A previsão do aumento da população mundial tem induzido à necessidade de desenvolvimento e intensificação da agricultura, muitas vezes com práticas nocivas para os solos. Fernando Felizes, investigador do INIAV, explica algumas alternativas como a utilização de composto por ação de insetos como fertilizante orgânico.
A fertilização química foi das práticas que maior sucesso teve no aumento da produtividade agrícola, tendo-se tornado essencial na agricultura, mas muitas vezes a aplicação excessiva ou desajustada de fertilizantes pode acarretar vários problemas e questões ambientais, nomeadamente, na qualidade do solo e da água. Para prevenir e reduzir tais efeitos negativos têm sido estudadas várias alternativas à fertilização química, como por exemplo fertilizantes orgânicos e biofertilizantes. Mais recentemente foi proposta a utilização de composto por ação de insetos como fertilizante orgânico.
Os solos são o suporte básico da produção agrícola onde são fornecidos os nutrientes e água às plantas, desempenhando também serviços ecológicos essenciais nos ecossistemas. O relatório do Painel Técnico Intergovernamental sobre os Solos (ITPS) apresentou um diagnóstico preocupante sobre o estado do recurso solo, referindo que a maioria dos solos no mundo se apresenta em condições medianas, pobres ou em muito mau estado e que são maioritárias as situações onde as condições estão a piorar, relativamente às situações em que estão a melhorar (FAO, 2015).
O mesmo relatório refere a perda anual de 25 a 40 bilhões de toneladas de solo superficial, com consequentes implicações em relação à produtividade agrícola e segurança alimentar, estando essa perda calculada em 0,3% da massa de solo, com uma estimativa de aumento para 10% em 2050, caso não sejam implementadas ações a curto prazo, sendo o défice em nutrientes nos solos um dos grandes obstáculos para a melhoria da produção agrícola e dos serviços ecológicos dos mesmos.
O relatório recomenda uma gestão criteriosa do solo, com recurso a métodos e tecnologias que permitam uma reversão do processo de empobrecimento dos solos e proteção dos ecossistemas. A previsão do aumento da população mundial, em conjugação com a problemática das alterações climáticas tem induzido a necessidade de desenvolvimento e intensificação das práticas agrícolas, acarretando riscos ambientais, entre os quais uma maior pressão e intensificação do uso do solo, com práticas que podem conduzir à sua degradação, erosão e poluição.
A fertilização, química ou mineral foi, das inovações no século XIX, a que maior sucesso teve no aumento da produtividade agrícola. Este facto fez com que a fertilização química se tornasse uma prática corrente na agricultura, levando à descura de práticas preventivas relativamente à proteção do solo, bem como a uma excessiva exploração das reservas de minerais, em particular das reservas de fósforo.
As aplicações de fertilizantes devem estar ajustadas ao tipo de cultura e respetivo ciclo cultural e às características edafoclimáticas da região, sendo necessário proceder à análise fisíco-química do solo para uma correta tomada de decisão quanto ao tipo e doses de fertilizantes a aplicar, caso contrário essas aplicações poderão ser desajustadas, excessivas ou desnecessárias, causando impactos ambientais negativos, quer na qualidade do solo e da água, quer nos ciclos globais de nutrientes. Para minorar os efeitos negativos da fertilização mineral, têm sido estudadas soluções alternativas, por exemplo, os fertilizantes orgânicos e biofertilizantes (utilização de microorganismos para mobilização de nutrientes do solo para as plantas), e mais recentemente, à semelhança da conversão de resíduos orgânicos por microrganismos e minhocas em húmus, tem sido proposta a compostagem efetuada por larvas de insetos.
No processo de compostagem com larvas de insetos ocorre a produção simultânea de dois produtos com interesse agronómico e económico: a produção de larvas com valor proteico, que podem ser utilizadas na alimentação animal, e o material orgânico produzido pelas larvas, ou composto, que pode ser utilizado na agricultura como fertilizante orgânico (Čičková et al., 2015).
O conhecimento sobre as potencialidades de utilização do composto orgânico de insetos como fertilizante e o seu impacto no crescimento das plantas e na fertilidade do solo é ainda limitado. Alguns estudos referem que o composto de insectos influencia positivamente o crescimento das plantas, contribuindo para o aumento de matéria orgânica e nutrientes, tais como o azoto (N) e fósforo (P) no solo (Kagata & Ohgushi, 2012), podendo ainda ter um efeito positivo no que respeita à proteção contra doenças e pragas, devido à possibilidade do composto conter quitina, um polissacarídeo que apresenta propriedades fitofarmacológicas contra pragas e doenças das plantas, induzindo as defesas fisiológicas e naturais das plantas e favorecendo o crescimento e atividade de populações de microrganismos benéficos e antagonistas no solo (Sharp, 2013).
Caracterização de conceitos
O Decreto-Lei n.º 103/2015 que regulamenta a colocação no mercado português das matérias fertilizantes não contempla produtos fertilizantes obtidos pela conversão de insetos. Aquele Decreto define “composto” como o produto obtido pela “degradação biológica aeróbia dos resíduos orgânicos até à sua estabilização e produção de uma substância húmica, utilizável como corretivo orgânico do solo”, e “vermicomposto” como o “produto estabilizado obtido, essencialmente, a partir da digestão de materiais orgânicos por minhocas, em condições controladas”. Nesse sentido, existe alguma dificuldade relativamente qual é a melhor designação de produtos obtidos pela degradação biológica por insetos, dado que se trata de um processo semelhante ao da vermicompostagem, mas taxonomicamente os insetos são artrópodes (Filo Arthropoda) distinto das minhocas que são anelídeos (Filo Annelida), pelo que neste trabalho optou-se pela designação “composto de inseto”. Mas reconhecendo a evidência dessa lacuna e a necessidade de designação de produtos fertilizantes obtidos por insetos, considera-se oportuno efetuar a proposta de designação de “entomocomposto”, derivado da conjugação da palavra grega entomon (insecto) com a palavra composto para designação destes produtos.
Capacidade fertilizante do composto de insetos
Os insetos desempenham um papel essencial na estabilização dos ecossistemas, incluindo a decomposição de resíduos orgânicos, a ideia da utilização de larvas de insetos na decomposição de resíduos orgânicos foi proposta há cerca de 100 anos (Čičková et al., 2015). Vários estudos laboratoriais indicam algumas espécies de insetos como sendo adequadas para a biodegradação de resíduos orgânicos, como, por exemplo, a mosca doméstica (Musca domestica L.), a mosca soldado negro (Hermetia illucens L.) e o tenébrio (Tenebrio molitor) (FAO, 2013).
A bibliografia consultada refere que o composto derivado do processo de bioconversão de resíduos orgânicos pelas larvas de insetos apresenta, de uma forma geral, boas características para utilização como fertilizante orgânico. Contudo, para avaliar o real potencial de utilização do composto de insetos e comparar com os fertilizantes minerais, deve-se estudar o seu efeito na produtividade das culturas em condições de campo, existindo ainda uma lacuna de conhecimentos nesta área. Outro aspecto que também importa clarificar é se o tipo de resíduos orgânicos que são degradados pelas larvas irá determinar subsequentemente o valor fertilizante do composto produzido. Na bibliografia consultada o tipo de resíduos orgânicos utilizados é variável, em ensaios com culturas/plantas também variáveis, pelo que poderá ser expectável a produção de composto de insecto com valor fertilizante diferenciado atendendo ao tipo de culturas a que se destina.
Várias culturas foram ensaiadas para avaliação do potencial fertilizante do composto de mosca soldado negro, entre as quais, o manjericão (Ocimum basilicum) (Newton et al., 2005), a erva do sudão (Sorghum sudanense) (Newton et al., 2005), a couve chinesa (Brassica rapa; nome comum Ssammat) (Choi et. al., 2009), a cebola (Allium cepa) (Zahn, 2017), o nabo (Brassica rapa) (Kagata & Ohgushi, 2012), a alface (Lactuca sativa) (Kebli & Sinaj, 2017) e o azevém (Lolium multiflorum) (Kebli & Sinaj, 2017).
Possibilidades de utilização de insetos na recuperação dos solos
Algumas espécies de insetos apresentam capacidade de resiliência à presença de metais pesados nos solos através de mecanismos fisiológicos através dos quais se libertam destes elementos, tais como: proceder a sucessivas mudas do exosqueleto na fase larvar, depois de terem concentrado e retido os elementos metálicos no exosqueleto; proceder ao esvaziamento do trato digestivo conjuntamente com elemento metálicos, depois da fase da pupa ou pouco tempo antes de emergirem como adultos (Kagata & Ohgushi, 2012). A mosca soldado negro é indicada como sendo um organismo resistente ao efeito tóxico dos metais pesados, por exemplo, o cádmio (Cd), o crómio (Cr) e o zinco (Zn) (Bulak et al., 2018). Ewuin (2013) propôs a utilização de insetos para a remediação de solos degradados ou contaminados com elementos metálicos ou poluentes. À semelhança do processo da fitorremediação, que utiliza as plantas como agentes de extração e purificação de elementos contaminantes, foram propostos os conceitos: entomorremediação (do Grego entomon – insecto, e do Latim remedium – limpar ou restaurar), que pode ser definido como a utilização de insetos especializados para remoção de poluentes no solo; entomoextração (um termo análogo ao de fitoextração – técnica que usa plantas selecionadas para absorver metais pesados, com capacidade tolerante a esses poluentes nos solos e de acumulação nos seus tecidos das partes aéreas ou raízes), que se define como a capacidade de extração de metais pesados, por imobilização no exosqueleto, ou noutras partes do organismo do inseto (Bulak et al., 2018).
Existe, ainda, a possibilidade de utilização de insetos para a remoção ou biodegradação de metabolitos de pesticidas e antibióticos em solos contaminados. Zhang et al. (2014) verificaram que durante o processo da compostagem pela Musca domestica, ocorreu simultaneamente a degradação de antibióticos do grupo das tetraciclinas, sulfonamidas e fluoroquinolonas. Lalander et al. (2016) também verificaram que durante o processo de compostagem pela mosca soldado negro se dava uma degradação mais rápida de três produtos farmacêuticos (carbamazepina, roxitromicina, trimetoprima) e dois pesticidas (azoxistrobina, propiconazol), comparativamente com o ensaio controlo, não tendo sido detetada bioacumulação das referidas substâncias nas larvas.
Notas finais
A maior parte dos estudos existentes estão focados no valor potencial da produção de larvas para alimentação animal, em detrimento do processo de utilização do composto das larvas como fertilizante orgânico.
No presente trabalho, os trabalhos referidos permitem concluir que existe alguma evidência científica sobre a potencial utilização de compostos de larvas de insetos como fertilizantes orgânicos, sendo, contudo, necessário um maior aprofundamento dos conhecimentos nesta área.
Julga-se também necessário um melhor conhecimento e clarificação sobre o tipo e composição dos resíduos orgânicos utilizados na degradação pelas larvas na determinação do valor fertilizante do composto produzido; são necessários mais estudos com diferentes culturas, com diferentes ciclos culturais, em diferentes condições edafoclimáticas, sendo expectável a obtenção de composto de inseto com diferenciado valor fertilizante considerando o tipo de culturas e de solos onde será aplicado. O valor fertilizante dependerá da taxa de mineralização do composto no solo e da sua composição química, em macronutrientes, micronutrientes e outros elementos benéficos.
Neste trabalho abordou-se também a possibilidade de utilização de insetos na remediação de solos, nomeadamente, no que se refere à remoção e degradação de metais pesados, metabolitos de antibióticos e pesticidas no solo, atuando como agentes de extração e purificação de elementos contaminantes nos solos. No entanto, esta função exige ainda muita experimentação, para melhor identificação das espécies de insetos, métodos e tecnologias mais adequadas.Referências Bibliográficas
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Decreto-Lei n.º 103/2015. Diário da República 1ª Série N.º 114 (2015-06-15) p. 3756 – 3788
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