(Mais) cinco novas ideias para renovar a floresta portuguesa

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António Mendes, SGS

ADN ambiental

“Quem vive na floresta?”, questiona António Mendes. E não é “apenas” a título de “curiosidade científica”. É, antes de mais, “a pergunta de um país que precisa urgentemente de conhecer melhor o seu território para melhor o poder cuidar”. Algo que agora é possível com uma “nova ferramenta de biologia molecular, o ADN ambiental – eDNA, do inglês environmental DNA“. De acordo com o investigador do Global Biosciences Center da SGS, “o eDNA permite detetar a presença de centenas de espécies a partir de vestígios genéticos invisíveis que cada ser vivo deixa no solo, na água, na vegetação ou no ar. Uma única amostra pode revelar a complexa comunidade que habita uma floresta: dos fungos microscópicos às espécies de invertebrados e vertebrados mais esquivas”. Ou seja, “pela primeira vez”, é possível “observar a floresta como um todo biológico – e não como uma coleção fragmentada de espécies estudadas conforme a visibilidade ou os recursos disponíveis”. Desde a deteção de “espécies raras ou ameaçadas, a introdução de pragas ou espécies invasoras antes que causem danos”, identificação “de habitats críticos” ou reconhecimento “de comunidades únicas que exigem especial atenção, o que antes era invisível passa a ser rastreável – quase como numa cena de investigação forense”. Explica o especialista que a “revolução não está apenas na abrangência” mas também “na possibilidade de repetir este olhar ao longo do tempo, de forma acessível e precisa – mesmo em grandes áreas florestais”. No fundo, “torna a floresta legível e com isso aproxima-nos de um objetivo cada vez mais urgente: gestão florestal com base em evidência”.

Amadeu Soares, Universidade de Aveiro

Galerias ripícolas

Também conhecidos como bosques ribeirinhos, as galerias ripícolas “acompanham os cursos de água e são essenciais para a estrutura ecológica do território” explica o professor catedrático e Diretor do Laboratório Associado CESAM (Centro de Estudos do Ambiente e do Mar) da Universidade de Aveiro. Elabora Amadeu Soares que “funcionam como zonas de transição entre ambientes aquáticos e terrestres, oferecendo múltiplos serviços ecossistémicos” pelo que “a sua importância ecológica, hidrológica, paisagística e social é ampla e assume especial relevância em territórios sujeitos a fragmentação, monoculturas florestais, sobretudo de eucalipto e pinheiro, urbanização e intensificação agrícola”. Tudo somado, “estes corredores naturais aumentam a biodiversidade, facilitam o movimento de espécies e promovem o fluxo genético entre habitats isolados” e é evidente que “a requalificação das galerias ripícolas representa uma medida cirúrgica e eficaz, capaz de aumentar a mancha de floresta autóctone de forma estratégica e transversal, ligando ecossistemas mesmo em paisagens dominadas por outros usos”. Trata-se de uma “intervenção que pode ser faseada e integrada em planos de gestão local, regional e nacional, priorizando áreas degradadas com alto potencial de reconexão ecológica” além de ser “uma solução sustentável que reforça a resiliência climática, valoriza o território e contribui para a saúde ecológica das paisagens”. Sem esquecer que “cuidar da floresta exige também presença humana”, sobretudo quando “o abandono prolongado das zonas rurais reduziu drasticamente a vigilância no terreno e quebrou a continuidade no conhecimento do território”. Por isso, Amadeu Antunes diz ser “urgente recuperar e reativar as antigas casas dos guardas florestais — equipamentos públicos dispersos, hoje na sua maioria ao abandono, que podem voltar a ter função habitacional e estratégica”. Como faz questão de lembrar, “é na continuidade entre ecologia e comunidade que reside a verdadeira resiliência”.

Sílvia Nunes, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa

Informações em tempo real

“Disponibilizar resultados a todos aqueles que se interessam pela prevenção e gestão do fogo e pelo seu combate ou apenas pretendem informação útil para a planificação de trabalhos agrícolas e florestais ou de atividades de lazer” foi o que levou a equipa constituída por Sílvia Nunes, Ricardo Trigo e Carlos da Câmara a partir do Instituto Dom Luiz da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa a criar a CeaseFire, “plataforma que liga a investigação científica ao teatro de operações”, explica: “O conhecimento científico atual na área dos incêndios rurais resulta de um acumular de estudos multidisciplinares ao longo de várias dezenas de anos, mas muito do saber acumulado fica disponibilizado em artigos e atas de conferências científicas apenas acessíveis a um número restrito de especialistas”. Desta forma, o grupo de investigadores “desenvolveu uma plataforma que permite o acesso, por computador ou telemóvel, a um conjunto de informações diárias relacionadas com a previsão até nove dias do risco meteorológico de incêndio em Portugal, bem como das condições atmosféricas favoráveis ou impeditivas da realização de fogo controlado”. Em conjunto “com os mapas diários de perigo meteorológico de incêndio, que permitem uma interação simples com o utilizador, é ainda disponibilizada informação em tempo real acerca da localização, duração e energia libertada pelos fogos detetados a partir do espaço por uma diversidade de satélites”. Por outro lado, a plataforma inclui cenários “sazonais atualizados diariamente, proporcionando uma antevisão com até dois meses de antecedência do grau de severidade da época de incêndios”. Atualmente conta “com mais de 2250 utilizadores inscritos”.

Elisabete Figueiredo, Universidade de Aveiro

Envolvimento dos cidadãos

O ShareFOREST – coordenado por Elisabete Figueiredo, professora associada com Agregação do Departamento de Ciências Sociais da Universidade de Aveiro e por Eduarda Fernandes, professora Adjunta da Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Leiria – tem como objetivo promover “mecanismos e estratégias participativas para envolvimento dos cidadãos nas decisões relativas à gestão florestal”. O projeto “centrou-se nas Matas do Litoral da região Centro, severamente afetadas pelos incêndios de outubro de 2017, e propôs um conjunto de estratégias e metodologias de participação e envolvimento dos cidadãos nos processos de tomada de decisão associados à gestão florestal”. A partir da “identificação e mapeamento dos agentes com intervenção na floresta e na análise das perceções sociais sobre os territórios florestais foi elaborado um manual de metodologias participativas” que se assume como “um guia de envolvimento dos agentes facilmente adaptável a outras áreas florestais, públicas ou privadas, e por isso relevante para diferentes instituições e associações ligadas à gestão florestal”. Defende Elisabete que “em Portugal, ao contrário do que acontece noutros países europeus, as florestas são predominantemente entendidas como recursos económicos, reservas ambientais e, sobretudo, como áreas de risco devido aos incêndios que todos os anos, com maior ou menor intensidade, afetam o país”. Como tal, quando se prevê “o agravamento da frequência, intensidade e magnitude dos incêndios e dos seus impactos sociais, económicos e ambientais, torna-se urgente repensar e promover a relação entre a sociedade e a floresta e apostar numa gestão mais ativa, adaptativa e colaborativa deste recurso, para a qual se torna indispensável envolver os cidadãos”. Só com esta aposta será possível um “reforço da legitimidade das decisões, de redução de conflitos e de capacitação das comunidades locais e dos atores sociais para a preservação de um património que, ainda que maioritariamente privado, é de interesse coletivo”.

Catarina Gonçalves, RAIZ

Mosca para controlar pragas

Pragas e doenças estão entre as “principais ameaças à sustentabilidade das florestas plantadas”, com o “gorgulho-do-eucalipto” a estar precisamente dentro deste lote. “É um inseto”, conta Catarina Gonçalves, investigadora do RAIZ – Instituto de Investigação da Floresta e Papel, “que se alimenta das folhas do eucalipto, o que causa desfolhas severas e pode reduzir drasticamente a produtividade”. Para o combater, uma das principais apostas, “a par da seleção de eucaliptos resistentes à praga, tem sido a luta biológica”. É aí que entra “a solução inovadora” que se encontram “atualmente a implementar” e que “envolve um inimigo natural ainda pouco conhecido: a mosca Anagonia lasiophthalma“. Ao contrário do método mais utilizado (o anaphes), a anagonia “ataca as larvas do gorgulho, em vez dos ovos, oferecendo assim uma abordagem complementar e potencialmente mais eficaz em determinadas condições. Em concreto, insere os seus ovos nas larvas, dentro das quais se desenvolve. No final, ao invés de um gorgulho adulto, da larva emerge uma nova anagonia”. Trata-se de um “método de controlo autossustentável” e “uma vez introduzida nos ambientes onde está a causar problemas, a expectativa é que a anagonia consiga controlar a praga por si mesma”. Como? “Cada geração da mosca dá origem a outras, seguindo o gorgulho e mantendo-o em níveis baixos, sem necessidade de intervenção humana contínua”. Com arranque em 2017, o projeto envolveu a recolha de “exemplares na sua região de origem, na Austrália” para depois serem conduzidos “estudos exaustivos sobre a sua biologia, com especial foco na especificidade em relação ao hospedeiro”, pois “era essencial garantir que a anagonia ataca exclusivamente o gorgulho e que não representa qualquer risco para as espécies nativas”. Agora, feito o trabalho de preparação, já arrancaram “as primeiras libertações, marcando assim um passo decisivo no sentido de um controlo sustentável”.

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