Higiene de Embalagens de Produtos Hortofrutícolas: Serão as Embalagens de plástico mais higiénicas do que as embalagens de madeira?

No acondicionamento de produtos hortofrutícolas, as tradicionais caixas de madeira têm vindo a ser substituídas por caixas de plástico, sobretudo por se considerar que o plástico é um material mais higiénico e de mais fácil limpeza do que a madeira. No GDEH/FCT/UNL, comparou-se a contaminação microbiana verificada em embalagens de madeira e plástico, tendo-se concluído que não existem diferenças significativas entre materiais. Do estudo pode concluir-se que a contaminação microbiana elevada, verificada em algumas caixas de madeira e de plástico, é resultado da falta de limpeza das caixas antes da sua reutilização.

A embalagem, nas suas diversas formas, encontra-se sempre presente no manuseamento e acondicionamento de produtos alimentares, incluindo os produtos hortofrutícolas. O sucesso da embalagem depende da forma como cumpre os requisitos de protecção e acondicionamento do produto ao longo de toda a cadeia desde a produção até à sua utilização final.

Os produtos hortofrutícolas podem ser acondicionados satisfatoriamente em diversos tipos de embalagens. Se forem tomados em conta somente os critérios técnicos, poderá optar-se por diversas embalagens dependendo de vários factores. Entre estes, para além das já condições ambientais, encontram-se as características da cadeia logística, métodos de manuseamento e transporte, custo e disponibilidade dos materiais.

Existem requisitos fundamentais, aos quais as embalagens de produtos hortofrutícolas devem obedecer:

o Possuir resistência mecânica suficiente para proteger o conteúdo durante o manuseamento, transporte e enquanto estiverem empilhadas;

A resistência mecânica da embalagem não deve sofrer alterações apreciáveis devido ao teor de humidade (molhada ou em atmosfera com elevada humidade relativa);

A embalagem deve estabilizar e imobilizar os produtos, evitando o seu movimento dentro da embalagem durante o manuseamento e transporte;

Não conter substâncias químicas que possam migrar para os produtos, contaminar ou serem tóxicos para o produto ou para os seres humanos;

Cumprir exigências de manuseamento e de comercialização, em termos de peso, tamanho e forma;

Identificar o conteúdo, auxiliar a apresentação do produto no ponto de venda, através de informação completa e correcta na etiqueta;

Facilitar a eliminação, reutilização ou reciclagem;

Ser económica, em relação aos benefícios.

Tradicionalmente, a madeira era o material mais utilizado na embalagem de frutas e hortaliças frescas. De acordo com os produtores deste tipo de material, a madeira comporta uma série de propriedades favoráveis, nas quais se inclui o facto de ser um material de origem natural, que permite a manutenção das qualidades do produto e que realça a beleza do produto.

Para a embalagem de produtos hortofrutícolas, a madeira pode ser utilizada nos três tipos de embalagem: primária (ou de consumo), secundária (ou comercial) e terciária (ou logística).

As paletes de madeira, são as embalagens terciárias mais usuais, embora também existam no mercado paletes de fibra de cartão ou de plástico. Estas paletes estão associadas ao sector da logística, facilitando o transporte e manuseamento das embalagens primárias e secundárias, do produtor ao consumidor.

Por vezes, as embalagens primária e secundária confundem-se, no comércio de produtos hortofrutícolas. Neste tipo de embalagem, a madeira mais utilizada em Portugal é a de pinho, podendo para alguns produtos, como o morango, ser usada madeira de choupo. A caixa de madeira tem como principais vantagens, face a outros sistemas alternativos, a rigidez, a resistência ao empilhamento e à humidade. Contudo, o elevado peso, o espaço requerido para armazenamento (já que a maioria dos formatos são já pré-montados), a possibilidade de contaminação microbiológica e o facto de requerer operações manuais, são factores frequentemente apontados como desvantagens. Adicionalmente, requer a maioria das vezes forros de outro material, mais macio, para evitar danos do produto por abrasão, sendo todas estas razões apontadas como causas de um progressivo abandono da caixa de madeira em benefício das caixas de plástico ou em cartão canelado.

O cartão, que entrou em cena na década de 70 no transporte de hortaliças, teria algumas desvantagens comparativas, face à madeira: elevada capacidade de absorção de humidade e reduzida capacidade de transmissão de calor. Assim, uma continuada investigação tecnológica de vanguarda conduziu ao cartão ondulado ou ao compacto, os quais, melhorados com o passar do tempo, permitiram incrementar o uso deste material para o acondicionamento de alimentos, e concretamente de produtos hortofrutícolas também. Ao alcançar este objectivo, as vantagens de preço, peso, facilidade de aprovisionamento, maior espaço útil para a publicidade do comerciante e do produto e menor custo de produção (pelo menos, inicialmente) determinaram que o cartão, na década de 90, se apresentasse como alternativa à madeira afectando a sua posição predominante (domínio absoluto nos anos 70).

Durante o período de competição entre a madeira e o cartão surgem no mercado também diferentes sistemas de caixas de plástico. Estas caixas são geralmente de polipropileno (PP), polietileno de alta densidade (PEAD) ou de poli(tereftalato de etileno) (PET). As principais vantagens das caixas plásticas de PEAD e de PP são a possibilidade de reutilização, a diversidade de tamanhos e formatos, a facilidade de limpeza, a elevada resistência mecânica e à humidade. A principal desvantagem apontada para as caixas de utilização corrente é o espaço ocupado em vazio. Para contornar esta questão podem ser utilizadas caixas encastráveis ou colapsáveis. As caixas ou grades plásticas têm normalmente um preço superior ao das caixas de madeira ou de cartão canelado, mas pelo facto de terem uma duração maior, o seu custo inicial pode compensar.

Actualmente, são usados outros materiais para embalagens de produtos hortofrutícolas, na sua comercialização e transporte, para além dos já mencionados. Entre estes, incluem-se tabuleiros expandidos de poliestireno envolvidos com filmes de plástico extensível, sacos de papel ou de plástico, tabuleiros de PVC, etc. Normalmente, cebolas, alhos e batatas são comercializados em sacos de rede, a qual pode ser de fibra natural ou sintética.

Neste contexto, o presente trabalho pretende contribuir para o estudo da utilização da madeira versus plástico, na embalagem de produtos hortofrutícolas, sob o ponto de vista do factor higiene, uma vez que as embalagens de plástico são consideradas mais higiénicas do que as embalagens de madeira. Neste sentido, as caixas de madeira utilizadas no acondicionamento e transporte de produtos hortofrutícolas foram testadas e comparadas com caixas de plástico, utilizadas com o mesmo fim, em termos da sua contaminação microbiana. Para tal, foram efectuadas diversas amostragens no MARL, local escolhido por apresentar um elevado número de trocas comerciais e também de variedade de produtos e materiais de embalagem. Em cada amostragem, foram recolhidas igual número de amostras em embalagens de madeira e de plástico. Tentou-se, para o mesmo tipo de produto (por exemplo, laranjas) recolher amostras em caixas de madeira e de plástico, para efeitos de comparação. Para controlar a higiene das embalagens utilizadas no transporte de produtos hortofrutícolas quantificou-se a flora microbiana existente na sua superfície. Escolheram-se os microrganismos que são habitualmente identificados com mais frequência em produtos hortofrutícolas, e que podem como tal contaminar as embalagens, bem como os que podem resultar do manuseamento das embalagens pelos operadores e pelas suas condições de utilização e de armazenamento. Assim, efectuaram-se as seguintes determinações nas amostras: contagem de microrganismos totais viáveis a 22ºC e a 36ºC, contagem de bolores e leveduras a 25ºC e a 37ºC, contagem de bactérias coliformes, contagem de enterococos, contagem de Escherichia coli, contagem de Clostridium perfringens, contagem de Pseudomonas e contagem de Bacillus cereus.

Nas amostras recolhidas no MARL, verificou-se que não existiram diferenças significativas entre a contaminação microbiana das caixas de madeira e de plástico, para a maioria dos microrganismos pesquisados e enumerados (contagem de microrganismos totais viáveis a 22ºC e a 36ºC – Figura 1; contagem de bolores e leveduras a 25ºC e a 37ºC, em caixas contendo frutos – Figura 2; contagem de bolores e leveduras a 25ºC, em caixas contendo produtos hortícolas – Figura 2; contagem de bactérias coliformes – Figura 3; contagem de enterococos, C. PerfringensPseudomonas e B. cereus – Figura 4). Contudo, na contagem de bolores e leveduras a 37ºC, em caixas contendo produtos hortícolas, verificou-se uma contaminação significativamente mais elevada em caixas de madeira do que em caixas de plástico (Figura 2).

Em termos de contaminação microbiana, verificaram-se, no entanto, diferenças significativas entre o tipo de alimento contido nessas caixas, fruto ou hortícola, em termos da contagem de alguns microrganismos (bolores e leveduras, Figura 2 e coliformes, Figura 3), tendo-se observado uma maior contaminação nas caixas contendo produtos hortícolas.

Observou-se ainda que a contagem de microrganismos totais viáveis a 22ºC apresentou valores significativamente superiores à contagem de microrganismos totais viáveis a 36ºC (Figura 1) e que a contagem de bolores e leveduras a 25ºC apresentou valores significativamente superiores à contagem de bolores e leveduras a 37ºC (Figura 2). Este resultado está em conformidade com o que seria esperado, uma vez que a maioria dos microrganismos existentes nos produtos hortofrutícolas e que podem contaminar as embalagens, são microrganismos mesófilos, ou então psicrófilos. Em relação ao conjunto de microrganismos pesquisados e enumerados, verifica-se que as embalagens se encontram predominantemente contaminadas com bolores e leveduras. Em relação à contaminação bacteriana, verifica-se que a maior contaminação das embalagens se deveu a coliformes e a B. cereus.

Verificou-se ainda que as embalagens que apresentaram valores mais elevados de contaminação microbiológica (madeira ou plástico), eram também aquelas que apresentavam uma maior falta de higiene e de limpeza. Por outro lado, é de referir ainda que na maior parte das amostras analisadas, não foram detectados alguns dos microrganismos pesquisados, o que indica algum cuidado na higiene e limpeza das embalagens. É de realçar que em relação à contagem de E. coli, este microrganismo foi apenas detectado numa única amostra: numa embalagem de plástico contendo laranjas.

Os resultados obtidos neste estudo apontam para a possibilidade de contaminação e desenvolvimento microbiano nos materiais usados nas embalagens de produtos hortofrutícolas, sobretudo devido à ausência de boas práticas de higiene. É, portanto, fundamental que se realize a higienização, a limpeza e a desinfecção das caixas destinadas a acondicionar produtos hortofrutícolas para evitar a proliferação de microrganismos, principalmente nas embalagens que serão reutilizadas, previamente à sua utilização. A localização e as condições de armazenamento contribuem também significativamente para o controlo da qualidade microbiológica das embalagens de produtos hortofrutícolas. Estes requisitos são válidos para os dois tipos de material estudados, ou seja, é necessário ter estes cuidados quer os materiais sejam de madeira, quer sejam de plástico.

Agradecimentos
Os autores desejam referir que o estudo apresentado surgiu a pedido da EMBAR na sequência do protocolo estabelecido entre esta associação e o GDEH/FCT/UNL. Os autores agradecem à EMBAR o financiamento para a realização do estudo e à Engª Filipa Pico o auxílio na recolha das amostras no MARL.

Referências
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Ana Luísa Fernando, Ana Isabel Abrantes, Benilde Mendes
GDEH/FCT/UNL


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