Em Valência, os agricultores não falharam. Falhou muita coisa e muita gente, mas não falharam os agricultores. Pouco tempo após a catástrofe, foram com os tratores ajudar a limpar a lama e o entulho das ruas inundadas e depois de uns foram outros. Li uma frase muito forte alguns dias mais tarde, algo deste género: “Estais a ver aqueles tratores que vieram ajudar? São os agricultores locais. Lembrem-se deles também quando estiverem no mercado a escolher as vossas compras!”
Os agricultores espanhóis não são melhores nem mais generosos que os agricultores marroquinos, argentinos, portugueses ou de qualquer ponto do mundo. Eram os que estavam próximos e podiam ajudar.
Aposto que foram agricultores de todos os tipos, grandes e pequenos, horticultores ou “ganaderos”, biológicos ou convencionais, intensivos ou extensivos, como às vezes gostamos de classificar e catalogar, com um julgamento moral subentendido. Foram os que tiveram tempo, disponibilidade e “ganas” de ajudar. Não foram todos, uns porque não puderam, outros porque não quiseram, porque os agricultores são como as pessoas, há um pouco de tudo. E, como na guerra, também a família ou outros funcionários ficaram em casa a aguentar o barco e assumir as tarefas sozinhos enquanto alguns saíram para ajudar.
Foram com tratores grandes e pequenos, novos e velhos, de todas as cores e marcas, herdados dos pais (atenção à taxa de 40% sobre a herança de terra agrícola que o governo inglês quer impor, livrem-se de copiar isso!), tratores comprados usados ou comprados novos com os “subsídios” que tanta inveja causam, apesar de haver cada vez haver menos agricultores e menos jovens no setor.
Foram desimpedir as ruas com os tratores que normalmente impedem os condutores apressados de chegar tão rápido como queriam e às vezes causa longas filas de “seguidores”, sabe-se lá com que palavrões, que felizmente não ouvimos porque a cabine é insonorizada e mesmo que não seja o trator faz muito barulho. Barulho que faz algumas pessoas chamar a polícia quando tentamos fazer as colheitas à noite, antes que venha a chuva e o vento.
Foram com as cisternas que escoam a água ou combatem incêndios, com as mesmas cisternas que levam o estrume líquido para a terra e por causa das quais também muitas pessoas chamam a polícia (nunca me vou esquecer de quando o Sr. Maia me telefonou a dizer “Não vás agora ao campo porque a polícia anda à tua procura”).
Numa situação de catástrofe, mesmo que tudo esteja preparado e corra bem (o que manifestamente não aconteceu, mas essa discussão é para outro momento e outro local que não este post e esta página), é importante mobilizar toda a sociedade e todos os meios. Tal como aconteceu com os incêndios em Portugal, onde, entre muitos heróis, tivemos o exemplo do jovem que combateu o fogo na sua aldeia com alguns amigos e o trator do avô, com o motor de arranque avariado (se alguém os conhecer, diga-me se já repararam o Massey Ferguson 240, por favor), também nas cheias de Valência tivemos a prova da importância de ter uma agricultura viva, capaz de produzir alimentos, ocupar o território… e ajudar nas emergências.
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O artigo foi publicado originalmente em Carlos Neves Agricultor.