O mundo tem pelo menos duas mil espécies de insetos comestíveis e em Portugal a indústria está a investir em três, grilo, tenebrião e gafanhoto, à espera de que a lei permita produção para pessoas e animais.
A Portugal Insect – Associação Portuguesa de Produtores e Transformadores de Insetos vai assinalar a efeméride no próximo sábado na Universidade Nova de Carcavelos, arredores de Lisboa, com uma conferência sobre temas como insetos na alimentação humana, enquadramento legal, aplicações culinárias ou insetos nas ementas das escolas.
No final da conferência vai haver uma sessão de degustação, a título excecional porque ainda é proibido o comércio de insetos para alimentação, como lembrou à Lusa o presidente da Portugal Insect, Rui Nunes.
A propósito da iniciativa desta semana o responsável afirmou que em Portugal já existem há vários anos alguns produtores de insetos, juntos na associação que foi criada no ano passado, e lembrou também que o inseto como fonte de proteínas já é um tema na agenda da FAO – Organização das Nações Unida para a Alimentação e Agricultura desde 2013.
Em maio de 2013 a FAO defendeu num relatório que os insetos consumidos anualmente por 2.000 milhões de pessoas são uma alternativa promissora à produção convencional de carne, com vantagens para a saúde e para o ambiente.
Num planeta com nove mil milhões de pessoas em 2050, “onde vamos arranjar fontes proteicas?”, questiona agora Rui Nunes, acrescentando que dentro do milhão de espécies de insetos há duas mil espécies “comprovadamente comestíveis”, que já são consumidas por milhões de pessoas, embora os europeus ainda tenham “alguma relutância”.
Em Portugal os produtores estão a investir, para alimentação humana e animal, em algumas espécies de grilos, no tenebrião, a chamada larva da farinha, e mesmo gafanhotos.
Por uma questão de segurança alimentar, explica Rui Nunes, a produção tem de ser controlada e em cativeiro, de forma segura, O que acontece, diz, é que atualmente, por força de um regulamento europeu (2015/2283), não é permitido esse tipo de comercialização.
“O que está em causa é que para os insetos poderem ser consumidos tem de se apresentar dossiers de segurança alimentar. E ainda nada está aprovado”, explica Rui Nunes.
Mas o regulamento permite que países que antes da publicação já produziam insetos o possam continuar a fazer. E “hoje temos países onde é permitido comer insetos e há outra Europa onde é proibido porque ainda não estão aprovados os dossiers de segurança alimentar. Há uma Europa que permite produção e consumo e há uma Europa que não”, lamenta.
Na prática, diz na entrevista à Lusa, a Holanda, a Finlândia, o Reino Unido, a Dinamarca, a Bélgica e a Áustria podem produzir e consumir insetos, os restantes países não. E a Portugal Insect não se sente por isso representada pela associação europeia do setor (International Platform of Insects for Food and Feed – IPIFF), preferindo trabalhar, a nível interno, com as autoridades portuguesas.
Atualmente, alimentos a partir de insetos não são permitidos junto da população nem sequer podem servir para alimentar animais, exceto para aquacultura.
O presidente da associação explica que a proibição de rações com fontes proteicas a partir de animais existe desde a “doença das vacas loucas”, uma doença que afeta o gado descoberta nos anos 1980 e que será provocada por um agente infeccioso chamado prião e que supostamente é constituído apenas por proteína.
Rui Nunes, fundador da empresa Entogreen, explica que na altura se proibiu que os animais fossem alimentados por outros animais, e defende que a proibição seja levantada para os porcos e as aves.
E que naturalmente os insetos possam ser comercializados e consumidos pela população, porque é um produto “normal” e “não é estranho nem esquisito”.
José Guimarães, vice-presidente da direção da Portugal Insect e fundador da empresa Nutrix, diz também à Lusa que até à autorização de comercialização se projeta e se investiga, e salienta que além da questão de ser preciso alimentar a população mundial em crescimento a produção e consumo de insetos tem um lado muito importante “na questão dos impactos ambientais”.
Quer no consumo de água, na quantidade de alimentos, no espaço necessário, e na produção de gases com efeito de estufa, o uso de insetos como fonte de proteína tem um impacto “significativamente inferior” quando comparado com outras produções tradicionais.
Por tudo isto Rui Nunes diz que o que se espera é que no próximo ano todos os entraves sejam desbloqueados a nível europeu ou que uma decisão política em Portugal abras portas a um setor “em franco crescimento”, que vai ficar por conta de seis países se nada for feito.
E nesses países a população come insetos? Rui Nunes diz que a aceitação é gradual, que é “um produto de nicho, que está a crescer”.
Na associação, a pensar numa maior aceitação do consumidor, discute-se a melhor forma de apresentar os insetos, se desfeitos numa farinha ou numa barra, se inteiros, “ao natural”.
Para já, e porque nem sequer podem vender, no dia 26, na iniciativa de Carcavelos, vão “dar a provar” quer insetos processados, em forma de bolachas, quer inteiros, como vieram ao mundo. E o “chef” de cozinha Chakall também se associou ao projeto, com sobremesas e entradas de insetos.
José Guimarães está otimista. A alimentação transforma-se ao longo dos tempos. “Há 20 anos, quando o sushi surgiu, as pessoas reagiram de forma adversa. Hoje nem seque é tema de conversa”.
É uma prova de que “a nossa perceção em relação aos alimentos vai mudando”.
É José Guimarães quem o diz. E recua um pouco mais no tempo com outro exemplo. Nos Estados Unidos, há dois séculos, os prisioneiros eram alimentados com lagosta. E reclamavam por isso.