João Pedro Matos Fernandes: A expectativa é ter “1500 milhões de euros da PAC para investir na floresta”

O Ministério da Agricultura pode vir a ter de disputar com o Ambiente os fundos europeus destinados aos pagamentos directos aos agricultores. O Ministro do Ambiente adverte: “A floresta tem todo o direito, tal como a actividade agrícola, a receber verbas do primeiro pilar da PAC.”

O ministro do Ambiente e Acção Climática diz que a agricultura tem “o hábito” da “disponibilidade financeira” dos pagamentos directos do primeiro pilar da Política Agrícola Comum (PAC), mas pode estar em cima da mesa uma mudança de paradigma. João Pedro Matos Fernandes revela como as florestas vão receber 1500 milhões de euros da PAC e do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) até 2027 e puxa a brasa à sua sardinha. “A floresta tem necessidade.” Aliás, “faz muito mais sentido que os pagamentos directos para a manutenção das condições ambientais sejam feitos em terrenos florestais”.

Questiono-o sobre a passagem, nesta legislatura, da tutela política das florestas do Ministério da Agricultura para o Ambiente. O que é que o país ganhou? É possível quantificar ou qualificar essa mudança?

Qualificar, sim. Há mesmo um novo olhar. A quantificação é sempre mais difícil de fazer, no sentido em que esta se faz sempre por diferença. Sei dizer o que fizemos, não sei dizer o que seria feito. A partir do momento em que este ministério se começou a chamar da Acção Climática e lhe foi atribuído o papel de coordenação de um dos três eixos considerados mais relevantes deste Governo para a acção governativa, era fundamental que nele se concentrassem as acções  que decorrem dos três verbos-chave da acção climática: mitigar, ou seja, reduzir emissões atmosféricas; adaptar, ou seja, fazer que os nossos hábitos e opções se adaptem àquilo que o território tem para nos dar; e sequestrar, porque Portugal foi o primeiro país a assumir a neutralidade carbónica em 2050 no mundo, coisa que agora outros já fizeram e estamos bem acompanhados. Ser neutro em carbono não significa ter emissões zero; significa ter emissões carbónicas numa dimensão equivalente à capacidade de sequestro que o país tem. E o sequestro de gases carbónicos em Portugal é todo ele florestal. Para isso, era fundamental que este triângulo de verbos estivesse sob a mesma tutela política. Foi isso que fez que as florestas viessem para aqui.

Essa é a sua perspectiva enquanto ministro. Lanço-lhe o desafio de se colocar na pele dos proprietários florestais e da indústria que opera com matéria-prima de base florestal. O que pensarão eles nesta altura? Foi útil, proveitosa, a mudança de tutela política?

É uma pergunta que tem de lhes fazer a eles.

Naturalmente. Mas, das conversas que vai tendo, com que sentimento fica?

Nós não temos a mais pequena dúvida do valor económico e ambiental da floresta. E, ao passar [as florestas] para a tutela deste ministério, é normal que assim seja. No discurso, na prática e, até, no entendimento que é feito, aquilo que ganha um papel primacial é, de facto, o valor ambiental da floresta. Ou seja, olhar a árvore pela copa e não pelo tronco. Olhar a árvore e a floresta, que é muito mais do que um conjunto de árvores e que é todo um ecossistema que é a raiz da biodiversidade que temos, da água pura que bebemos, do ar puro que respiramos. E por isso esse valor ambiental cresce muito, de facto, com a passagem para dentro do Ministério do Ambiente. Nós queremos mesmo que se perceba o bem público que a floresta representa. E esse bem público tem de ser remunerado. E, daí, a remuneração dos serviços dos ecossistemas. Agora, esse bem público que resulta de árvores mais adaptadas ao território e de rotações menores no corte, com essas árvores mais tempo a crescer, conduz necessariamente a um valor económico da própria floresta. Não me parece ser uma boa opção fazer árvores para fazer estilha de madeira e pellets. Esse é mesmo o menor valor que uma árvore pode ter, quando sabemos que ela pode ter muitas aplicações e muito mais valiosas. Quando se fala em floresta nunca se fala em curto prazo. Mas, se pensarmos dentro do próprio tempo da floresta, uma árvore, de facto, vai fazer mais dinheiro demorando mais tempo, para poder remunerar o investimento que nela foi feito. E isso tem de ser compensado no tempo. Precisamente por isso é que deixámos de pagar para plantar. Passámos a pagar para plantar e gerir. Os avisos abertos no PDR [Programa de Desenvolvimento Rural 2020] que já estão encerrados têm cerca de 100 milhões de euros para investimento e mais de 40 milhões para celebrar contratos com os produtores florestais para, ao longo de 20 anos, fazerem exactamente a compensação, que está estimada, entre 80 e 150 euros/hectare/ano para pagar o diferencial entre a árvore que objectivamente dá mais dinheiro ao seu produtor se não arder, que é o eucalipto, e aquilo que são as culturas florestais que nós temos de privilegiar e promover no país.

Quase seis milhões para o cadastro e cartografia

Certo é que a indústria continua a confrontar-se com dificuldades no acesso à matéria-prima, a madeira. Cada vez mais se importa madeira para satisfazer as necessidades industriais. À parte da questão ambiental, que passos estamos a dar para que isto não aconteça?

Percebo a sua pergunta, mas não consigo dizer “à parte da questão ambiental”.

Em paralelo com a questão ambiental.

A parte da questão ambiental é mesmo a mais relevante quando olhamos a floresta, sabendo nós, repito, que o valor económico dessa mesma floresta será tanto maior e tão mais perene quanto mais as árvores forem as mais adaptadas ao território e viverem mais anos até poderem ter esse valor económico. Aquilo que temos garantido – e fizemos isso neste incêndio que aconteceu em Proença e em Oleiros – é garantir que quem produz a madeira não é, em situação alguma, explorado pelo valor do seu metro cúbico ou tonelada. E disponibilizámo-nos para, se fosse necessário, fazer o leilão dessa madeira para garantir um preço mínimo aos seus produtores.

Quero questioná-lo sobre o próximo Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 e sobre o PRR – Programa de Recuperação e Resiliência. Que dotação financeira será afectada às florestas?

Comecemos pelo PRR, que compara com zero. O PRR tem para as florestas 665 milhões de euros, que se dividem em cinco grupos. Dois, de menor dimensão, têm que ver com novos meios para o combate directo a incêndios. Outro, de quase 6 milhões de euros, e que é da maior importância, tem que ver com o cadastro e cartografia, isto é, para concluirmos até ao final de 2023 o nosso projecto do cadastro, com a expectativa de chegar a esse mesmo ano com 90% desenhado em Portugal. E 166 milhões de euros são para as faixas de gestão de combustível e 270 milhões de euros são para a transformação da paisagem, particularmente nos territórios onde a floresta é mais vulnerável.

Na prática, como vão ser aplicadas essas verbas?

Estes 270 milhões de euros são, de facto, fundamentais para concretizar este novo olhar. Um novo olhar que ainda é mais inspirador quando lembramos o arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles, que é o de desenharmos a nossa paisagem, percebendo bem que ela não é uma fotografia. Ela é aquilo que vemos, mas, sobretudo, aquilo que existe nas actividades que vemos quando olhamos a paisagem.

E há aqui nestes 270 milhões de euros, dos quais queremos investir já no próximo ano aproximadamente 50 [milhões], quatro eixos fundamentais. Um é o planeamento, que consome 2,5 milhões de euros. Tendo como ponto numérico fulcral reduzir para metade a área ardida no nosso país, sabemos que temos de intervir em aproximadamente um quinto da nossa paisagem rural florestal. Por isso, [haverá] 20 planos de paisagem, que representam mais ou menos 60 mil hectares cada um, para podermos, com as autarquias e os proprietários florestais – que têm um papel essencial na nossa política – desenhar um mosaico de paisagem que procure novas culturas e que reduza mesmo as continuidades que possibilitam os grandes incêndios.

Em segundo lugar, as novas áreas integradas de gestão de paisagem, com 222 milhões de euros. Já há duas contratadas. Queremos mesmo reestruturar um número muito elevado dessas áreas integradas de gestão de paisagem, que são filhas dos planos de paisagem mas que não podem esperar por eles, e que se localizarão em dois tipos de territórios: aqueles onde as zonas rurais são mais relevantes e aqueles onde o risco de incêndio é maior. Alvares é um desses casos e mostra o quão difícil é estruturar uma coisa destas. O número de proprietários para intervir numa área de aproximadamente 500 hectares e toda a complexidade que subjaz a toda essa intervenção é mesmo muito grande.

É “insuportável haver manchas tão continuadas de floresta”

Estamos a falar de minifúndio, de muito pequenas propriedades florestais. 

Sim, e onde, infelizmente, só a escatologia do incêndio é que provocou a possibilidade de esta AIGP [área integrada de gestão de paisagem] ser constituída. Quando a tentaram

Continue a ler este artigo no Público.