserem procurar. Quanto maior for o investimento nestes territórios mais valor lhe daremos e em menor o risco estarão”.

Um país mais verde poderá dar também um maior contributo para as metas da transição energética e climática, nomeadamente através da descarbonização. Na opinião de Matos Fernandes, “a floresta deve ter o seu papel de sumidouro de carbono. De futuro, diria até que um papel muito mais de sumidouro de carbono do que mitigador de emissões”. No que toca ao valor económico da floresta, “temos de ter troncos com dimensão, que sirvam para cortar tábuas para fazer móveis, mais do que para fazer pellets que são a mais banal utilização da madeira e acrescentam pouco valor à madeira. É fundamental ter uma floresta com árvores que vivam muitos anos”. Portugal tem hoje “uma capacidade sumidoura na ordem das 9 mega toneladas por ano e o nosso plano é chegar a 2050 com 13 mega toneladas por ano, para sermos neutros em carbono”. Uma meta que só possível de alcançar com uma floresta mais resiliente e mais ordenada.

O artigo foi publicado originalmente em DN.


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