O movimento ambientalista, a que pertenço, está largamente capturado por uma lógica sectária que limita enormemente a sua utilidade social.
Não é nada de específico do movimento ambientalista, aparentemente corresponde a uma tendência social em que os extremistas, que querem esmagar os inimigos, estão em crescimento e os moderados, que querem discutir divergências com adversários, a partir de um chão comum, estão em perda (se alguém tem dúvidas, que olhe com atenção para as discussões sobre a epidemia, que não é o tema hoje).
Esta iniciativa é, deste ponto de vista, muito pedagógica, trata-se de uma campanha que não visa uma questão ambiental qualquer, mas sim evitar um acordo entre a FAO e a CropLife International.
Porque o acordo é mau, tem disposições inaceitáveis?
Não, porque quem lança a campanha, e a quem a apoia, entende que a CropLife International é um parceiro inaceitável, seja para o que for.
Isso decorre das actividades criminosas por parte da CropLife International?
Não, decorre do facto da CropLife International ser uma associação que representa os interesses da agroindústria, em especial as grandes empresas agroquímicas, de pesticidas e sementes.
Ou seja, para os promotores da iniciativa (que em Portugal tem vários apoios, aparentemente não muito formais) a discussão sobre agroquímicos deixou de ser sobre acções e produtos concretos, para passar a ser sobre a legitimidade do uso de químicos e, consequentemente, sobre a legitimidade de trabalhar com quem os fabrica, comercializa e os usa.
A discussão sobre agroquímicos é uma discussão importante, e está longe de estar encerrada, sendo uma discussão muito difícil numa sociedade quimiofóbica, como as sociedades ocidentais (na realidade, selectivamente quimiofóbica: é facílimo mobilizar gente contra o uso de glifosato, por causa do seu suposto e nunca demonstrado efeito cancerígeno (ver, por exemplo, este artigo, que não é sobre o glifosato, mas ajuda a pensar sobre o assunto), é seguramente difícil mobilizar gente para proibir o uso de pílulas contraceptivas, cujos efeitos secundários são largamente conhecidos).
Este post não é sobre essa discussão, mas sim sobre a opção de cortar as pontes entre os diferentes agentes com relevância para a discussão, criando cercas sanitárias à volta dos malandros que lucram com a destruição da saúde dos outros, e outras maneiras habituais de os sectários justificarem moralmente a opção pela exclusão do outro.
Desde que um dia fui falar a um encontro do pessoal dos venenos, eles mandam-me a sua newsletter, que aliás tem um nome genial: FitoSíntese.
Na última que me mandaram dão conta das conclusões do trabalho da Comissão de Dados e Estatística da ANIPLA (a Anipla é a associação dos tipos dos venenos portugueses) sobre indicadores relativos à estratégia “Do prado ao prato” (não me conformo com esta tradução absurda do nome da estratégia “Farm do fork”).
Entre 2011 e 2019 as vendas de substâncias activas caíram 30% (-42% em fungicidas); Tomando como referência as áreas cultivadas de milho, tomate, arroz, vinhas, pomóideas e prunóideas regista-se um decréscimo de 31% de substância activa aplicada por hectare cultivado, entre os anos de 2011 e 2019; O indicador da FAO “pesticide use per area of cropland” apresenta, para Portugal, uma queda de 37% entre 2011 e 2018. Esta queda é consistente ao longo dos últimos cinco anos; A dose média de s.a. (suponho que seja substância activa, detesto esta maneira de escrever escondendo o que se quer dizer) por hectare tratado, na totalidade do mercado nacional de produtos fitofarmacêuticos, baixou de 2,4 kg/ ha em 2011 para 1,4 kg/ ha em 2019, ou seja, cerca de 44%.
São estas as principais conclusões do tal estudo.
O movimento ambientalista que é quimiofóbico, no entanto, acha que enquanto não se acabar com os agroquímicos na agricultura – deveriam ter cuidado com o que desejam, porque pode ser que os desejos se realizem, e o resultado não seria bonito de se ver – não se podem fazer acordos com esta gente.
É a lógica dos sectários, não pode haver concessões de espécie nenhuma, não há campo comum, não há convivência possível com o outro.
O resultado é este, lutar contra moinhos de vento, com base em tabus que não se podem discutir e esquecendo que o ensinamento de Paracelso é verdadeiro, não apenas na química, mas também nas relações sociais: a diferença entre um veneno e um remédio é a dose.
O artigo foi publicado originalmente em Corta-fitas.