
Ouvi na rádio uma entrevista em que a jornalista questiona o bombeiro sobre a obrigatoriedade de limpar, e este confirma a obrigação mas refere as dificuldades da limpeza por reformados com pequenas propriedades e poucos recursos.
Os nomes são irrelevantes porque imensos órgãos de comunicação social, jornalistas ou bombeiros e proteção civil poderiam dizer – e dizem – o mesmo.
Criou-se esta ideia, vinda das palavras dos governos socialistas que despudoradamente até ao nome de D. Dinis recorreram para propaganda. Contudo, não passa de um mito: nenhuma floresta tem obrigação de ser limpa. O que existe em Portugal é uma limpeza obrigatória de infraestruturas – sejam casas, estradas, linhas elétricas, caminho de ferro, etc. Ainda há uns anos um estudo simulava o que seria todo esse trabalho feito no Algarve: coisa pouca. Aliás, nem era preciso estudo algum quando vemos o fogo galgar rios, barragens, autoestradas, etc.
Adiante: temos então que limpeza da floresta não existe em Portugal. E sabem que mais? Ainda bem. Porque tal limpeza obrigatória seria um autêntico desastre tanto económico como ecológico.
Ecológico porque os matos e matagais são ambientalmente importantíssimos: muitas espécies são exclusivas de Portugal ou da Península Ibérica, abrigam importantes conjuntos de plantas endémicas, raras ou protegidas, são ainda o suporte de grande parte do nosso rico conjunto faunístico, de Insetos ou Ratos a Linces ou a Coelhos e Perdizes, protegem o solo, infiltram água, são pasto de Abelhas para a produção melífera, escondem Trufas ou Pútegas, pintam as paisagens com as suas cores primaveris, etc., etc. Uma limpeza obrigatória de tudo isto era uma autêntica catástrofe natural…
E era igualmente uma tragédia económica. O espaço florestal é superior a 6 milhões de hectares. Se por hipótese considerarmos um custo de limpeza de 1000 euros – e há empresas a cobrar bem mais que isso – são 6 mil milhões. Ora, dados do INE mostram que a Produção Florestal – todos os eucaliptos, pinheiros, toda a cortiça… – vale anualmente qualquer coisa como 1,2 mil milhões de euros. É cinco vezes menos. Alguém acha isto minimamente aceitável de se propor?
Vistas bem as coisas, se é para a ruína económica e ambiental, então mais vale asfaltar tudo.
Com medo de me repetir no que já aqui várias vezes escrevi, o que nós precisamos é de uma gestão do fogo à escala da paisagem. Essa gestão não precisa de tudo limpo… Precisa de aqui ou ali haver zonas onde o fogo abrande o suficiente para abrir uma oportunidade de extinção. E há formas razoavelmente baratas de o fazer, como seja aproveitar os fogos de inverno ou as queimadas pastoris, e quando não chega, queimar controladamente ou pagar parcialmente a quem faça esses serviços – sejam pastores ou caçadores, resineiros ou associações ambientais.
Contas feitas?
Em vez de impraticáveis 6 mil milhões e 6 milhões de hectares com a natureza devastada, bastavam uns 20 ou 30 milhões para alcançar uns 150 ou 200 mil hectares anuais necessários para controlar o padrão de fogo catastrófico que temos. Não íamos ter menos incêndios, não tínhamos era monstros incontroláveis e devastadores.
Não se trata aqui de proteger a Garagem do João ou o Pinhal do Manuel ou o Curral do António – interesses individuais de quem os tem, isso cada um se quiser proteção adicional que a pague… mais a mais, para muitos que só têm um terreno de mato e pedras o interesse a proteger é nenhum: se arder ardeu… – nem obrigar a pagar quem muitas vezes não tem dinheiro para isso. Até porque essa obrigação sendo para todos os proprietários, não eram os 30 eram os 6 mil milhões. E, claro, perante a ruína financeira, lá vinham os donos desconhecidos, heranças paradas, cadastro por fazer, etc., etc.
Mas insistimos nesta loucura. E percebendo da dificuldade da floresta em pagar esta limpeza lá apostamos noutros negócios ruinosos como a biomassa ou criticamos e criamos impedimentos a quem planta eucaliptos, que mal ou bem costumam ter mais limpeza que outras formações, ou ainda apresentamos planos que preveem áreas agrícolas por exemplo, sem explicar muito bem como ou por quem aquela parcela produziria batatas.
Depois admiramo-nos quando arde. É por falta de aviso? Caramba, é preciso ser adivinho para perceber que isto como está é inevitável? Peguemos num exemplo de um dos incêndios que lavram enquanto estou a escrever: quantos incêndios no Inverno e Primavera se deixaram, de forma vigiada, queimar uma extensão razoável? Quantas queimadas pastoris foram apoiadas? Quantas manchas foram tratadas por fogo controlado? Quais os apoios dados à pastorícia ou à resinagem? Isto é: ao dia de hoje, quantas manchas existem à frente do fogo que possam ser aproveitadas para o combate o extinguir? E já agora onde estão, que meios serão necessários e como lá chegarão? O gabinete florestal correu um simulador para ver como o fogo se podia desenvolver e onde o atacar? É que assim escusávamos de ouvir que “está difícil porque está numa zona sem acessos”… Então mas ficou sem acessos este ano? Ou já não tinha? E não era previsível que o fogo pudesse avançar por ali? E perante tal possibilidade? Sim, não nos faltam Planos, que ao final do dia não servem para nada…
30 milhões de euros de interesse público.
30 milhões para nos proteger a todos enquanto sociedade que não deseja ter que pagar muito mais para forças de combate, meios aéreos incluídos, para indemnizar desalojados, empresas, para perder caça ou turismo, para ver morrer animais, incluindo espécies ameaçadas, até para saúde pública e combate às alterações climáticas. E, se é para todos, então pagamos todos, até porque para as contas públicas é uma gota de água.
Até lá? Insistindo no erro, não podemos esperar coisa diferente!