
por henrique pereira dos santos, em 11.08.25
“Num país tão forte em fraude, um proprietário ganha mais com o terreno ardido do que com a sua (não) exploração”, foi um comentário que surgiu numa conversa sobre a gestão do problema dos fogos que este Governo tem aplicado.
Que seja claro, a leviandade na gestão do problema do fogo não é deste Governo, este Governo apenas tem ampliado a leviandade reinante, dentro do movimento pendular que existe no sistema: a um ano catastrófico segue-se um maior peso das pessoas que estudam e sabem de gestão do fogo, quer no espaço público, quer institucionalmente, e à medida que os governos vão podendo apresentar anos razoáveis decorrentes do combustível ter sido consumido no ano catastrófico, a coligação autarquico-bombeiral vai reganhando peso, até ao ano catastrófico seguinte em que o processo recomeça.
A frase acima, de quem está habituado a fazer avaliação de risco, era um comentário a esta ideia do Senhor Ministro da Economia de que vai pagar rapidamente prejuízos não documentados até um valor abaixo dos 10 mil euros, substituindo-se às seguradoras e criando um incentivo ao uso indevido do fogo, a partir do momento em que existe a possibilidade de uma área ardida dar mais rendimento que uma área não ardida.
Mas é só um exemplo de leviandade, outro bom exemplo, sobre o qual o Senhor Ministro da Economia não parece ter qualquer opinião, consiste em agravar as condições de competitividade de grande parte das empresas que gerem combustíveis (gestão florestal, incluindo resinagem, gestão de caça, pastoreio, etc., e ainda outras que não gerindo combustíveis geram riqueza em regiões em que é preciso ter mais capacidade instalada para aumentar a competitividade global que aumenta a viabilidade da economia que gere combustíveis, como o turismo), restringido administrativamente direitos constitucionais, sem a menor fundamentação técnica e de avaliação de risco, declarando estados de alerta sem qualquer fundamentação sólida.
A doutrina dominante é outro bom exemplo de leviandade, que Paulo Fernandes explica muito melhor que eu: “A proteção civil tem sido o grande desígnio, mas mais uma vez se comprova que é comprometida quando a proteção florestal falha. Trocando por miúdos, quanto menos e pior se apaga em espaço florestal mais vidas e edificado são colocados em risco”.
Dito isto, gostaria de deixar claro que a maior leviandade não é dos governos, esses respondem aos seus eleitores da forma que acham melhor, a grande leviandade é a cobertura mediática dos fogos que é feito pelo jornalismo, sem a mínima bitola de conhecimento sobre o assunto para pôr no ar jornalistas (não, não estou a falar da coitada da jornalista da CNN que falava dos parques eólicos cujas ventoínhas agravavam o problema ao provocar vento, isso é daqueles erros que resultam da perda momentânea do Norte, já me aconteceu escrever asneiras do mesmo calibre, mas que na verdade corrigem-se rapidamente e não têm grande importância) que não fazem a menor ideia do que é um fogo e se limitam a repetir o senso comum (muitas vezes inimigo do bom senso), que ouvem autarcas a perorar sobre um assunto de que manifestamente sabem tanto como eu sei de lagares de azeite, que fazem horas de directos com pessoas aflitas que naturalmente acreditam em qualquer coisa que lhes permita aliviar o sofrimento em que estão naquele momento, que repetem horas e horas de bombeiros e protectores civis a dizer as mesmas coisas, sem qualquer utilidade, sobre a gestão do fogo, sem que perguntem que objectivos existem para o combate a este fogo em curso (nunca vi um jornalista fazer esta pergunta fundamental) e, no pós fogo, sem que perguntem quanto custou o combate a este fogo e que valor se estava a defender com esse custo.
Não sei se somos um país de levianos, mas em relação ao fogo, seguramente esforçamo-nos por parecer que sim.
O artigo foi publicado originalmente em Corta-fitas.