Manuel Chaveiro Soares

Importância da Ciência na Saúde e na Alimentação – Manuel Chaveiro Soares

A pandemia do COVID-19 veio criar grande preocupação e ansiedade em todo o mundo, tendo em conta a ameaça desta virose para a saúde humana. Adicionalmente é responsável por uma recessão económica pronunciada, com consequências sociais e psicológicas graves, em decorrência das medidas preventivas implementadas para evitar a transmissão do novo coronavírus (SARS-COV-2). Prevê-se que, em Portugal, a referida pandemia tenha um impacto económico pior do que o registado com a pandemia da pneumónica e Primeira Guerra Mundial em 1918.

Perante este flagelo global, todo o mundo (salvo raras excepções) deposita esperança na comunidade científica, considerando que a metodologia científica constitui a via mais adequada para controlar a doença causada pelo novo coronavírus, nomeadamente através do desenvolvimento de vacinas, de fármacos susceptíveis de tratar a infecção e também de testes de diagnóstico fiáveis e expeditos.

Para o efeito têm sido convocados milhares de cientistas em todo o mundo e mobilizadas verbas astronómicas canalizadas prioritariamente para as três vertentes supramencionadas: vacinas, tratamentos e diagnósticos.

De salientar que a biologia molecular desempenha um papel fundamental nas referidas investigações, o que nos suscita duas observações. Primeira: o recurso à moderna biotecnologia não deu origem a protestos, designadamente por parte dos movimentos da ecologia profunda, que condenam a intromissão do Homem na ordem natural e, por isso, em 1982 desenvolveram uma campanha contra a produção de insulina humana recombinante e, desde o final da década seguinte, dirigem a sua cruzada contra as plantas transgénicas.

Segunda observação: perante o desejo generalizado que seja criado uma vacina eficaz e segura para combater o SARS-COV-2 não se ouviram vozes discordantes, nomeadamente dos pais que não vacinam os filhos, sendo certo que a maioria esmagadora da população portuguesa reconhece o sucesso da vacinação contra a varíola, a poliomielite, o sarampo, etc.

A comunidade científica também tem sido convocada pelos decisores políticos a fim de emitir pareceres fundamentados na evidência científica e susceptíveis de apoiarem as políticas de saúde pública requeridas pela epidemia originada pelo novo coronavírus. Assinale-se que, no caso português, as medidas adoptadas permitiram que os actuais responsáveis políticos tenham atingido valores de confiança e simpatia nunca antes registados.

Na presente situação de pandemia, anoto com satisfação que os actuais decisores políticos portugueses não têm aludido às terapêuticas não convencionais (e.g., homeopatia), embora a sua actividade se encontre entre nós enquadrada pela Lei nº 45/2003, aprovada pelos deputados de três grandes partidos políticos, sendo ulteriormente reguladas por diversas portarias publicadas no Diário da República de 8 de Outubro de 2014. De facto, trata-se de práticas não baseadas em conhecimento científico válido (Fiolhais & Marçal, 2018).

É curioso observar que, a par dos avanços científicos notáveis – que se têm registado desde 1800 e, principalmente, após a Segunda Grande Guerra, proporcionando um crescente bem-estar às populações – , nas sociedades mais ricas têm ganho popularidade práticas pseudo-científicas, designadamente nos domínios da saúde e da alimentação.

Já referimos as terapêuticas não convencionais. No que aos alimentos vegetais respeita, os adubos inorgânicos, os pesticidas sintéticos e os organismos geneticamente modificados constituem questões que se levantam quando se define um alimento natural – que nas aludidas sociedades afluentes tende a ser endeusado. De salientar que o uso dos adubos azotados salvou da fome 3000 milhões de pessoas; 99,99 por cento dos pesticidas (em peso) são sintetizados pelas próprias plantas e apesar do uso adicional dos pesticidas sintéticos (sujeitos a regulamentos rigorosos), a FAO estima que as pragas e as doenças das plantas são responsáveis pela perda de cerca de 40 por cento das culturas alimentares no Mundo; o milho tradicional cultivado actualmente não foi modificado através de técnicas de biologia molecular, mas resulta de milhares de anos de selecção feita pelos agricultores, pelo que não existe na natureza. No caso da produção animal, refira-se, a título de exemplo, a preferência manifestada por alguns consumidores, caprichosos ou mal informados, por aves criadas ao ar livre e, por isso, sujeitas a condições hígio-sanitárias de risco e, portanto, incompatíveis com as regras de biossegurança adoptadas na moderna avicultura.

Em conclusão, na presente pandemia, os actuais responsáveis políticos portugueses têm atribuído importância à evidência científica, à semelhança de governos anteriores no que respeita aos pareceres científicos emitidos, designadamente pela Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos, como, por exemplo, no que tange ao herbicida glifosato e ao milho Bt (geneticamente modificado), ao contrário do verificado com outros governos europeus permeáveis ao populismo.

Termino citando o ex-ministro Mariano Gago, nomeadamente quando no ano 2000 sublinhou a necessidade de envolver cada vez mais a comunidade científica nos processos de decisão e acrescentou que a ciência pode hoje propor à sociedade a discussão dos temas mais fracturantes como a qualidade alimentar e a informação genética.

Manuel Chaveiro Soares

Engenheiro Agrónomo Ph.D.

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