Migração climática: 60 pessoas fogem a cada minuto e as mulheres sofrem mais do que nunca

Clima, catástrofes, migração: as mulheres pagam um preço elevado.
Clima, catástrofes, migração: as mulheres pagam um preço elevado.

Um minuto. É o tempo que demora a ler estas poucas linhas. Nesse breve instante, 60 pessoas fogem. Não por causa de um conflito armado ou de uma crise económica, mas por causa do clima. Um ciclone varreu uma casa, uma inundação varreu uma aldeia, uma seca obrigou uma família a exilar-se…

Neste contexto, “Le Grand Déplacement : l’exode climatique” de Shérazade Zaiter, publicado em 2024, levanta o véu sobre uma realidade ainda pouco visível: as mulheres, já fragilizadas pelas desigualdades estruturais, são as grandes esquecidas nas respostas internacionais à crise climática.

Elas caem primeiro…

Não, a Terra não está a atacar as mulheres. Mas as catástrofes climáticas matam mais mulheres do que homens, e mesmo mulheres jovens. Um estudo rigoroso efetuado por Éric Neumayer e Thomas Plümper sobre mais de 200 catástrofes em 141 países (1981-2002) demonstrou este facto. Este excesso de mortalidade explica-se por uma cascata de vulnerabilidades sociais.

No ciclone de 1991 no Bangladesh, dos 140.000 mortos, 90% eram mulheres e crianças. A mesma lógica se aplica ao tsunami de 2004 no Sudeste Asiático: em algumas aldeias da Indonésia, até 80% das vítimas eram mulheres.

Porquê? Porque os homens geralmente sabem nadar, trepar e fugir. As mulheres, pelo contrário, ficam para trás. Procuram primeiro os seus filhos. Quando um ciclone atinge, não fogem imediatamente. Quando uma aldeia fica submersa, elas ficam para trás para ajudar os idosos. Como as normas sociais não lhes permitiram aprender a sobreviver a estes impactos, por vezes nem sequer lhes é permitido fugir sem a autorização de um homem.

Estas disparidades não são inevitáveis do ponto de vista biológico. São o resultado de desigualdades sociais: acesso limitado à educação, peso das tarefas domésticas e condicionalismos culturais.

Rotas migratórias repletas de sofrimento

E no rescaldo de uma catástrofe, a fuga nunca é fácil. Mas fugir como mulher significa muitas vezes entrar numa espiral de violência extrema.

Em novembro de 2024, um relatório conjunto do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), da Organização Internacional para as Migrações (OIM) e do Centro Misto das Migrações (CMM) revelou que 90% das mulheres migrantes que seguem a rota do Mediterrâneo central são vítimas de violação. Muitas vezes repetidamente. Os seus corpos tornam-se uma moeda de troca em troca de uma travessia, uma refeição, um pouco de água.

Esta violência sistemática tem as suas raízes em zonas bem conhecidas: Líbia, Níger, Sudão, Mali, Sara. Aí, as mulheres são acorrentadas, espancadas, eletrocutadas, confinadas em campos insalubres ou casadas à força com os seus algozes. Algumas engravidam na sequência destas violações, que são utilizadas como “justificação humanitária” para tentar chegar às costas europeias.

Heroínas na sombra

Esta violência não é uma anomalia. É a consequência direta de sistemas que toleram a impunidade. Em Oslo, durante a atribuição do Prémio Nobel da Paz em 2018, o Dr. Denis Mukwege foi muito claro:

A justiça não é negociável.

Ele, que tratou milhares de mulheres mutiladas no leste da República Democrática do Congo, lembra-nos que estes crimes prosperam quando reina o silêncio.

Muitas são como Sarah, uma sobrevivente de violação em grupo na República Democrática do Congo, que decidiu dedicar a sua vida a ajudar outras mulheres necessitadas. A sua história personifica a resiliência das mulheres que enfrentam o impensável.

Na África subsariana, 71% das mulheres são responsáveis pela recolha de água, apesar dos riscos, segundo a OMS e a UNICEF. São também elas que reflorestam, adaptam a agricultura e transmitem conhecimentos. São elas que carregam o fardo do mundo, apesar de serem as mais expostas.

Soluções existem, mas têm de ser justas

Estão a surgir iniciativas internacionais, como a Women and Climate Resilience (Mulheres e Resiliência Climática), apoiada pela ONU. Na COP27, as mulheres líderes exigiram que a igualdade de género seja um elemento central das políticas climáticas.

As mulheres devem deixar de ser as vítimas invisíveis da emergência climática e passar a ser os pilares reconhecidos da sua solução.

Referência da notícia

The Conversation. (2025, 11 juin). Pourquoi les femmes souffrent davantage des catastrophes naturelles et des migrations.

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