Melhoramento genético florestal: o que é e como se faz?

Conhecer, selecionar e conjugar as características mais valorizadas das árvores é o que procura fazer o melhoramento genético florestal. O seu propósito é criar gerações de árvores mais bem-adaptadas e produtivas, o que ajuda, por exemplo, a dar resposta à procura crescente de matérias-primas de base florestal. Filipe Costa e Silva explica-nos alguns conceitos essenciais.

Os objetivos correntes do melhoramento genético florestal são melhorar a saúde, a resiliência e a produtividade das espécies de árvores, satisfazendo as necessidades crescentes da sociedade por bioprodutos e serviços ambientais com origem na floresta.

Sinteticamente, e de um ponto de vista prático, o melhoramento genético florestal consiste em identificar e quantificar características (fenótipos) que valorizamos em determinadas árvores, combinando-as de forma a obter árvores superiores, com diferentes características de valor.

Entre estes atributos valorizados podem estar, por exemplo, árvores mais direitas e altas se o propósito é a produção de madeira para mobiliário ou pasta para papel; a quantidade e qualidade de frutos silvestres se o objetivo é a valorização alimentar; ou a capacidade de resistir e sobreviver a pressões ambientais específicas, como as que se intensificam em resultado das alterações climáticas.

Trata-se de um desafio que implica tempo, recursos económicos e biológicos, trabalho em equipa e conhecimento multidisciplinar. Com estes recursos, os programas de melhoramento genético florestal avançados têm sido dirigidos às espécies florestais com maior procura, tipicamente de mais rápido crescimento, e adaptabilidade: as que têm maior aplicação industrial e outros tipos de valorização, como é o caso do castanheiro.

Ao contrário do que poderia parecer, o melhoramento florestal não é uma invenção recente: o processo imita o que acontece há milhões de anos na natureza e que a humanidade procura replicar em seu proveito desde que começou a domesticar as plantas e árvores.

Da seleção natural à artificial e ao melhoramento genético florestal

Desde que há vida na Terra que os organismos mais bem-adaptados a determinadas condições ambientais vivem melhor e por mais tempo, gerando, tendencialmente, mais descendentes. Ao herdarem parte significativa das características genéticas dos progenitores, estes descendentes estarão, tipicamente, mais aptos a sobreviver e a reproduzir-se, e assim sucessivamente.

Esta ideia, aqui muito simplificada, constitui uma das bases da teoria da seleção natural. Neste sentido, as espécies e os indivíduos do presente foram os que conseguiram sobreviver e reproduzir-se com sucesso, resistindo às mais variadas pressões e ganhando na competição por recursos limitados, ao longo de milénios.

Quando o nomadismo deu lugar ao sedentarismo, os primeiros assentamentos humanos começaram a complementar as atividades de recoleção – caça, pesca e recolha de frutos e ervas – com a domesticação de plantas e animais. Deram-se, então, há cerca de 10 mil anos, os primeiros passos no que hoje chamamos de agricultura.

Já antes, os seres humanos sabiam identificar várias plantas, sementes e frutos que usavam em diferentes aplicações, nomeadamente alimentares e medicinais. Não é de estranhar, por isso, que começassem a selecionar os melhores exemplares – as árvores mais altas, fortes e produtivas, por exemplo – como progenitores para as gerações seguintes. Esta escolha marca o início da seleção artificial das plantas, que tem sido feita pelas diferentes civilizações ao longo de milénios.

O interesse da ciência florestal pela variabilidade existente entre elementos de uma mesma espécie – e até de uma mesma população – surgiu muito depois, no século XVIII, quando os silvicultores se aperceberam que a semente de uma mesma espécie colhida em diferentes origens geográficas gerava plantas com características diferentes quando semeada no mesmo local.

Mas seria preciso passarem mais de dois séculos para que, no início do século XX, o termo “genética” começasse a ser empregue em ciência e foi só mais tarde ainda que surgiu a genética florestal.

70 anos de programas de melhoramento genético florestal

Nos anos 50 do séc. XX, iniciaram-se os primeiros grandes programas de melhoramento genético a nível mundial. Apesar de pouco se saber, na altura, sobre o controlo genético das características das árvores, estes programas apoiaram-se no conhecimento que já então existia sobre o melhoramento agrícola e animal.

Os resultados foram promissores, apesar do melhoramento genético florestal apresentar obstáculos particulares que o tornam um desafio complexo relativamente ao melhoramento de espécies agrícolas. Implica lidar com organismos de grandes dimensões (as árvores), com ciclos de vida longos e com floração (maturidade) tardia. Adicionalmente, há características próprias de cada espécie, que se expressam só em diferentes fases do seu desenvolvimento: por exemplo, na maioria das árvores, a qualidade da madeira só se consegue avaliar depois da sua maturidade.

Os programas iniciais de melhoramento genético florestal pretendiam, essencialmente, o aumento da produção, centrando-se sobretudo em características relacionadas com o crescimento das árvores, como a altura, o diâmetro e a retidão do tronco (fuste).

Mais tarde, características relativas às propriedades tecnológicas da madeira (lenho) foram sendo introduzidas. Em causa estavam, por exemplo, o rendimento e indicadores mecânicos – como a densidade ou a resistência ao peso e tensão, ao calor ou à humidade – que precisam de ser salvaguardadas em aplicações específicas. No presente, a adaptabilidade, a sobrevivência e a resistência a pragas e doenças, tornaram-se importantes.

Atualmente, a genética florestal tem entre os seus tópicos essenciais a compreensão dos padrões e da importância dos diferentes níveis de variação genética (entre espécies, proveniências, povoamentos, famílias e árvores) e aplica-se em variados domínios: da conservação, ao melhoramento florestal e biotecnologia.

Por seu lado, o processo de melhoramento genético florestal envolve sempre uma sequência de metodologias:

  • seleção de árvores com as características desejadas (a que se chamam árvores superiores);
  • testes em campo, para aferir o seu valor genético;
  • cruzamentos entre árvores selecionadas.

Estas metodologias repetem-se em ciclos ao longo do tempo, obtendo-se árvores com vantagens genéticas face às árvores iniciais, e os benefícios reforçam-se a cada nova geração de descendentes.

A cada nova geração que é alvo de melhoramento genético florestal há benefícios que se reforçam, mas há também perdas a ter em consideração, como é o caso da redução da diversidade genética. A ciência da genética florestal pode ajudar a reforçar os benefícios e a acautelar este e outros desafios.

Métodos e estratégias de melhoramento genético florestal

Os primeiros programas de melhoramento genético florestal contribuíram para o desenvolvimento de métodos ainda hoje usados, como a seleção, a enxertia, a extração de pólen, a polinização controlada e o delineamento de ensaios de descendência.

No entanto, um programa de melhoramento não termina com a obtenção de plantas de valor genético superior. Para tirar o máximo proveito dessas plantas é necessário promover a sua utilização em grandes áreas (arborizações, florestação e reflorestação), o que levou ao desenvolvimento de duas estratégias de propagação de Materiais Florestais de Reprodução (MFR) em larga escala, uma seminal (semente) e outra vegetativa (parte de uma planta).

  • Seminal – sementes melhoradas: são sementes provenientes de árvores previamente selecionadas pelas suas características genéticas. Podem ser recolhidas em povoamentos melhorados ou em pomares de semente. É através do estabelecimento destes pomares de sementes que os materiais florestais de reprodução melhorados são produzidos em larga escala, permitindo satisfazer as necessidades do sector florestal para as ações de arborização. Estes pomares, instalados para promover a reprodução seminal, são geridos com o objetivo de maximizar a produção de semente de elevada qualidade genética e fisiológica.
  • Vegetativa – plantas clonadas: a clonagem permite obter novas plantas geneticamente iguais à “planta-mãe”. O processo exige conhecimentos técnicos, mas é mais simples do que o da clonagem animal. Neste caso, um pequeno segmento da “planta mãe” – parte de uma folha ou caule – é cortado e colocado num vaso. O pequeno “rebento” permanece em estufa numa primeira fase e, algum tempo e etapas de viveiro depois, será um jovem “pé” com raízes formadas, pronto para instalar em campo. Trata-se de um processo de propagação vegetativa, ou seja, de reprodução assexuada, que permite reproduzir em larga escala os ganhos genéticos de indivíduos melhorados. Às plantações de árvores geneticamente iguais (clones) chamam-se plantações clonais.

A necessidade de materiais florestais melhorados, em larga escala, justifica plenamente a utilização destas duas estratégias de propagação. Ambas as estratégias são úteis para, no decurso da florestação, distribuir as plantas melhoradas por regiões específicas, com condições e pressões externas similares (tipo de relevo, de solo, de clima, etc.) àquelas que existiam nos locais de seleção e proveniência das árvores progenitoras. Isto é, colocando cada planta melhorada, de acordo com as suas características genéticas, no lugar a que está mais bem-adaptada.

O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.


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