Jaime Quendera: “Mais 10 cêntimos a garrafa e a cooperativa ganhava mais 1,7 milhões”

Arrecadou 31 medalhas no último Concurso de Vinhos da Península de Setúbal. Conversámos com Jaime Quendera para perceber onde está a receita do sucesso, mas com o foco na cooperativa de Pegões.

Com 53 anos, Jaime Quendera já fez 28 vindimas. É autor dos vinhos de duas das empresas líderes em valor de vendas em Portugal no mercado da grande distribuição (Cooperativa Agrícola de Santo Isidro de Pegões, com 24 milhões de euros de facturação, e Casa Ermelinda de Freitas, com 40 milhões de euros), além de dar assistência a mais oito empresas, do Minho ao Alentejo. Homem simples, pragmático, frontal e rápido de pensamento (às vezes é um sarilho acompanhá-lo), uns dizem que é uma espécie de rei Midas do vinho e outros, com malícia, destacam que inventou um estilo de vinho que imita o negócio dos refrigerantes. A realidade é que colocou os vinhos da Península de Setúbal a um nível inimaginável há 28 anos. Goste-se ou não dos seus vinhos — há milhões que gostam —, se houvesse um Nobel só dedicado à produtividade ficar-lhe-ia muito bem entregue.

Nota. A análise de mercado que aqui feita é a partir das vendas em hipermercados, supermercados e minimercados, o chamado mercado off trade.

Quantas vezes foi ao palco para receber prémios no último Concurso de Vinhos da Península de Setúbal?

Pessoalmente, só fui 15 vezes, como director-geral da Cooperativa Agrícola de Santo Isidro de Pegões (CASIP), mas se tivesse sido eu a receber as medalhas da Casa Ermelinda Freitas e do produtor Filipe Palhoça, nesse caso teria de me ter levantado da cadeira 31 vezes.

Será, há vários anos, o enólogo português mais premiado em concursos nacionais e internacionais. Isso dá, mais ou menos, quantas medalhas por ano?

O ritmo a que as medalhas chegam é tal que a dada altura fico com a memória cheia, mas há dias tive que fazer umas contas e, só no caso da CASIP e da Ermelinda Freitas, nos últimos três anos o valor certo são 1128 medalhas. Se juntar todas as casas onde faço vinhos (e vamos só meter aqui as dez que mais vinho engarrafam), julgo que estarei próximo das 500 medalhas por ano.

Como é que explica essa ribeira de prémios, ano após ano, cá dentro e lá fora?

Como nem eu nem ninguém das minhas equipas prova nesses concursos, como os jurados dos concursos são muito diferenciados e como concorrem as melhores empresas do mundo, eu, com humildade, só posso concluir uma coisa: os vinhos que faço devem ser bons.

Há uma coisa que nos intriga aqui na CASIP. Esta é a cooperativa que mais factura em Portugal (24 milhões de euros por ano), não está no Alentejo nem no Douro, e tem como director-geral, director comercial, director de marketing, responsável de exportação e enólogo a mesma pessoa – você. Como é que isso é possível?

É preciso registar nessa equação que o senhor Mário Figueiredo é director da cooperativa desde que eu trabalho aqui, há 28 anos – e isso faz toda a diferença. Como é que é possível? É muito simples: basta, por um lado, estudar muito bem os mercados e, por outro, fazer tudo bem feito e com poucos entraves pelo meio.

Mas não falta gente em Portugal que estuda e faz bem o seu trabalho.

Isso aí já não sei.

Então, o que é que significa isso de fazer bem feito?

Significa fazer muito bem vinhos que são criados em função dos segmentos de mercado onde estamos. Em Portugal e no estrangeiro. Como sou eu que acompanho todos os mercados, como sou eu quem estuda as tendências, como sou eu quem define a imagem de cada marca e sou eu quem negoceia ao cêntimo cada referência para todos os price target, sei muito bem que vinhos tenho de fazer. Na generalidade das empresas os enólogos têm um pensamento sobre o vinho, os comerciais têm outro pensamento e, por vezes, a administração ainda tem outro. Aqui não há nada disso. Não perdemos tempo com reuniões a partir de conceitos esquisitos e importados para inventar problemas para ter que os resolver depois. Há uma reunião por semana com a direcção e tudo se decide rapidamente.

O segredo é eliminar a burocracia e o ruído na gestão?

É, mas atenção que eu tenho gente que me ajuda, como é óbvio. Só que as decisões têm de ser rápidas. E até dou um exemplo recente. Eu acho — por razões variadas — que as garrafas com rosca metálica vão ser uma tendência para alguns segmentos. Abordei directamente uma cadeia de distribuição, que disse estar de acordo. Cheguei aqui à reunião de direcção, apresentei o projecto e nesse mesmo dia tomou-se a decisão de avançar com o vinho, que vai entrar por estes dias no mercado. Se fosse noutra empresa, primeiro que houvesse uma decisão, seriam precisos não sei quantos estudos e relatórios.

Está de ver que a CASIP não deve gerar muitos empregos em determinadas áreas.

Gera nas áreas em que é necessário, e que no total já são mais de 100 (só no laboratório temos dez técnicos). Acho que isso é gerar emprego. E aqui ninguém recebe salário mínimo.

Ainda assim, como é que alguém pode estar a tomar decisões técnicas sobre a produção em várias adegas (do Minho ao Alentejo), sobre a gestão diária da CASIP, andar nos mercados externos e ainda ter tempo para estar presente em reuniões regulares com os grupos de distribuição?

Essa coisa das reuniões regulares com os grupos de distribuição já não existe. Isso era antigamente. Agora, tudo fica acertado ao detalhe – e é mesmo ao detalhe – numa única reunião anual. Preços, campanhas, folhetos, tudo. Depois, eu só tenho que ir controlando o que está a ser vendido nos diferentes pontos do país. E, isso sim, é muito importante. Vender não é fechar um negócio com uma cadeia de distribuição e mandar para lá paletes. Vender é quando o vinho sai da prateleira pelas mãos do consumidor. Isso é que é vender. E eu tenho de controlar o que está a acontecer constantemente.

E como faz isso?

Através dos dados Nielsen. Esta é uma ferramenta que me permite controlar o canal que representa 70 por cento do mercado. Eu com isso controlo tudo o que está a acontecer, avalio a minha concorrência e percebo o comportamento dos consumidores. Ao mais […]

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