A erosão causada pelos incêndios pode provocar cheias rápidas e contaminação de massas de água, pelo que devem ser tomadas medidas mitigadoras antes das primeiras chuvas, adverte a investigadora da Universidade de Aveiro (UA) Ana Rita Lopes.
A investigadora, do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar, do Departamento de Ambiente e Ordenamento da UA, integrou a equipa que elaborou o mapa de risco de erosão para Portugal Continental – ferramenta para identificar áreas prioritárias para mitigação dos impactos dos incêndios na erosão do solo – conhecido em março.
Meio ano volvido, e com mais de 100 mil hectares ardidos em Portugal desde o início do ano, Ana Lopes alerta que “a implementação atempada, idealmente antes das primeiras chuvas após época de incêndios, de medidas de mitigação de erosão, é determinante à conservação dos solos florestais e à diminuição dos seus impactos negativos”.
Para a investigadora, a aplicação de medidas de mitigação “deve considerar as particularidades dos locais afetados, principalmente o declive, tipo de solo, e a envolvente ambiental e populacional”.
Essas medidas têm como principal objetivo a estabilização do solo, quer seja pela redução do impacto das gotas de chuva como pela diminuição da velocidade da sua escorrência ao longo das encostas.
De acordo com a investigadora, as medidas podem ser “bastante diversas” consoante os locais, como a aplicação de um acolchoado de resíduos orgânicos protetor (‘mulching’), barreiras de troncos a diferentes altitudes e sementeira, em conjunto com “práticas adequadas do ponto de vista fitossanitário e de mobilização do solo”.
Quanto aos impactos dos incêndios, Ana Lopes diz que são diversos e interligados: “localmente a primeira coisa que vemos é a destruição da vegetação que interceta e protege o solo do impacto direto das gotas de chuva”.
“Ao desaparecimento do coberto vegetal juntam-se as temperaturas geradas durante o incêndio, que promovem a alteração das propriedades biofísicas do solo, nomeadamente a redução da estabilidade dos agregados dos solos e diminuição da porosidade, e promove condições de repelência do solo à água, entre outras. Tudo isto dificulta a infiltração da água”, explica.
A água que deixa de se infiltrar escorre e ao escorrer leva consigo cinzas, sedimentos, nutrientes e matéria orgânica.
“Estes impactos negativos locais podem refletir-se na envolvente, por exemplo na possibilidade de: contaminação de massas de água a jusante, cheias rápidas, com arrastamento de sedimentos com capacidade destrutiva de bens e infraestruturas, redução da capacidade de armazenamento de carbono, perda de fertilidade e redução de produtividade florestal”, acrescenta.
Para permitir “um diagnóstico rápido das áreas em maior risco e uma atuação eficiente no imediato”, a equipa entregou ao Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) um mapa de risco de erosão do solo “para as áreas vegetadas mais propensas à ocorrência de incêndios em Portugal continental (eucalipto, pinheiro e matagal)”.
Esse mapa foi revisto e validado com dados locais recolhidos em 10 locais de estudo em condições pós-incêndio, que foram monitorizados por investigadores ao longo de 12 anos.
“Acreditamos que este mapa pode ser uma ferramenta de grande utilidade para as partes interessadas, desde os gestores florestais aos decisores políticos, no processo de tomada de decisão após incêndio em Portugal continental, uma vez que permite colmatar algumas das lacunas identificadas neste contexto (áreas criticas de intervenção, de maior risco de erosão do solo), e definir a tempo as medidas de estabilização de emergência mais adequadas, com possível diminuição de prejuízos económicos e ambientais”, explicou.
Segundo o documento, em condições de elevada severidade do incêndio, a zona Centro-Norte do país revela um risco muito elevado de erosão do solo pós-incêndio.
A zona Centro-Norte do país também é “uma das zonas com maior recorrência de incêndios e, ao mesmo tempo, providencia serviços de ecossistemas importantes para o país, inclusive serviços ligados à quantidade e qualidade da água para fins de consumo humano, sublinhando a importância de uma gestão de fogos rurais que integra a prevenção, o combate e o restauro pós-fogo”.
Os dados provisórios até 23 de agosto, obtidos com base no Sistema de Gestão de Informação de Incêndios Florestais (SGIF), registam que arderam 103.332 hectares, 51% de povoamentos florestais, 39% de matos e 10% de área de agricultura.