Música das Árvores

Já ouviu a música das árvores?

“Olhar para as árvores com outros olhos” significa, neste caso, “escutá-las com outros ouvidos”. Não se trata de ouvir o sussurrar das folhas ao vento ou o chilrear dos pássaros nos ramos, mas de nos deixarmos levar por melodias únicas que traduzem a vivência das árvores. É a isto que chamam a voz ou a música das árvores.

A música das árvores passa na Hidden Life Radio (em português, algo como a Rádio Vida Secreta), uma estação localizada na Biblioteca Pública de Cambridge, em Massachussets, EUA. Esta rádio dá voz aos “concertos” de uma faia-europeia com mais de 80 anos, um espinheiro-da-Virgínia com cerca de 30 anos e um carvalho-americano com cerca de 60 anos.

A ideia de dar voz a estas três representantes, para captar a atenção dos cidadãos sobre a importância das árvores e os riscos associados à redução da sua presença nas cidades, nasceu pela mão do artista e músico Skooby Laposky. O projeto ganhou forma com o apoio do Departamento de Obras Públicas e Arborização Urbana de Cambridge e o cofinanciamento do Conselho das Artes desta cidade.

Mas o que é, então, a música das árvores?

Música das árvores traduz processos biológicos

A vida de cada ser vivo – incluindo a das árvores e a nossa – é influenciada por um vasto número de fatores, de que são exemplo a luz solar, a humidade ou a temperatura. Estas condições afetam a quantidade de sinais elétricos que percorrem a árvore. Estes sinais são mais ou menos abundantes em função de diferentes momentos da vida de cada árvore, como a realização da fotossíntese, a sua intensidade, a transpiração ou o desencadear de mecanismos de defesa, entre muitos outros.

Para transformar estes sinais impercetíveis em sons que o ouvido humano possa captar “certas escolhas estruturais tiveram de ser feitas”, referem os responsáveis do projeto, explicando que foram previamente determinados os componentes básicos de tom, escala e intervalo de notas musicais correspondentes aos diferentes sinais elétricos captados. Da mesma forma, foram-lhes atribuídos sons virtuais de distintos instrumentos.

Para passar da teoria à prática, foi instalado num ramo de cada árvore um aparelho de sonorização, com elétrodos ligados às folhas para captar e medir a respetiva bioatividade. Estes elétrodos funcionam como sensores e permitem medir continuamente os dados biológicos (em microvolts). A estas medidas correspondem, então, diferentes notas numa escala musical, segundo o padrão MIDIMusical Instruments Digital Interface, um protoloco que permite a comunicação entre instrumentos eletrónicos e computadores. Os dados MIDI são transmitidos para um computador, que os indexa a instrumentos virtuais e que, com o apoio de um software de áudio digital, os faz chegar aos nossos ouvidos.

Com esta base preestabelecida e o apoio da tecnologia, a música das árvores é a combinação de notas virtuais criada pelos processos naturais que vão ocorrendo em cada árvore, os quais, como vimos, se alteram em função de fatores tão variados como as condições meteorológicas, os níveis de poluição, as diferenças de luz ao longo do dia ou a sua ausência durante a noite.

Como cada árvore tem processos naturais únicos a cada momento, aquilo que ouvimos é também uma composição musical original e irrepetível.

Entre junho e novembro de 2021, a Hidden Life Radio esteve a transmitir em direto e houve até eventos em que a música das árvores foi acompanha pelas sonoridades de artistas humanos.

Com o outono a instalar-se, as captações encerraram, mas continua a ser possível ouvir cerca de duas dezenas de faixas gravadas, que podem acompanhar-nos por vários dias, já que cada uma delas se prolonga por cerca 24 horas. Cada faixa corresponde, sensivelmente, a um dia na vida de uma das árvores e cada árvore tem o seu próprio “álbum”.

Ouvir a música das árvores é simples: basta entrar no arquivo desta rádio, escolher se queremos ouvir a faia-europeia, o espinheiro-da-Vírginia ou o carvalho-americano e qual a faixa a escutar: a da “manhã solarenga com noite quase sempre nublada”, a da “manhã encoberta, com chuviscos e com períodos de sol pela tarde”, e assim sucessivamente, consoante a meteorologia nos dias de captação.

As espécies por detrás das três solistas

Qualquer árvore de qualquer espécie poderia ser protagonista de tantos outros inéditos instrumentais, mas como a “première” esteve a cargo da faia-europeia, do espinheiro-da-Virgínia e do carvalho-americano, são estas as três espécies que vamos conhecer:

Faia-Europeia

A faia-europeia (Fagus sylvatica) é uma espécie nativa do Centro e Norte da Europa e do Oeste da Ásia. Em Portugal, existe nas serras das regiões do Centro e Norte, porque ali foi plantada pelos Serviços Florestais. Há até um trilho pedestre na Serra da Estrela que percorre uma densa mata de faias – Rota das Faias – plantada pelos Serviços Florestais de Manteigas, no início do século XX. Há também várias faias plantadas para fins ornamentais, em parques e jardins: Parque da Pena, Mata do Buçaco e Serralves, por exemplo.

Esta é uma árvore robusta que pode elevar-se aos 30 metros. A sua madeira de cor clara é valorizada em carpintaria e marcenaria. Em algumas regiões europeias, os seus frutos são fonte de azeite para usos culinários.

Das três árvores da música, é a única que foi levada do “velho continente” e, neste caso, plantada na Nova Inglaterra (Estados Unidos).

Espinheiro-da-Vírginia

Originário do Centro e Este dos Estados Unidos, o espinheiro-da-Vírginia (Gleditsia triacanthos) é também conhecido como acácia-de-três-espinhos, nome que deriva dos espinhos que crescem nos seus ramos – espinhos simples ou triplos – e que podem chegar aos 15 centímetros. Já a árvore eleva-se dos 10 aos 15 metros de altura.

Pensa-se que a espécie tenha sido introduzida na Europa por volta de 1700. Em Portugal, esta exótica não é uma espécie frequente, mas surge em vários pontos ao longo de todo o território, além de estar presente em vários parques e coleções botânicas.

Além da aplicação ornamental, a sua folhagem foi procurada para forragem e a madeira usada para traves das ferrovias. As sementes do espinheiro são ricas em açúcar e aplicadas, entre outras coisas, como espessante em pastelaria e gelataria.

Carvalho-americano

O Quercus rubra é originário da América do Norte, mas existe também em muitos outros países, nomeadamente pela Europa, onde terá sido introduzido no final do século XVII. Em Portugal, o carvalho-americano pode ver-se em particular no Centro e Norte: Entre Douro e Minho, Trás-os-Montes, Beiras e Douro Litoral.

Pelo seu crescimento rápido (bastante mais rápido do que os carvalhos nativos), a espécie tem sido plantada pelo valor da sua madeira – usada, por exemplo, em mobiliário, construção, travessas de caminhos de ferro e barris. O seu porte e beleza são outras razões para a sua plantação: a sua altura pode ultrapassar os 35 metros e as suas frondosas copas tornam-se especialmente belas no outono, com as folhas encarniçadas a colorir parques, jardins e florestas.

Esta é uma espécie de grande longevidade, chegando a viver três séculos. Nesta perspetiva, o carvalho-americano de Cambridge é ainda um jovem: ronda os 60 anos de idade.

O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.


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