Até meados de maio deste ano, mais de metade dos solos na Europa e da margem mediterrânica estavam afetadas pela seca, segundo dados do Observatório Europeu da Seca analisados pela AFP citada pelo canal France 24. Como resultado das alterações climáticas, a ONU avisa que a região do Mediterrâneo será cada vez mais afetada por incêndios, secas e ondas de calor. Para melhorar a irrigação dos solos e o abastecimento de água a pequenos agricultores nesta área, um projeto desenvolveu três tecnologias inovadoras a baixo custo.
O objetivo do projeto MED-WET era adaptar as soluções aos problemas de cada país, garantido que eram acessíveis financeiramente e simples de aplicar por qualquer agricultor. “Não é necessário o conhecimento de um engenheiro para instalar uma tecnologia deste género e está provado que realmente poupa muita água em comparação com outros sistemas de rega”, afirma Regina Krause, gestora do projeto e diretora-geral do Instituto Robert Schmidt, da Universidade de Wismar, na Alemanha.
Alemanha, Egito, Malta, Marrocos e Portugal constituíram o projeto MED-WET, apoiado pela instituição da União Europeia PRIMA e através da qual receberam o financiamento do programa Horizonte 2020. Desenvolveram a tecnologia SLECI que permite uma irrigação através de tubos de argila consoante a humidade do solo, o que permite uma considerável poupança de água, e também um sistema de construção de zonas húmidas para purificar águas residuais, possível de ser aplicado numa comunidade ou numa aldeia.
Também conceberam uma estufa de dessalinização, que utiliza plantas para retirar o sal da água do mar, o que permite obter água doce. “Estamos a trabalhar numa nova proposta para continuar a desenvolver este sistema com peritos da África do Sul, que têm experiência neste tipo de tecnologia e que a combinam com a aquacultura, o que também pode ser muito interessante, do ponto de vista económico, para os colegas em Malta”, explica Evgenia Mahler, responsável pelos serviços de financiamento europeu da Universidade de Wismar e diretora de cooperação internacional do Instituto Robert Schmidt.
Em que consiste o projeto MED-WET?
Evgenia Mahler: Centrou-se em sistemas tecnológicos de baixo custo e de baixa tecnologia aplicados a fontes de água, mas também a consumo de água. Por isso, pensámos em combinar várias tecnologias e oferecer aos agricultores soluções, desde fontes de água alternativas até à irrigação eficiente no projeto [financiado pelo] PRIMA.
Por que motivo tentaram melhorar a irrigação e fornecimento de água na área do Mediterrâneo?
Regina Krause: Devido à escassez de água e às alterações climáticas, que ameaçam a agricultura em toda a região do Mediterrâneo. Não são apenas os países africanos a enfrentar esta escassez de água, mas também os países mediterrânicos, por isso, com os nossos parceiros nesta região começámos a mostrar como podemos desenvolver e instalar tecnologias de baixo custo que são viáveis para os agricultores locais e que realmente eles não precisam de ser engenheiros.
Quais eram as principais preocupações no desenvolvimento das tecnologias?
Evgenia Mahler: Estas tecnologias são adaptadas às necessidades locais dos parceiros. A estufa de dessalinização solar foi testada em Malta, que tem problemas com os solos salinos devido à bombagem de águas subterrâneas, o que aumenta a intrusão de água salgada. Além disso, o clima quente e seco, com precipitação limitada no verão, contribui para o problema, aumentando a evaporação e deixando o sal no solo.
O objetivo desta tecnologia é utilizar água salgada. Na estufa, há plantas tolerantes que utilizam o sal para a evapotranspiração e, desta forma, estas plantas extraem o sal e evaporam a água doce. Assim, através desta tecnologia, poderíamos dessalinizar a água através das plantas.

Estufa de dessalinização desenvolvida pelo projeto MED-WET
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Como funciona o método de irrigação à base de argila (SLECI)?
Evgenia Mahler: Funciona com tubos de argila ligados com linhas de polímeros. Os tubos de argila são porosos e deixam fluir alguma água, por isso, colocamo-los no solo e, devido à força de sucção natural do solo, a água penetra neste até que o local envolvente esteja saturado de humidade. Quando o nível de saturação é atingido, o sistema deixa de emitir água adicional e surge o efeito de poupança.

Sistema de irrigação SLECI
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Como ajuda este sistema a mitigar a escassez de água?
Evgenia Mahler: Tem pressão baixa, o que é uma das vantagens em comparação com a irrigação gota a gota, porque não precisamos de uma bomba para manter a pressão nas linhas. Normalmente, usamos a gravidade, por isso podemos ligar [o sistema] a uma fonte de água constante e para isso precisamos de alguma regulação da pressão. Mas o que é mais valioso para os nossos agricultores em áreas remotas é que podem usar tanques de água regularmente cheios de água e, neste caso, os tanques precisam de ser colocados um pouco mais altos, para que a gravidade possa fazer o resto do trabalho. É por isso que é autorregulado, porque não precisamos de uma fonte de eletricidade ou bombas para manter a pressão ou bombear a água para dentro.
Que outras tecnologias desenvolveram?
Regina Krause: Também desenvolvemos uma tecnologia de construção de zonas húmidas. Esta tecnologia permite criar um sistema natural de tratamento de água, que limpa as águas residuais domésticas e agrícolas para que sejam reutilizadas na irrigação de árvores e culturas não comestíveis. Foi instalada e desenvolvida pelo nosso parceiro no Egito.
Qual foi a maior vantagem do projeto MED-WET?
Regina Krause: A principal vantagem era a rede [de parceiros]. Se pensarmos na falta de água, não se trata apenas de um problema de um país. Atualmente, é um problema de várias regiões e países, por isso, temos de trabalhar em conjunto. O projeto MED-WET criou uma excelente rede de parceiros de vários países, na qual pudemos trocar conhecimentos, problemas e encontrar soluções em conjunto. Por exemplo, o parceiro do Egito apoiou o parceiro em Portugal ou o parceiro austríaco apoiou o parceiro de Malta. Penso que, atualmente, é muito importante trabalhar em conjunto, porque o mundo é um só e temos de trabalhar juntos para encontrar soluções para os problemas atuais.
Estas tecnologias estão a ser aplicadas?
Regina Krause: De momento, ainda estamos na fase de desenvolvimento e de aprofundamento da tecnologia. No entanto, já recebemos alguns pedidos de agricultores e também de algumas comunidades, por exemplo na Namíbia e até em Portugal. Um agricultor abordou-nos e pediu-nos para testar este sistema de micro irrigação na sua quinta. É uma pequena quinta, penso que com quatro hectares com oliveiras, e ele pediu-nos a oportunidade de testar o sistema SLECI. Para nós, é uma excelente oportunidade para testar a instalação do SLECI e das tecnologias num ambiente real.
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