O verão de 2025 confirma uma tendência que já não surpreende quem acompanha de perto a realidade florestal portuguesa: múltiplos incêndios em simultâneo, prolongados por vários dias e de grande escala, com áreas ardidas superiores a 100 hectares. Segundo dados provisórios do ICNF publicados a 8 de setembro, já terão ardido mais de 250 mil hectares desde o início do ano, sendo o pior ano desde 2017. Desde 2010, o total de área ardida ultrapassa os 1,5 milhões de hectares, com números que aumentam ano após ano.
Em Portugal assistimos muitas vezes à discussão dos rankings da União Europeia ou que Portugal está na cauda da Europa, mas infelizmente neste tema Portugal é líder destacado entre 2006 e 2024 com maior percentagem do seu território ardido.
Os espaços florestais — que incluem floresta, matos e terrenos improdutivos — ocupam 6,1 milhões de hectares (69% do território continental), sendo 84,2% propriedade privada, 13,8% terrenos comunitários e apenas 2% áreas públicas. Este predomínio da propriedade privada, aliado à fragmentação fundiária, à falta de ordenamento eficaz, ao abandono agrícola, ao despovoamento do interior, ao incumprimento da legislação e à falta de aplicação do conhecimento científico, cria desafios significativos para a gestão e proteção do território florestal. A isto soma-se a mudança climática, que agrava riscos e torna os eventos extremos mais frequentes e perigosos.
Não podemos contornar o facto de os fogos florestais fazerem parte da realidade mediterrânica e de serem, em grande medida, inevitáveis, mas não precisam de atingir as dimensões devastadoras que atingem todos os anos. O problema é agravado pela fraca literacia sobre a floresta e o papel que esta desempenha nos equilíbrios ecológicos, económicos e sociais do território. Esta lacuna afeta tanto a população em geral como os decisores políticos, que continuam a subestimar o problema.
Persistem ainda conflitos de prioridade entre combate e prevenção aos incêndios. O combate mobiliza meios humanos, tecnologia e maquinaria; a prevenção, apesar de ser uma solução sustentável quer do ponto de vista financeiro quer do ponto de vista da defesa estrutural da floresta, continua a ter uma atenção secundária.
Temos de defender que a solução começa por assumir, de forma inequívoca, que o território florestal deve ser gerido para assegurar serviços ambientais, equilibrar sistemas biofísicos e garantir a segurança das populações. Isso implica apoiar a capacidade de gestão florestal já instalada – comunidades de baldios, associações florestais, cooperativas – excluindo, por razões óbvias, a indústria do eucalipto, e a criação e dinamização de novas entidades em territórios que não têm ou criaram essa capacidade.
É preciso quebrar um tabu que existe hoje na sociedade portuguesa que é a utilização do fogo controlado como ferramenta de gestão florestal, fomentando campanhas anuais e a formação de novos técnicos a nível nacional, de modo a reduzir sempre que necessário o “combustível” da floresta, complementado por ações mecanizadas com metas quantificáveis.
Sendo os incêndios eventos devastadores, o período que se lhes segue é uma janela crítica para restaurar a paisagem em mosaicos, aumentando a resiliência ecológica e reduzindo o risco de novos incêndios de grandes dimensões. Ao diversificar os usos do solo – alternando
floresta, agricultura, pastagem, galerias ripícolas e espaços de lazer – cria-se uma rede interligada de habitats e corredores verdes que favorece a biodiversidade e permite uma gestão mais eficiente (ou gestão passiva) do combustível florestal quebrando a lógica de monocultura de eucalipto (gerido ou não gerido) que hoje predomina na nossa floresta.
É também necessário criar condições para fixar população no interior e atrair quem procura uma nova vida, através de programas de formação, financiamento e integração na gestão ativa da terra — seja para produção de bens florestais, pastorícia, agricultura biológica, resinagem, cortiça, mel, castanha, pinhão, cogumelos, ou para atividades turísticas e agroindustriais.
Apostar em instrumentos complementares, como o Mercado Voluntário de Carbono, envolvendo um conjunto alargado de atores desde empresas até associações ambientais, pode também incentivar a transformação da paisagem e suportar a remuneração pelos serviços ambientais prestados pela floresta.
A experiência mostra que conhecimento, planeamento e participação comunitária podem inverter décadas de degradação e vulnerabilidade. No entanto, também evidencia que intervenções de grande escala exigem políticas públicas robustas. Iniciativas como os Programas de Reordenamento e Gestão da Paisagem (PRGP), as Áreas Integradas de Gestão da Paisagem e os Condomínios de Aldeia, criadas após os incêndios de 2017, ilustram uma ambição política positiva.
Contudo, no terreno, pouco avançaram, ficando aquém do seu potencial e reféns da dinâmica (ou a falta dela) das autarquias e do associativismo local. Dos 20 PRGP previstos, apenas um está concluído e em vigor; só 36% dos prédios rústicos estão cadastrados nos 155 municípios onde se está a tentar conhecer os donos das terras; a despesa executada do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais entre 2020 e 2024 está 25% abaixo do previsto e do PRR o Estado só executou 44% das verbas para a floresta, etc.
De uma vez por todas a política florestal nacional deve assumir como desígnio central a gestão ativa e integrada do território, vendo a floresta não como passivo de risco ou como um evento mediático, mas como ativo estratégico para o futuro do país. É tempo de transformar conhecimento em ação, vontade em compromisso e palavras em resultados concretos. Com a chegada das primeiras chuvas, o tema não pode cair no esquecimento, sob pena deste texto continuar atual em 2026. Ou já se esqueceram?
O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990