Medidas para a Agricultura contidas no Plano de Estabilização Económica e Social são “claramente insuficientes”

O Plano de Estabilização Económica e Social (PEES) para Portugal desenhado pelo Governo para fazer face à crise económica, enquanto a Comissão Europeia põe em marcha o Fundo de Recuperação Económica, “torna por de mais evidente a irrelevância que o setor agrícola tem para o atual Governo”, afirma Francisco Gomes da Silva, diretor-geral da consultora Agroges e ex-secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural.
Mas a sua opinião não está sozinha. Dois outros relevantes consultores na área agrícola ouvidos pela “Vida Económica” (Consulai e Espaço Visual) alinham nos mesmos argumentos. Dizem que as medidas constantes no PEES para a Agricultura/Agroalimentar são “claramente insuficientes”.
A crise económica gerada pela pandemia do novo coronavírus obrigou o Governo à definição de um Plano de Estabilização Económica e Social (PEES) para Portugal. Foi aprovado através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/2020, de 6 de junho, e assenta em quatro eixos: um primeiro eixo relacionado com a manutenção do emprego e a retoma progressiva da atividade económica; um segundo, incidente sobre temas de cariz social e apoios ao rendimento das pessoas, sobretudo as mais afetadas pelas consequências económicas da pandemia; um terceiro eixo, centrado no apoio às empresas; e um quarto eixo, de matriz institucional.
Nas medidas para a agricultura/agroalimentar, o Plano contempla apenas uma medida: apoio à instalação de jovens agricultores, com dotação de dois milhões de euros.
Questionada sobre a escassez de medidas para este setor no PEES, a ministra da Agricultura, Maria do Céu Albuquerque, argumenta dizendo que “o Ministério da Agricultura tem vindo a publicar o plano de medidas excecionais Covid-19” e que o PEES apresenta “um conjunto de medidas de estabilização, que decorrerá até ao final do presente ano, transversais para todos os sectores da economia”.
Especificamente para o setor agroalimentar, a governante lembra o “apoio à instalação de jovens agricultores (dois milhões de euros), discriminando positivamente, na seleção das candidaturas, os jovens agricultores que querem instalar-se pela primeira vez no interior do país”. De forma complementar, realça a ministra, “será criado um aviso para investimento na exploração agrícola específico para os jovens agricultores a instalar no interior”.
Há também um “apoio ao investimento na exploração agrícola (três milhões de euros) específico para a agricultura biológica”. Terá em conta a localização da exploração agrícola em zona interior como critério de prioridade.
Diz Maria do Céu Albuquerque que há ainda um “apoio à criação de agrupamentos e organizações de produtores (0,5 milhões de euros)”, nomeadamente multiprodutos, onde “será tida em conta a localização do agrupamento de produtores, no interior, na seleção dos projetos de forma a promover a organização da produção e assim fazer frente a uma das principais fragilidades estruturais do setor”.
Por último, a ministra refere a criação da linha de crédito protocolada com o Banco Europeu de Investimento, no montante de 300 milhões de euros, para complementar investimentos novos e em curso no âmbito do PDR2020 e para fundo de maneio.
Pacote de medidas do PEES para a agricultura “claramente que não é suficiente”
À “Vida Económica”, Francisco Gomes da Silva, diretor-geral da consultora Agroges e ex-secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural quando Assunção Cristas era ministra da Agricultura, lamenta e diz o que consta no PEES para a agricultura/agroalimentar “claramente que não é suficiente. Eu diria mesmo que colocar (apenas) essa medida [apoio à instalação de jovens agricultores (dois milhões de euros)] num programa como o PEES apenas torna por de mais evidente a irrelevância que o setor agrícola tem para o atual Governo”.
Aliás, diz o responsável da Agroges, “basta comparar com o conjunto de medidas que têm por alvos específicos outros setores da economia para ver que assim é”. E com “uma agravante: é que uma medida destinada ao apoio de jovens agricultores (sempre bem- vinda) é uma medida que só pode ter efeitos em termos estruturais e nunca num período curto de tempo, como é aquele que está na base do PEES”.
Para Francisco Gomes da Silva, há outras medidas que deveriam ser tomadas nesta fase. É que, sendo o PEES, “um programa ‘transitório’, que aguarda pela aprovação das verbas comunitárias para se transformar num ‘programa de recuperação’, as medidas deveriam ter por alvo as situações de maior emergência”. Dito por outras palavras, e “para as fileiras de base agrícola e florestal, o esforço deveria ser claramente dirigido para ‘aguentar’ as empresas/setores que atravessam maiores dificuldades neste período, por forma a garantir que ainda cá estão quando existir o tal programa de recuperação”.
É verdade que “já foram tomadas algumas medidas setoriais (como aconteceu recentemente para a retirada/destilação de vinho do mercado)”, reconhece o especialista. No entanto, diz, “diversas organizações do setor agrícola fizeram já levantamentos das necessidades mais prementes, e era sobre essas que teria sido interessante o PEES focar a sua atenção”.

“PEES limita-se a elencar medidas que já estavam previstas”
Também Pedro Santos, diretor-geral da consultora Consulai, diz que as medidas constantes no PEES para a agricultura não são suficientes.
“Não. A ambição demonstrada no Programa de Estabilização Económica e Social para o setor agrícola/agroalimentar limita-se a elencar medidas que já estavam previstas”, diz. E cita os concursos para o apoio aos jovens agricultores, para a agricultura biológica e para a criação de organizações de produtores, que, reforça Pedro Santos, “já estavam previstos na calendarização da abertura de avisos”. E mais: “a linha de crédito do BEI, os chamados ‘instrumentos financeiros’, estava em negociação há mais de um ano e foi assinado antes da pandemia da Covid-19”.
Recorde-se que essa linha de crédito negociada com o Banco Europeu de Investimento (BEI) e anunciada na Fruit Logistica de Berlim, em fevereiro de 2019, pelo ex-ministro da Agricultura, Capoulas Santos, para permitir o acesso a financiamento para investimentos agrícolas que, por esgotamento do PDR 2020, não tenham acesso aos fundos comunitários, deveria ter ficado “operacional no início de 2020”.
Porém, só foi apresentada publicamente a 10 de março pela ministra da Agricultura, Maria do Céu Albuquerque, mas, como a “Vida Económica” revelou após confirmação junto do gabinete da ministra, a mesma só ficou operacional a meados de abril deste ano.
Pedro Santos avisa que “a pandemia da Covid-19 trouxe (e, sobretudo, vai trazer) um conjunto de constrangimentos, e de oportunidades, ao setor agrícola e agroalimentar”, pelo que sugere algumas medidas que poderiam ser adotadas.
Entre elas, uma seria um apoio para aquisição de equipamentos de proteção individual para trabalhadores agrícolas; outra, a criação de medidas que salvaguardem a disponibilidade de mão de obra para tarefas essenciais, nomeadamente durante a colheita, nomeadamente com benefícios fiscais aos trabalhadores (tornado o trabalho agrícola mais aliciante face a outras alternativas)”. Outra ainda seria “garantir a existência de linhas de apoio à tesouraria, sobretudo prevendo que vão existir maiores dificuldades de recebimento de clientes” e uma outra a “abertura de um aviso da medida de apoio à internacionalização, no âmbito do COMPETE, específica para a internacionalização do setor agroalimentar”. A par disso, o diretor-geral da Consulai ainda defende a “criação do SIFOP – Sistema de Incentivos Fiscais à Organização da Produção (inspirado no SIFIDE – Sistema de Incentivos Fiscais à I&D Empresarial), que é um instrumento fiscal que visa apoiar as empresas no seu esforço em I&D através da dedução à coleta do IRC das respetivas despesas”.

“OPs a colocarem o IFAP em tribunal através de providências cautelares”
O engenheiro agrónomo e CEO da consultora Espaço Visual, José Martino, também olha para o PEES e para a medida de apoio à instalação de jovens agricultores e considera-a “manifestamente insuficiente”. Isto porque “atribui como prémio de primeira instalação o valor mais baixo de 20 000 euros por candidatura aprovada, tendo como orçamento dois milhões de euros, no máximo 100 jovens, sendo o valor mais realista que dificilmente ultrapassará os 80”. Não falando no facto de o concurso para candidaturas ter sido aberto no dia 8 de junho, por três meses.
Por outro lado, “o orçamento de três milhões de euros para apoio público financeiro ao investimento na agricultura no modo de produção biológico dará para apoiar, na melhor das hipóteses, 30 candidaturas”, avisa José Martino. O engenheiro agrónomo prevê, aliás, que, “em média, cada candidatura irá captar 100 000 euros de apoio”. Quer isto dizer que, “mesmo que sejam todas as candidaturas da região interior de Portugal, o seu número máximo é manifestamente incipiente e insuficiente”.
Já quanto ao orçamento de 500 000 euros, também previsto no PEES, para apoiar a criação de agrupamentos e organizações de produtores, “provavelmente irá ser curto para apoiar os pedidos”.
Isto, diz José Martino, “mesmo sabendo-se que há organizações de produtores a desistirem e outras a colocarem o IFAP em tribunal através de providências cautelares” devido à “burocracia que [o IFAP] impõe, junto com a forma discricionária como exerce a sua ação de entidade pagadora, sobrepondo-se às direções [regionais] de agricultura e pescas que analisam e aprovam os processos e ao Gabinete de Planeamento e Políticas, entidade do Ministério da Agricultura que tem ação de coordenação e negociação com a Comissão Europeia”.
O CEO da Espaço Visual lembra, aliás, que “está paralisado há muito tempo o grupo de trabalho para produzir o manual de procedimentos para estas três entidades”, por forma a “os interessados saberem previamente à candidatura de reconhecimento da Organização de Produtores ou à apresentação do Plano Operacional (candidatura plurianual para captar apoios ao funcionamento da organização de produtores) qual a burocracia precisa que têm de cumprir”.
Se houvesse esse manual de procedimentos, diz José Martino, não haveria “qualquer desculpa para erros, lapsos ou omissões” para quem fosse rigoroso, disciplinado e cumpridor. E, por outro lado, “desaparecia a aleatoriedade para as OP entre os apoios financeiros aprovados e recebidos”.

Jovens agricultores: “limitação é ainda mais gritante e injusta”
Já quanto à linha de crédito do BEI protocolada a 10 de março último com quatro bancos (BPI, Crédito Agrícola, CGD e Santander) no valor de 300 milhões de euros, o engenheiro agrónomo lembra que, “três meses e meio após o seu lançamento, começa a estar operacional”. Além de que a linha “não tem interesse” para explorações agrícolas em início de atividade, com culturas de baixa rentabilidade. De acordo com os estudos que tem feito, “80% dos investimentos em atividades agrícolas para terem rentabilidade económica precisam de subsídio a fundo perdido”, não de empréstimos, reembolsáveis.
Em todo o caso, e “apesar das dificuldades do arranque”, José Martino tem “o ‘feeling’ que, a partir do momento em que os bancos passem a contratualizar os empréstimos e a pagar as respetivas “tranches”, haverá uma forte procura por este tipo de apoio financeiro, esgotando o valor da linha em pouco tempo”.
Em conclusão, “o PEES para a agricultura traz um conjunto de apoios já previstos no orçamento de 2020 ou programas de ajudas”. Ou seja, “nada de novo” e “apoios muito insuficientes, mesmo antes da Covid-19, e que não conseguem apoiar jovens que estejam desempregados devido à pandemia para se instalarem na agricultura”. E, diz José Martino, dada a “insuficiência no número de jovens que podem ser apoiados através do prémio de primeira instalação, bem como no número de jovens e valor de apoio ao investimento, neste caso, a limitação é ainda mais gritante e injusta”.
TERESA SILVEIRA teresasilveira@vidaeconomica.pt, 10/07/2020


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