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Lei de Bases do Clima reconhece a emergência climática, mas não há emergência em aplicá-la

A ZERO chamou atenção no final de 2022 para dez pontos urgentes que tardam em ser cumpridos na Lei de Bases do Clima(1). Volvido um mês, e em cima da data limite de 1 de fevereiro de 2023 para a aplicação desses pontos, a ZERO assinala com apreensão que pouco ou nada evoluiu. Em breve, a 30 de março de 2023, termina também o prazo estipulado para a apresentação do relatório de avaliação do impacte carbónico da Assembleia da República.

A ZERO tem-se desdobrado em esforços para perceber o estado dos trabalhos relativos à regulamentação e aplicação da lei, e incentivar e contribuir para esse processo, tendo feito uma ronda de conversações com todos os grupos parlamentares e organismos governamentais, e com cartas dirigidas aos ministros e responsáveis políticos. Em particular, sobre o atraso na constituição do Conselho de Acção Climática, de iniciativa parlamentar, a ZERO escreveu ao Presidente da Assembleia da República, e sobre o atraso na regulamentação do risco e impacte climático nos ativos financeiros, no relatório sobre património, investimentos, atividades, participações e subsídios públicos, e na revisão das normas sobre governo das sociedades, escreveu ao Ministro das Finanças. A ZERO pediu ainda uma reunião à nova Secretária de Estado da Energia e Clima, mas que ainda não ocorreu.

 Conselho de Acção Climática: um pilar estrutural da lei que tarda em ser erigido

Um dos pilares da lei é o chamado Conselho para a Acção Climática, o qual terá um conjunto de competências definidas no seu artigo 13º, nomeadamente a elaboração de estudos, apreciações e pareceres sobre o planeamento e execução da política e acção climáticas no país, incluindo legislação conexa. Embora o seu papel seja consultivo, no entender da ZERO a sua existência e pleno funcionamento são imprescindíveis no garante de que a lei é aplicada e cumprida na sua integralidade, havendo nela uma série de disposições que, explícita ou implicitamente, dependem disso – por exemplo, o Portal de Acção Climática, cujas funcionalidades e conteúdo fazem todo o sentido serem concertados com o Conselho, ou os Orçamentos de carbono, sobre os quais o Conselho se deve pronunciar.

Uma das atribuições do Conselho para a Acção Climática é a de emitir parecer sobre o Orçamento do Estado, o qual para o vigente ano foi proposto, discutido e aprovado nos últimos meses de 2022. No entender da ZERO, houve tempo suficiente, desde a entrada em vigor da lei a 1 de Fevereiro de 2022, e não obstante as eleições em Janeiro e tomada de posse do Governo no final de Março, para o Conselho estar constituído e em funções a tempo de poder ter contribuído construtivamente para o seu desenho, concretamente no capítulo da orçamentação verde, cujo objectivo é “reorientar o investimento público, o consumo e a tributação para prioridades ecológicas em vez de subsídios prejudiciais”, o que constitui uma adequação à Lei de Bases do Clima. Se é verdade que no Orçamento de 2023 há pela primeira vez esta rubrica, também é verdade que é ainda muito incipiente e incompleta, e o Conselho poderia ter tido aí um papel relevante, e será vital que o venha a ter no Orçamento de 2024.

A ZERO ressalva que o Conselho de Acção Climática é de iniciativa parlamentar, cabendo à Assembleia da República definir em resolução a sua composição, organização, funcionamento e estatuto, incluindo do seu apoio técnico. A ZERO, no âmbito da ronda de reuniões que tem conduzido com os grupos parlamentares, tem instado os partidos a serem proactivos em todo o processo de regulamentação da lei, havendo duas propostas de regulamentação do Conselho, uma da parte do PAN (já de Setembro de 2022) e mais recentemente uma da parte do PSD (de Janeiro deste ano). Mas a ZERO sabe que a lentidão do processo está relacionada com a ainda inexistência formal de uma proposta por parte do PS, pois é o partido que sustenta o Governo com maioria absoluta no Parlamento, e por isso essa é uma proposta que urge apresentar.

Constituição do Conselho de Acção Climática não pode assentar em critérios vagos e dúbios

Dada o estado inicial do processo de constituição do Conselho de Acção Climática, e todos os trâmites que envolverá (agendamento em plenário, discussão na especialidade, aprovação de estatutos, escolha de membros, constituição da estrutura de apoio técnico, processo de selecção de técnicos, etc.), a ZERO está preocupada com a data em que este órgão entrará em funções. Não obstante, é necessário garantir que a sua constituição se faz respeitando o espírito da lei, dotando-o de total independência científica e autonomia administrativa e financeira, e que os critérios de escolha dos membros são transparentes, plausíveis e equilibrados.

Os membros do Conselho deverão integrar personalidades, tal como a Lei de Bases do Clima prevê, de “reconhecido mérito, com conhecimento e experiência nos diferentes domínios afetados pelas alterações climáticas”, mas no entender da ZERO este é um critério ainda lato e que deverá ser aprofundado em diploma próprio. Para a ZERO, o Conselho deverá incluir membros com experiências múltiplas, diversas e, dentro do possível, sem sobreposições entre si, em particular nas áreas da política pública climática nacional e internacional, climatologia, produção e fornecimento de energia, comércio de emissões, análise e previsão económica, tecnologia verde e investimento. A escolha deverá ser feita concertadamente pelo conjunto dos partidos recorrendo à abertura de um processo de candidatura espontânea e por convite, eventualmente em sede de Comissão de Ambiente, mas os membros deverão ser neutros e apartidários.

A lei determina ainda que o Conselho deverá incluir um representante das Organizações Não Governamentais de Ambiente, mas resta saber os critérios específicos de selecção que serão propostos para esta escolha. Para além dos já mencionados, no entender da ZERO as organizações incluídas neste grupo devem ser de âmbito nacional, com reconhecido trabalho na área do clima e com estatuto de utilidade pública, sendo o representante nomeado pelo Presidente da Assembleia da República após ronda de conversações com essas organizações, mais uma vez eventualmente em sede de Comissão de Ambiente.

Portal de Ação Climática: uma porta de entrada do cidadão na política climática mas que está ainda fechada

O Portal de Ação Climática, ferramenta digital na internet da competência do Governo que deveria estar em funcionamento até 1 de Fevereiro de 2023, deverá permitir aos cidadãos inteirar-se da acção climática governativa, de informação sobre emissões e metas, progressos no seu alcance, financiamento para o clima e estudos e projetos relevantes. Deverá ainda disponibilizar informação sobre a participação cidadã na acção climática, e estimular e agilizar essa participação. Só que esse portal, com estas características, ainda não existe.

A ZERO entende que é importante esta ferramenta ser bem desenhada, providenciando logo à entrada uma forma gráfica de os cidadãos, imediatamente e em poucas imagens, se inteirarem dos objectivos e progressos em termos de acção climática do país. Deve ser de fácil acesso, usar uma linguagem clara, e conter informações e procedimentos que sejam de fácil entendimento. As funcionalidades devem ser intuitivas e, em termos de organograma do portal, a página inicial deve disponibilizar um resumo de todas as secções. Deve ainda funcionar como um aglomerador de notícias e eventos relevantes ao nível nacional e internacional.

As secções devem incluir com mais detalhe estatísticas sobre uso da energia e emissões e informação sobre o cumprimento dos orçamentos de carbono, incluindo pareceres e relatórios do Governo relevantes. Deve ainda conter uma secção dedicada à participação pública, incluindo pedidos de contributos escritos sobre matérias não sujeitas a consulta pública tradicional, e informação sobre como grupos de cidadãos (no mínimo, 30) podem solicitar a organização de “sessões de esclarecimento e debate” sobre acção climática, uma figura prevista na lei. Finalmente, a ZERO recomenda que o Conselho de Acção Climática seja consultado na definição do conteúdo do Portal e sua melhoria contínua.

Orçamentos de carbono são um instrumento estruturante da política climática, mas onde estão eles?

A ZERO considera urgente a determinação e publicação dos Orçamentos de Carbono, os quais instauram limites de emissões de gases de efeito de estufa em termos nacionais e sectoriais. Este é um instrumento importante na política climática, pois baliza as emissões nas diferentes etapas do caminho para a neutralidade climática. Neste momento, não há ainda informação sobre esses valores para o período 2023-2025 – apesar de já estarmos em 2023 –, e para o quinquénio 2025-2030; segundo a lei, estes dois orçamentos deveriam estar em vigor no máximo a 1 de Fevereiro de 2023, e depois da sua elaboração deve ser emitido parecer pelo Conselho de Acção Climática – o qual ainda não existe – no prazo de 20 dias.

Apesar de a lei determinar que as emissões até 2030 devem baixar 55% em relação a 2005, o que corresponde ao valor mais alto de redução de emissões objectivado no Plano Nacional de Energia em Clima (PNEC), a verdade é que é um valor ainda insuficiente para Portugal assegurar a sua quota parte no cumprimento do objectivo do Acordo de Paris de manter o aquecimento global abaixo de 1,5°C – e mesmo para cumprir os 2°C não chega. De facto, para cumprir o 1,5°C, Portugal deveria em 2030 baixar as suas emissões em pelo menos 60% em relação a 2005, de forma a assegurar com uma probabilidade de 50% que em 2100 o aumento de temperatura global não excede esse limite, embora com ultrapassagens temporárias até lá. Isto significa que em 2030 as emissões de gases de efeito de estufa no país, excluindo uso do solo, alteração do uso do solo e florestas, não deverão estar acima de cerca de 34 milhões de toneladas de CO2 equivalente (MtCO2e), o que coloca o orçamento de carbono máximo até lá em cerca de 330 MtCO2e, mas desejavelmente menos – as reduções no início do percurso, feitas em sectores onde a descarbonização é mais fácil (e.g. electricidade), devem ser maximizadas, pois no final do percurso as reduções são mais difíceis (e.g. nos transportes e indústria). Este valor é mais de metade de todo o orçamento de carbono que Portugal tem para gastar até 2045.

É entender da ZERO que o orçamento de carbono até 2030 (e sub-orçamentos) deve orientar o desenho das políticas públicas na área do clima, incluindo o novo PNEC, cujo desenho está a ocorrer actualmente e que deve ter uma versão provisória em Junho deste ano, para entrar em vigor em meados de 2024.

 ZERO continuará a pugnar pela colocação em prática da Lei

A crise climática é o maior desafio que a humanidade alguma vez enfrentou, e, tendo em conta a grande vulnerabilidade e exposição aos impactos das alterações climáticas de Portugal, por maioria de razão também o maior que o nosso país enfrentou, e por isso a Lei de Bases do Clima faz o reconhecimento da emergência climática. A Lei não pode ser letra morta, pois é vital na preparação do país para esta batalha.

Por isso, a ZERO reitera o alerta para a urgência da sua rápida regulamentação e implementação. A ZERO continuará a pugnar pela colocação em prática da Lei, incluindo através da organização a breve trecho de uma conferência com todas as partes interessadas para fazer um diagnóstico do que está a falhar na aplicação da lei e como se pode resolver a dificuldade, sob pena de Portugal não alcançar o seu compromisso de atingir a neutralidade climática em 2045.

Fonte: ZERO


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