O meu conterrâneo Fernando Soares publicou uma foto de um dos meus campos de milho, ao entardecer. Perante alguns elogios à paisagem entre os comentários à foto, lembrei-me que uma parte daquele terreno esteve abandonada, cheia de silvas e a acumular o lixo deixado pelas cheias , até há poucos anos. E lembrei-me de uma anedota que o meu pai gostava de contar, com o diálogo entre um padre da aldeia e um lavrador:
– Ó ti Manel, você e Deus nosso Senhor têm aí um belo quintal!
– É verdade, Sr. Abade, mas havia de ver como estava isto quando era só o meu sócio a tratar do terreno!😊
(Se a anedota fosse inventada hoje, teria Deus no Céu, o agricultor na terra e a PAC em Bruxelas 😅)
Nesse campo cresce agora o milho, já sachado, à espera do calor que o ajude a crescer. Olho para ele todos os dias e passo perto sempre que possível. Um amigo alentejano ensinou-me que “o olho do dono engorda o boi” e eu acho que também faz bem ao milho ou à erva. Por isso tenho outras fotos deste campo, algumas tiradas por mim no mesmo local, durante o inverno, quando lá cresce a erva que semeámos no outono, depois de colher o milho. A esta sucessão de culturas chamamos rotação.
As rotações são importantes porque cada planta tem necessidades diferentes e a erva cresce no outono e início do inverno com os nutrientes que o milho não aproveitou. E o milho aproveita depois os nutrientes que as ervas como as leguminosas (trevos, ervilhacas) deixam no terreno através das raízes, do restolho, ou de toda a cultura que pode ser enterrada, se for semeada com esse objetivo de “adubação verde” ou sideração.
O nosso clima ameno permite esta sucessão de culturas que mantém o solo ocupado. Mais a norte, a neve e o inverno frio não permitem a mesma produção de milho no verão nem de erva no inverno.
Entretanto, ouvi dizer que pelos corredores de Bruxelas, no âmbito da próxima PAC, se voltou a falar em “rotação” obrigatória de culturas para se receberem aquelas ajudas que nos ajudam a manter os campos cultivados, recebendo menos do que era preciso pelo que produzimos para alimentar a sociedade. Já se discutiu isso na última PAC no âmbito do “Greening” e nessa altura estivemos debaixo da ameaça de só poder cultivar milho em 75% da terra. Por cada 10 hectares de terra só poderia semear 7,5 hectares de milho. Isso seria mais uma desgraça para os produtores de leite e para a pecuária em geral, porque somos um país deficitário em milho que só produz 25% das necessidades e o milho está com preços altíssimos no mercado internacional. Temos as máquinas para cultivar milho, temos os melhores terrenos, o melhor clima e um mercado super deficitário.
Em 2013 o problema resolveu-se com a certificação da cultura de ontono-inverno, com evidentes vantagens de manter a terra coberta e cultivada no inverno, mesmo por parte de quem não tinha vacas e não pensava vender erva. Para bem da biodiversidade e sem afundar a economia agrícola, há regras mais razoáveis que se podem implementar, como as sebes vegetais, as árvores nas bordaduras e as margens para promover a polinização. Espero que o bom senso volte a prevalecer para manter o ambiente sem desmantelar a agricultura.
#carlosnevesagricultor
O artigo foi publicado originalmente em Carlos Neves Agricultor.