Arganil tem vários projetos em mãos para reflorestar mais de 6.500 hectares do seu território afetado pelos incêndios de outubro de 2017, mas o município teme que a burocracia associada a um instrumento do Estado mate “uma boa ideia”.
No interior do distrito de Coimbra, Arganil foi um dos concelhos mais afetados pelos incêndios de 2017 e ali começou o segundo maior incêndio de sempre em Portugal, de acordo com a Comissão Técnica Independente (o primeiro teve também origem em 15 de outubro, na Lousã).
Desde o início, foram dinamizadas várias ações de plantação com recurso a voluntariado para tentar recuperar um território cuja área florestal ardeu quase por completo, mas o projeto de maior alcance em Arganil surgiu em 2020, com um investimento de cinco milhões de euros do grupo Jerónimo Martins, numa iniciativa com um plano pensado a 40 anos e uma área de intervenção de 2.500 hectares.
Ao mesmo tempo, o concelho procura dinamizar a reflorestação de mais de 4.000 hectares associados às áreas integradas de gestão de paisagem (AIGP), medida apoiada pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), disse à agência Lusa o presidente da Câmara de Arganil, Luís Paulo Costa.
Se no processo que junta Câmara, baldios e a Jerónimo Martins a reflorestação já avançou, no caso dos 4.000 hectares associados às AIGP pode haver problemas na sua execução.
Apesar de Luís Paulo Costa considerar que as AIGP “podem fazer toda a diferença”, por ser um projeto com financiamento associado ao longo de vários anos e que permite a intervenção em terrenos privados, o autarca assumiu alguns receios quanto à forma como está desenhado.
“As energias deviam estar focadas na definição do modelo para cada uma das parcelas, diagnóstico dos terrenos, como as inclinações ou solos, que foi o que aconteceu no projeto da Serra do Açor, mas não. Estamos focados na questão burocrática”, apontou.
O autarca exemplificou: “Uma das AIGP prevê alterar o modelo florestal numa área em que há dez mil prédios rústicos. O promotor tem de falar com cada um dos proprietários”.
“Isto é apenas para uma AIGP. Veja a loucura”, vincou.
Segundo o presidente da Câmara, o modelo obriga a tentar contactar e localizar cada um dos proprietários, o que leva a “um esforço burocrático brutal”.
“Não sei se seria possível, do ponto de vista legal, esta componente estar mais aliviada, mas tenho muito medo que se gaste o tempo todo com esta intervenção”, apontou.
Passados cinco anos dos incêndios de outubro de 2017, as diferentes tentativas de mudar a paisagem do território de Arganil estão em pontos de desenvolvimento distintos e com resultados variados.
A SOS Arganil, criada após os incêndios, tentou capitalizar a vontade de empresas ajudarem o território para ações concretas de plantação, tendo plantado, entre 2018 e 2021, 40 mil árvores em seis ações de reflorestação, disse à agência Lusa o responsável da associação, Rodrigo Oliveira.
No entanto, dessas seis ações, apenas três conseguiram assegurar uma boa taxa de sobrevivência das árvores plantadas, exatamente nos locais onde foi possível assegurar um acompanhamento das plantações, explicou.
“Em algumas plantações, por falta de água ou de acompanhamento, não correu tão bem”, notou Rodrigo Oliveira.
Para o presidente da Câmara de Arganil, “este tipo de projetos de voluntariado sofre de um problema de partida” por estar focado na plantação das árvores.
“A plantação representa apenas 10% do esforço para levar uma árvore até à sua idade adulta com algum sucesso. Se não acontecerem os outros 90%, esses 10% perdem-se rapidamente”, comentou.
Foi também com base nesse problema que o município quis avançar com o projeto “Floresta Serra do Açor”, pensado para 40 anos e com instrumentos financeiros para assegurar a sobrevivência das árvores plantadas, salientou.
Apesar de todos os problemas relacionados com as AIGP, Luís Paulo Costa mantém confiança que esse instrumento conjugado com a intervenção na Serra do Açor possa mudar a paisagem do território, numa área de intervenção global superior ao território total de vários concelhos do país.