Lei aplicada em Portugal leva à destruição de toneladas de carne própria para consumo – APIC

Uma lei sobre a metragem legal, que pode não ter recebido o visto prévio de Bruxelas, está levar à destruição de toneladas de carne própria para consumo, lesando os operadores em milhares de euros, alertaram os industriais de carnes.

“Há um regulamento comunitário que estabelece a obrigatoriedade de metrologia legal apenas para as câmaras e viaturas de ultracongelados […]. O IPQ [Instituto Português da Qualidade], responsável pela metrologia legal, pegou no regulamento e em vez de fazer só um regime sancionatório, fez a portaria 2911/2009, onde estendeu essa obrigatoriedade às câmaras e viaturas de transporte de alimentos congelados e refrigerados”, afirmou a diretora executiva da Associação Portuguesa dos Industriais de Carnes (APIC), Graça Mariano, em declarações à Lusa.

O regulamento comunitário em causa (37/2005) estabelece que “os meios de transporte e as instalações de depósito de armazenagem de alimentos ultracongelados serão dotados de instrumentos de registo adequados para controlar, com intervalos frequentes e reguladores a temperatura do ar [metrologia legal] a que estão sujeitos os alimentos ultracongelados”.

Com a extensão da obrigatoriedade a produtos refrigerados e congelados, os operadores económicos portugueses têm uma “despesa desnecessária”, que ronda entre os 500 e 600 euros anuais por viatura ou câmara, que não é verificada nos restantes Estados-membros.

Tendo por base a lei mais recente, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) aplica “coimas exageradas e sanções acessórias de rejeição de carne”, disse, exemplificando que, numa das últimas ações, esta autoridade destruiu três toneladas de carne, que estava própria para consumo.

Segundo a APIC, a carne foi transportada numa viatura, cujo registador de temperatura não tinha os requisitos de metrologia legal, mas encontrava-se em condições de ser consumida, o que estava sustentado por um parecer técnico do veterinário oficial.

“A ASAE tem sempre um ou outro inspetor que gosta de fazer abuso de poder. Contactei a ASAE e esta não fez uma avaliação do ato inspetivo para tomar medidas e deitou fora três toneladas de carne”, acrescentou Graça Mariano.

Numa outra ação foi também apreendida uma carrinha de transporte porque não tinha metrologia legal, decisão que a APIC também contesta, tendo em conta que, mesmo assim, a viatura poderia ser utilizada para distribuição local.

Graça Mariano notou que os regulamentos comunitários são de aplicação direta e que se algum Estado quiser fazer uma legislação mais específica, tem que fazer a sua divulgação na plataforma TRIS e, posteriormente, os Estados-membros pronunciam-se sobre a mesma “para ter a certeza de que não há bloqueios”.

A diretora executiva da APIC, que também já trabalhou na ASAE e na Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), acusou ainda o IPQ de “não ter feito prova da divulgação” na plataforma, assumindo assim que a legislação não foi previamente verificada por Bruxelas.

“Estive reunida com eles [IPQ] na quinta-feira e nada. É um instituto que não trabalha com lealdade e transparência. Está a prejudicar os nossos operadores a troco de terem mais receita para eles próprios”, apontou.

Esta responsável, que também já contactou o Ministério da Economia, disse que o IPQ alegou “ser soberano” em matéria de metrologia legal e ficou de analisar a exposição da APIC.

Contudo, os industriais de carnes consideram que a ASAE não deveria atuar sobre esta matéria enquanto a mesma análise decorre e vincaram que Portugal não goza deste “tipo de soberania legislativa”, uma vez que faz parte da União Europeia.

“A indústria da carne é a que tem mais custos e mais controlo […], mas não pode trabalhar porque não há médicos veterinários [a fazer o controlo nos matadouros], não pode exportar porque a DGAV não tem pessoas para negociar os dossiers de controlo com os países terceiros, e ainda tem custos acrescidos”, concluiu.

Contactado pela Lusa, o Ministério da Economia remeteu esclarecimentos para a ASAE, que, por sua vez, não respondeu.

A Agência Lusa contactou igualmente o IPQ e a representação portuguesa da Comissão Europeia em Portugal e não obteve resposta.

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