Incêndios: “Nos últimos anos estamos a correr atrás do prejuízo”

Engenheira florestal formada na Universidade de Trás os Montes e Alto Douro, dedicou toda a sua vida profissional à associação que hoje representa cerca de 18 mil proprietários florestais. A portuense Rosário Alves, diretora executiva da Forestis, reconhece melhorias em algumas políticas públicas e sobretudo nos meios de combate aos incêndios, mas aponta vários problemas estruturais que vão ficando adiados a cada calamidade causada pelo fogo.

Quando chegamos aos períodos de aperto do verão, como os que marcam estes dias, fica-se com a sensação de que o combate aos incêndios nos ocupa muito mais tempo do que a prevenção. O que é que está a falhar?

Temos falhado coletivamente. Não devemos tentar encontrar um único culpado, ou uma única razão para explicar porque temos de enfrentar, todos os anos, esta calamidade. Em alguns anos, particularmente quando o clima é mais agreste, com as alterações climáticas que se aproximam, temos episódios mais agudos e, eventualmente, catastróficos. O nosso país sofreu um conjunto de alterações e as organizações, as instituições e as políticas não conseguiram acompanhar. Nos últimos anos estamos a correr atrás do prejuízo. Sob o ponto de vista institucional e organizacional, não temos conseguido ser suficientemente consistentes e estáveis na implementação das políticas e na organização do setor. E tem-nos também faltado, infelizmente, a avaliação.

Tem havido anos melhores e anos piores. Ao que não estávamos habituados era à morte de muitas dezenas de pessoas, como aconteceu, por duas vezes, em 2017. Aprendemos alguma coisa ou voltaremos a testemunhar esse tipo de acontecimentos tão brutais?

Antes de responder em concreto à sua pergunta, deixe-me recuar, porque outro problema que temos para resolver é a capacidade de retermos o passado e analisar uma série temporal mais longa. Em 2003 e 2005 também tivemos episódios catastróficos. A grande diferença é que em termos de vidas humanas o impacto não foi tão grande, felizmente.

Mais uma razão para voltar a perguntar se aprendemos alguma coisa com isso.

Na altura, fez-se uma reforma estrutural. E em 2017, iniciamos outra reforma. Acho que há uma melhoria significativa relativamente à resposta de combate de curto prazo e de emergência. Hoje temos estruturas de combate mais capacitadas. No que é de médio e longo prazo, mais estrutural, que tem a ver com alterações no território, comportamentos, investimentos, aí temos sido mais erráticos. Mas há coisas da reforma de 2017 que estão a ter impacto.

Já se notam consequências positivas do frenesim legislativo que se seguiu a 2017?

Há melhoria pela tentativa de maior coordenação. Pela criação, por exemplo, da Agência Integrada de Fogos Rurais, que tenta trabalhar o nível interinstitucional. E há nos equipamentos. Se virmos imagens das forças a combaterem os incêndios nos anos 90, não tem nada a ver com as imagens que vemos hoje. Estão mais bem equipadas, estão mais no controlo da situação, há menos desespero. Também há mais forças no terreno, tanto na prevenção, como no combate. Temos a grande força que são os nossos bombeiros voluntários, mas também as organizações florestais, sapadores e GNR.

Esse é o retrato positivo. Deixe-me fazer um outro retrato: crescimento desordenado, com habitações dispersas por zonas de mato; fragmentação e abandono de terras, sem dimensão para serem produtivas e que se transformam em depósitos de combustível; negligência dos cidadãos, por vezes crime; e, finalmente, as alterações climáticas. São apenas algumas das razões para anos sucessivos de destruição pelo fogo. Isto é uma fatalidade?

Não pode ser uma fatalidade, porque isso seria desistir de dois terços do nosso país. Mas percebo o seu ponto e tem razão. É, de facto, um desafio a que nós não temos conseguido responder.

Disse há dias que Portugal não está habituado a episódios naturais catastróficos, mas que eles vão repetir-se cada vez com mais frequência.

Já dizia isso em anos anteriores, quando os incêndios começaram a fugir do período crítico. Já temos incêndios na Páscoa, temos incêndios em novembro, fruto das alterações climáticas. Temos que nos adaptar. Não podemos descansar e deixar, digamos assim, o país desordenado, à mercê dos incêndios, perdendo valores ambientais, valores económicos.

Portugal é um dos países europeus com mais percentagem de floresta privada: 84% em propriedades privadas, 14% em terrenos comunitários e apenas 2% em terrenos públicos. Na União Europeia, em média, 40% da floresta é pública. Pergunto-lhe se a solução poderia passar por nacionalizar pelo menos uma parte dos terrenos florestais?

Eu digo-lhe que atualmente a coisa vai até no sentido contrário. A floresta privada torna mais complexa a implementação da política pública. Porque nós temos uma administração orientada para os 2% da floresta pública e para os 14% de floresta comunitária, em que Estado tinha a responsabilidade de fazer a cogestão.

Está a dizer que o Estado protege menos bem as florestas do que os privados?

Apesar de estar dedicado só a essa fração, não tem pelo menos demonstrado a capacidade de ser um exemplo para os privados. Mas eu diria mais. Num país com estas características, deveria existir um departamento dedicado à floresta privada. Para dialogar e implementar as políticas com os privados. Mas nós não temos, dentro do Instituto da Conservação da […]

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