Na rota dos vinhos (e de diferentes terroirs) da Madeira

Dos vinhos Madeira da Blandy’s e da Barbeito, na zona Sul da ilha, ao Verdelho plantado em Terras do Avô, no Seixal, e ao hotel que une o wellness aos vinhos na Boa Ventura, na costa Norte da ilha.

O enoturismo na Madeira começa a ser um assunto sério e uma fatia importante do negócio de vários produtores de vinho na ilha, seja vinho Madeira, seja vinho tranquilo. A recém-criada Rota dos Vinhos quer impulsionar o desenvolvimento de uma actividade que explora uma ligação óbvia – entre os vinhos feitos da região, em solos vulcânicos e em vinhas de areia também, e o turismo –, mas está ainda numa fase embrionária. O trabalho de formiguinha de alguns – anterior à criação do novo mapa-brochura –, esse, vem lá de trás, e já dá frutos.

Em dois dias, traçámos o nosso próprio roteiro, meia dúzia de propostas numa volta à ilha (o Porto Santo fica para outras núpcias) que nos levou a descobrir uvas que não associávamos à Madeira – como o Bastardo e o Arnsburger –, a rever alguns pioneiros e a conhecer excitantes projectos que estão quase, quase a nascer. Seguindo o sentido dos ponteiros do relógio, começamos pela Blandy’s, no Funchal.

A quinta no meio da cidade

A Blandy’s foi fundada em 1808 pelo inglês John Blandy, mas a Madeira Wine Company tem mais história, uma vez que detém a marca mais antiga de vinho Madeira, a Cossart Gordon, criada em 1745. Aberto aos turistas desde que há memória, o Lodge da Blandy’s é um clássico, e por isso local de visita obrigatória. Depois da renovação, a partir de 2015, para além do envelhecimento de vinho, é possível ver ali o museu da família Blandy, fazer uma visita privada, provar vinho Madeira a copo (dos mais jovens a um Boal centenário), conhecer os vinhos tranquilos da Atlantis e até ficar a dormir. Entre os vinhos que pode comprar, há ainda os Madeiras da Miles e da Leacock’s, hoje no portefólio da Madeira Wine.

Nos tranquilos, vale a pena provar o tinto feito de Tinta Negra, casta mal-amada na ilha e utilizada historicamente para dar volume às produções de vinho Madeira (representa hoje mais de metade do encepamento da região com Denominação de Origem e Indicação Geográfica), para a qual tem vindo a despertar quem faz vinhos tranquilos. “Uma casta tão nobre como outra qualquer”, a Tinta Negra – “o Molar da zona de Sintra e Colares”, que “chegou primeiro ao Porto Santo” e só depois à Madeira – dá um vinho “muito leve”, “elegante”, com pouca cor, como ditam hoje as tendências, explica-nos Francisco Albuquerque, enólogo da Madeira Wine Company há mais de 30 anos.

Francisco conta que este tinto só passou a fazer parte do portefólio da Atlantis em 2019 (juntando-se ao rosé da mesma casta, feito ininterruptamente desde 1991 e cuja produção este ano será de 100 mil garrafas, e aos dois brancos de Verdelho), depois de surgir a vinha perfeita. “Encontrámo-la no Campanário. São uvas muito específicas de vinhas velhas, que dão vinhos com grau máximo de 12 graus.”

A cinco minutos de carro das adegas, é possível visitar a Quinta de Santa Luzia, adquirida em 1826 por John Blandy, e onde em 2005 as bananeiras deram lugar às vinhas (no sentido contrário ao que hoje vemos acontecer em Câmara de Lobos, o concelho com mais área de vinha da Madeira, 151 hectares). As visitas turísticas começaram cinco anos depois. “Aqui, temos um oásis dentro do Funchal”, começa por sublinhar a guia Rita Azevedo, antes de nos situar: estamos a 120 metros de altitude, a humidade do ar é elevada, e “às vezes, no mesmo dia”, é possível experienciar “sete microclimas diferentes”. Nesse clima esquizofrénico dão-se bem, ali, naquele hectare de vinha no meio da cidade e com vista para a baía, o Terrantez, o Verdelho, o Boal e o Sercial, quatro das castas recomendadas para a produção de vinho Madeira, explica a responsável, na empresa desde 1995.

Nas adegas da Blandy’s é possível provar vários vinhos Madeira a copo, de um vinho jovem com três anos até um Boal de 1920,Nas adegas da Blandy’s é possível provar vários vinhos Madeira a copo, de um vinho jovem com três anos até um Boal de 1920 GREGÓRIO CUNHA,GREGÓRIO CUNHA

Para além de “explicar as castas e o estilo de vinho [Madeira] a que cada uma dá origem” e de sublinhar “a raridade” do licoroso, Rita vai explicando, ao longo da visita, como a quinta está em modo de produção biológica, apesar de a produção não estar certificada como tal, como a primeira casta a chegar à Madeira foi a Malvasia Cândida, vinda de Cândia, hoje Creta, no século XVI (em Santa Luzia não vingou a certa altura, mas actualmente há um plano para recuperar ali a variedade), como a propriedade tem água o ano inteiro graças às levadas, como ali chovem 500 a 600 milímetros por ano.

Quem lá for por estes dias, e até 15 de Março, verá ovelhas nas vinhas, uma novidade introduzida no início do ano, para ajudar no controlo das infestantes (na zona Norte, há outra quinta a fazê-lo, a Quinta do Barbusano, há já uns seis anos), conta-nos o responsável pela viticultura, Pedro Lima. Quem esperar pelo final do Verão, apanhará o Blandy’s Wine Festival, evento que inclui uma vindima nocturna (“toda manual”) e jantar na quinta — este ano, será entre 5 e 9 de Setembro; ainda não há um preço definido.

Entre Agosto e Outubro, as visitas à quinta são regulares e combinadas com a visita às adegas; no resto do ano também é possível lá ir, mas apenas por marcação. De Santa Luzia “saem os Boais”. “Temos quase 8 toneladas aqui no Funchal, que é uma coisa inusitada: numa cidade que tem 1700 habitantes por metro quadrado, ter um hectare de vinha”, refere-nos Francisco Albuquerque. E, até ao Verão, a Blandy’s deverá ter nova oferta de enoturismo na zona Norte (e é tudo o que podemos escrever, para já).

Visitas ao Lodge entre 12,5 e 95 euros (tour privada) e vinho Madeira a copo entre 1,90 (3 Anos) e 171,50 euros (Blandy’s Boal 1920), de segunda a sexta, das 10h às 18h30. Apartamentos no Lodge entre 95 e 125 euros / noite; casas na quinta a partir de 1289 euros uma semana para quatro pessoas. As visitas à quinta custam 25 euros, com transporte, visita e prova de vinhos no regresso ao Lodge.

A nova Rota dos Vinhos da Madeira

Lançada em Setembro de 2019, pela Secretaria Regional de Turismo e Cultura, a Rota dos Vinhos da Madeira reúne 19 produtores com marca, tenham eles enoturismo organizado ou não — e, no total, serão já 20, falta nos materiais disponíveis a Companhia de Vinhos dos Profetas e dos Villões, de António Maçanita. Dos 19 listados, oito só produzem vinho Madeira. Os restantes fazem vinho tranquilo ou os dois. A brochura-mapa, disponível online e em papel (nos postos de turismo da região), lista também negócios paralelos que tratam bem o vinho feito na Madeira: três garrafeiras especializadas, 14 wine bars (destes, apenas um no Porto Santo), 21 hotéis (um na ilha dourada) e 54 restaurantes (quatro no Porto Santo).

Próxima paragem: Câmara de Lobos

No parque empresarial do Estreito de Câmara de Lobos, fica a Barbeito, do enfant terrible Ricardo Diogo Freitas (e dos sócios e amigos Kinoshita), o único produtor da Madeira a engarrafar Bastardo, casta que, com alguma surpresa, fomos encontrar na pérola do Atlântico. É outra variedade recomendada para vinho Madeira, mas existem pouquíssimas videiras na ilha. As uvas que Ricardo usa para este vinho Madeira diferente são de um parceiro na costa Norte, em São Jorge. É a mancha maior de Bastardo na Madeira (1,6 hectares) e uma de apenas duas vinhas (há mais Bastardo, nada que se compare, na Quinta das Vinhas, na Calheta, já lá vamos). E o produtor conta no rótulo essa história e a da família que cultiva as uvas, como faz por norma nos seus vinhos.

“O Bastardo já esteve quase extinto aqui na Madeira. Chegou a haver nos anos 1930, 1940, até aos anos 1950, penso que depois as empresas não mostraram grande interesse em ter essa casta, então os viticultores desistiram”, conta o produtor e enólogo. Não só Ricardo viu interesse nesta uva difícil mas “versátil”, como incentivou o parceiro a plantá-la, em 2004. A primeira colheita foi em 2007, já lá vão três engarrafamentos. “Na altura começou era a febre do Terrantez e eu, que já por norma não gosto de ir atrás de modas, lembrei-me que o Bastardo era uma opção.”

Ricardo não engarrafa sempre, está bom de perceber, mas vai experimentando, com os 3000 litros que a vindima rende por ano, e tem […]

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