Não há rosas sem espinhos – Carlos Neves

As rosas são flores bonitas. Por isso gostamos de as ter no jardim, por isso as oferecemos em momentos especiais a pessoas que são importantes para nós. Mas as rosas têm espinhos. Por isso o floricultor usa luvas e a florista compõem o ramo de modo a proteger o cliente, que terá ainda algum cuidado. Mesmo assim, se algum espinho aparecer e picar, não será motivo de reclamação: faz parte da rosa.

As vacas também são bonitas: são animais simpáticos e pachorrentos; Pastando e ruminando calmamente, fazem parte da paisagem na Holanda, nos Açores e em muitas regiões de Portugal continental.

A maioria das pessoas que não tem vacas, sobretudo as crianças, gostam de as ver e tocar. Para além disso, as vacas dão bifes apetitosos e fazem o leite, alimento completo recomendado para todas as idades. Por isso muitas pessoas admiram o trabalho dos agricultores que cuidam, alimentam e ordenham as vacas 365 dias por ano. As vacas não têm espinhos, mas cheiram… a vaca e produzem excrementos que cheiram… a excremento de vaca. E as moscas gostam das vacas e de toda a matéria orgânica que existe nas vacarias. Por isso as pessoas reclamam. Por isso o ambiente já é a primeira preocupação de muitos agricultores. Mais do que os nitratos das águas ou a poluição ocasional de alguns ribeiros, o problema ambiental das vacarias que mais incomoda as pessoas tem a ver com os maus cheiros.

Infelizmente, este espinho é mais difícil de lidar que os das rosas. Seria mais fácil se alguém tivesse feito planeamento e organização do território, definindo e respeitando zonas agrícolas e zonas de construção. Como tal não aconteceu, resta-nos fazer os possíveis para diminuir os problemas deste convívio inevitável entre vacas e pessoas. Como fazer? Quem?

Faltam conhecimentos, tecnologias, regras. Alguma investigação já se fez, muita mais será precisa. São precisas verbas para preparar e fazer a reconversão ambiental das explorações leiteiras. Descobrir técnicas e produtos para diminuir a libertação de gazes como o amoníaco, responsável pelos maus cheiros. Aumentar a capacidade de armazenagem dos chorumes nas vacarias. Talvez construir estações de tratamento colectivas para os excedentes que não podem ser aplicados nas próprias terras e poderão ser valorizados na horticultura, vinhas ou florestas. Descobrir a melhor forma de espalhar e incorporar rapidamente o chorume na terra… Tudo isto é trabalho para Universidades, Governo, Autarquias.

Entretanto, porque estas coisas demoram, os “agricultores urbanos” podem também usar o bom senso para atenuar os incómodos da sua actividade:

Procurando manter limpas e secas as vacarias e áreas circundantes; Tentando controlar as moscas; Evitando espalhar chorume próximo das habitações ao fim de semana ou com vento nessa direcção; procurando incorporar o chorume na terra o mais rápido possível; Evitando sujar os caminhos tanto quanto possível e limpando rapidamente quando algum acidente aconteça; Procurando manter relações de boa vizinhança, para que o mau cheiro não seja a “gota de água” a fazer transbordar o copo que já estava cheio…

Por último, será sempre preciso lembrar às pessoas que os agricultores não trabalham para as arreliar, trabalham para as alimentar; Que a nossa terra só é fértil porque há muitas centenas de anos recebe matéria orgânica, e o estrume sempre cheirou a estrume, e os maus cheiros também fazem parte da vida no campo tal como os cheiros das flores ou do feno, o sol e a chuva, o pó e a lama, as rosas e os espinhos…

Carlos Neves
Jovem Agricultor


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