Investigação desenvolve maçã menos exigente com frio

A Embrapa Uva e Vinho (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) anunciou ter descoberto o mecanismo de ação do gene ICE1 no processo de indução e superação da dormência da maçã. A descoberta abre caminho para o desenvolvimento de macieiras que precisam de menos dias de frio para produzir frutos.

O gene ICE1 funciona como uma espécie de “gatilho térmico” que dispara uma série de respostas ao ser estimulado pelo frio. Uma dessas reações é a indução da dormência – processo fundamental para plantas de clima temperado florescerem e produzirem frutos. De acordo com o investigador Luís Fernando Revers, responsável pela equipa que fez a descoberta, esse controle genético é um processo complexo e a identificação dos genes controladores um grande desafio.

“Esse processo é tão importante que instituições de investigação do mundo inteiro investem recursos em estudos para tentar entendê-lo. Podemos usar esse conhecimento para desenvolver novas cultivares com menor exigência de frio e continuar a produzir a fruta mesmo com o aquecimento [climático] percebido nos últimos anos”, explica Revers.

A macieira é induzida ao estado de dormência pelos primeiros frios do outono e passa o inverno a acumular horas de frio para superar a dormência e retomar o crescimento na primavera. As variedades Gala e Fuji, que representam mais de 90% da produção brasileira, precisam em média de 600 a 800 horas de frio para superar a dormência e atingir uma produção sustentável.

O projeto selecionou e estudou ao longo de sete anos duas populações segregantes de maçãs do Programa de Melhoramento Genético da Epagri (Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural do estado de Santa Catarina). As macieiras estudadas tinham diferentes períodos de brotação e floração, sendo mais tardias ou precoces, e os resultados permitiram a elaboração da hipótese do modelo de brotação, que foi divulgado num artigo científico publicado na revista Frontiers in Plant Science.

O investigador Marcus Vinícius Kvistchal, da Epagri, afirma que a confirmação da hipótese poderá acelerar o processo de desenvolvimento de uma nova cultivar nos próximos dez anos. Isso porque, segundo ele, a seleção de uma nova cultivar com menor exigência de frio poderá ser feita assim que a semente germinar, dispensado a sua avaliação de desenvolvimento no campo. “A descoberta irá possibilitar ações de melhoramento mais precisas e rápidas por meio da seleção assistida por marcadores moleculares”, prevê.

De acordo com Kvistchal, a descoberta será de “extrema importância” para todos os programas de melhoramento no mundo. Vai facilitar especialmente o desenvolvimento de novas cultivares mais adaptadas a regiões com menos frio, garantindo maior agilidade e precisão na criação de sementes. Nos 47 anos de existência do Programa de Melhoramento Genético da Maçã da Epagri, já foram lançadas 19 cultivares, sendo 15 híbridas e quatro seleções de mutações espontâneas.

Evelyne Costes, investigadora do Institut National de la Recherche Agronomique (INRA), na França, destaca que a descoberta não irá auxiliar apenas o setor produtivo no sul do Brasil. Isso porque a cada década que passa mais locais sofrem com a redução da exposição ao frio, o que atinge regiões produtoras do Mar Mediterrâneo, por exemplo.

“Alguns dos genes que foram associados à data de brotação podem ser potencialmente usados em programas de melhoramento para obter novas variedades mais adaptadas aos cenários climáticos presentes e futuros, no Brasil, mas também em diferentes países e para diferentes condições climáticas”, conclui.


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