Mecanização Agrícola: alguns pontos de reflexão – Arnaldo Madeira

É inegável que a motomecanização da agricultura permitiu, entre outras coisas, reduzir ao mínimo a penosidade na realização dos trabalhos agrícolas, que os métodos tradicionais impunham; aumentar de forma espectacular o rendimento do trabalho, as áreas das culturas e as consequentes produções; e uma fortíssima redução da população activa agrícola que, nos países mais evoluídos, se transferiu para outros sectores com perspectivas de vida mais aliciantes.

No entanto, não é lícito ignorar alguns aspectos menos positivos, também decorrentes da motomecanização que, pela sua importância, merecem alguma reflexão, nomeadamente os de carácter económico e ambiental.

Para além da natureza biológica das produções e das irregularidades climáticas, o trabalho agrícola, quando mecanizado, é fortemente condicionado pelas características fundiárias das explorações, especialmente no que se refere, às dimensões e formas das parcelas e sua eventual dispersão e aos obstáculos que nelas possam existir.

As Estatísticas Agrícolas Portuguesas evidenciam claramente que, na maior parte da nossa área agrícola, predomina a propriedade de pequena ou mesmo muito pequena dimensão, por vezes fortemente pulverizada em parcelas minúsculas, especialmente nas zonas de melhor aptidão.

Esta realidade, aliada à insuficiência ou mau estado das vias de comunicação, é consideravelmente limitativa da eficiência do trabalho das máquinas, na medida em que gera um volume muito considerável de tempos improdutivos o que, aliado às fracas intensidades de utilização anual, tende a provocar situações de acentuada sobremecanização e o consequente encarecimento das unidades de serviço.

Segundo uma estimativa relativamente recente dos serviços do Instituto de Hidráulica, Engenharia Rural e Ambiente (IHERA), em algumas regiões do país os encargos fixos imputáveis aos parques de máquinas chegam a atingir valores superiores a 30 contos por ha de SAU e por ano, o que permite permite pressupor que muitos agricultores investem na compra de máquinas, sem expectativas de retorno, verbas importantes provenientes de outras actividades, que eventualmente constituem as suas ocupações principais.

A ultrapassagem destas dificuldades não se afigura de solução fácil; de facto, a questão que se coloca tem a ver exclusivamente com o incremento da racionalização do uso das máquinas agrícolas, o que terá necessariamente que ter em conta a adequação da estrutura fundiária à mecanização e, ao mesmo tempo, uma escolha criteriosa das máquinas tendo em conta as condições da exploracão, o que muitas vezes se torna difícil, aconselhando-se então o recurso a qualquer forma de utilização em comum de máquinas, nomeadamente os prestadores de serviços.

É também inegável que as questões de carácter ambiental relacionadas com a generalização do uso das máquinas agrícolas, nos países de agriculturas mais evoluídas, assumem uma importância crescente. Prova disso é o volume de informação produzida, sob a forma de guias ou de códigos de boas práticas, onde normalmente aparecem com especial destaque aspectos relacionados com o solo, como a erosão e a compactação, com a aplicação massiva de fertilizantes e produtos fitofarmacêuticos, com os destinos a dar aos óleos queimados resultantes das mudanças de óleo dos motores e com as emissões de dióxido de carbono para atmosfera.

Para minimizar os efeitos dos aspectos acima mencionados aconselha-se o recurso a técnicas e a equipamentos que conduzem a uma nova abordagem das questões da mecanização agrícola que, no que se refere ao binómio máquinas/solo, passa, entre outras medidas, pela mobilização mínima, pela sementeira directa e pela redução do número de passagens das máquinas, através da prática de operações combinadas. Quanto à aplicação de fertilizantes e de produtos fitofarmacêuticos exige-se cada vez maior precisão, por parte dos equipamentos de aplicação, tanto em termos do volume das substâncias activas a aplicar, como da sua localização.

Apesar de não existir informação sobre o quantitativo do volume de óleos queimados provenientes da actividade agrícola, é possível estimá-lo em vários milhões de litros por ano, pelo que a questão da sua reciclagem se afigura da maior importância, na medida em que se trata de matéria altamente poluente, tornando-se imperativo que sejam criadas as condições necessárias ao cumprimento da legislação existente.

As emissões de CO2 para a atmosfera têm sido matéria de discussão ao mais alto nível, até em cimeiras mundiais, na medida em que contribuem para o denominado “efeito de estufa” e consequente subida da temperatura do planeta. Apesar de tudo, a maioria dos autores não aponta a actividade agrícola como um agente decisivo nesta matéria, ao contrário do que se passa com os sectores dos transportes e da indústria, o que não significa que a agricultura não tenha que assumir a sua quotaparte em termos de minimização dos seus efeitos.

Impõe-se portanto que os agricultores, especialmente as camadas mais jovens, sejam motivados a reunir o maior volume de informação possível que lhes permita ter consciência das implicações da posse e da utilização de parques de máquinas, tanto do ponto de vista económico como do seu eventual impacto na conservação dos recursos naturais e na preservação do ambiente.

É óbvio que os serviços oficiais, quer ao nível central, quer ao nível regional, deveriam ter capacidade para proporcionar aos agricultores um aconselhamento competente e a formação e informação indispensáveis ao sucesso das suas actividades e a um melhor conhecimento dos aspectos ambientais referidos, necessariamente condicionantes a médio ou a longo prazo, desse mesmo sucesso.

14/02/2000

Arnaldo Madeira
(Eng.º Agrónomo)


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