“O optimista vê a luz ao fundo do túnel, mesmo quando ela não está lá; O pessimista vai a correr apagá-la!”
Passámos as últimas décadas a ouvir discursos de despedida e elogios fúnebres à agricultura portuguesa: Por causa da PAC e de muitas causas, vozes do povo e elites encartadas concordaram que a agricultura acabara em Portugal, se não acabara faltava pouco, não tinha futuro, etc., etc. Recordo-me de tentar avisar que “as notícias da nossa morte eram claramente exageradas”, mas poucos me leram e acreditaram. Depois veio a crise para o resto da economia e as “novas oportunidades”, as “novas tecnologias” e os sonhos de um emprego como funcionário público atrás de uma secretária foram todos por água abaixo e o pessoal lá teve de sair da sua “zona de conforto”, uns emigrando à procura de emprego, outros deixando as ideias feitas sobre o fim da agricultura e arriscando investir numa actividade que, afinal, talvez desse para sobreviver e, claro, tinha apoios para a instalação. E assim, o país do “êxodo rural” que se lamentava com o abandono da agricultura, porque “os jovens não querem trabalhar a terra”, ficou a saber que se inverteu a tendência e passaram a “instalar-se” na agricultura 280 jovens por mês. E agora?
Bem, o pessimismo continua. Agora, em vez dos lamentos sobre o abandono da agricultura, ouvimos os receios sobre o futuro destes jovens agricultores, das suas explorações agrícolas e dos seus investimentos. Que não têm formação, não têm experiência, que estão a hipotecar o seu futuro…
São fundados os receios? Talvez. E então, soluções? Alternativas? Suspender a instalação de jovens agricultores e voltar ao velho discurso sobre o abandono da agricultura? Não pode ser, foram já milhares os que se instalaram, continua a haver terra para cultivar e gente para alimentar.
É provável que a formação de muitos seja insuficiente, mas desconheço qualquer estudo sobre esse assunto; quem faz afirmações, fala com base em impressões e senso comum. Nunca percebi porque não deixavam (não deixam) fazer os cursos de jovem agricultor antes de apresentar o projecto. Contudo, os que se instalam hoje têm mais formação de base (ensino secundário e superior) ferramenta que lhes permite procurar com mais sucesso a formação e apoio técnico que necessitem. Haja da parte das empresas, universidades e organizações agrícolas capacidade e iniciativa para disponibilizar esse apoio. Se for possível fazê-lo a custo reduzido, no âmbito de serviços de acompanhamento pagos pela PAC, melhor; Mas não fiquem à espera do dinheiro para os cursos enquanto os mirtilos se estragam.
Os milhares de jovens que se instalam na agricultura, depois de darem trabalho e passarem valor aos projectistas e a quem lhes forneceu os investimentos (máquinas, plantações, etc.) poderão agora dar trabalho e valor a quem os queira apoiar e acompanhar tecnicamente.
Com mais ou menos adversidades climáticas ou problemas técnicos, a produção irá vingar. Resta depois o desafio do mercado. Organizar a comercialização. Refundar cooperativas ou impulsionar novas organizações de produtores. Defender a produção face à pressão de intermediários e grande distribuição, que tem direito ao lucro, mas que se forem deixados “à solta” vão querer ganhar num dia mais do que o produtor ganha num ano. Haja coragem do poder político para lançar leis que regulem o mercado (como a recente lei que penaliza as promoções abusivas), para vigiar a sua execução e haja trabalho das organizações agrícolas para defender essas leis e exigir o seu cumprimento, pois é no mercado que se valorizam os produtos agrícolas e será do mercado que virá o retorno para pagar o investimento e o esforço de quem abraça o trabalho na terra.
Haverá falhas, desistências, falências? Certamente, acontece em todos os sectores económicos. A agricultura não é excepção. Desconheço qualquer estudo que demonstre taxas de insucesso na agricultura superiores a outros sectores. Vejo, portanto, como muito positivo que os jovens se instalem na agricultura, que arrisquem. Seria bom poder coloca-los num simulador (faz muita falta a prática de estágios) mas só na prática podemos testá-los e distinguir os empresários mais ou menos competentes. Acho mil vezes melhor assumir que alguns possam falhar do que deixar a terra abandonada à espera de um D. Sebastião que venha fazer tudo certinho e direitinho.
Carlos Neves
O CAMINHO FAZ-SE CAMINHANDO
“Caminhante, as tuas pegadas
São o caminho e nada mais;
Caminhante, não há caminho,
O caminho faz-se ao andar.
Ao andar faz-se o caminho
E ao olhar-se para atrás,
Vê-se a senda que jamais
Se há-de voltar a pisar.
Caminhante, não há caminho,
Somente sulcos no mar.”
António Machado (Sevilha 1875 – França 1939) – Cantares – O Caminho Faz-se Caminhando.
Agricultura – Reconhecer valor ao trabalhador – Carlos Neves