Os comandantes Jorge Mendes e Paulo Santos têm visões distintas sobre a falta de meios aéreos em Ponte da Barca, como se queixou o autarca, mas convergem quanto aos problemas no dispositivo de meios aéreos de combate a incêndios em Portugal
Esta manhã o autarca de Ponte da Barca queixou-se da falta de meios aéreos, revelando que tinha telefonado ao secretário de Estado da Proteção Civil a pedir que mais aeronaves fossem mobilizadas para o combate ao incêndio que lavra no concelho desde sábado à noite.
Augusto Marinho também falou com Marcelo Rebelo de Sousa, como o próprio Presidente da República contou depois de ter chegado com um ligeiro atraso à sessão de encerramento do Festival Internacional de Música de Marvão no domingo.
Mas havia mesmo falta de meios aéreos?
A ideia que fica “é que foi preciso o presidente de Câmara pedir um especial favor para o aumento de meios”, entende Jorge Mendes, comandante dos Bombeiros Voluntários de Cabo Ruivo, que critica a atuação do comandante regional do Norte nesta operação. Para o comentador da CNN Portugal, quando é dado o alerta de um incêndio que pode vir a ter grandes dimensões é imperativo “acudir rapidamente em triangulação com o máximo de viaturas possíveis e com os meios aéreos necessários para tentar segurar o fogo”.
“Toda a gente desvalorizou este incêndio” e isso nunca deveria ter acontecido, porque deflagrou numa zona em que “se tem sempre uma dificuldade acrescida para se extinguir o fogo”, resume o comandante, referindo-se à orografia desta região, que é rochosa e de muito difícil acesso. A única solução é “atacar com meios aéreos na vertical – não na horizontal – e levou algum tempo até os responsáveis a acionarem os meios”, avalia.
“Ainda ontem [domingo] à noite, o relatório da Proteção Civil dizia, às 21 horas, que não havia incêndios significativos”, destaca Jorge Mendes.
“Não podemos dar a ideia às pessoas que é quem grita mais alto que tem os meios”
Por outro lado, Paulo Santos, comandante dos Bombeiros de Carcavelos, acredita que as declarações do autarca de Ponte da Barca estão “mais ligadas ao período eleitoral que vamos atravessar”, porque “há muito que o país deixou de atuar por quem grita mais alto, mas sim por quem está a observar as necessidades técnicas que são precisas”.
“Vir para a televisão dizer: venham todos, tragam tudo. Acho que não é sensato. Não podemos dar a ideia às pessoas que é quem grita mais alto que tem os meios, ou quem tem a cor política do partido que tem os meios. Os meios são ativados conforme a perigosidade do incêndio. Neste momento, a Autoridade Nacional de Proteção Civil tem de gerir esta ocorrência, mas tem de gerir todas as outras que acontecem no país. Não podemos colocar num incêndio, onde estão a arder matos, giestas e alguma floresta, todos os meios aéreos do país, retirando-os das zonas florestais, por exemplo, do centro do território nacional, sob pena de não termos um meio aéreo disponível, mas termos diversos grandes incêndios”, aponta Paulo Santos.
O especialista reitera que “esta gestão não pode ser feita com base em gritos” e, ao invés, deve assentar “numa avaliação muito criteriosa e no plano estratégico de quem está no terreno”, sendo que este é “um fenómeno que tem imensas variáveis” e que “às vezes é preciso deixar o incêndio arder até que as chamas cheguem a determinados locais onde podem ser atacadas”. “Caso contrário, andamos ali toda a semana”, explica.
“No terreno, estão também equipas de análise e uso do fogo, que são especialistas naquilo que todos conhecemos como contrafogo. O incêndio vai ter de arder até determinadas estradas. Corre sempre bem? Não”, admite.
Jorge Mendes insiste que as chamas em Ponte da Barca “foram desvalorizadas” e que “deviam ter sido antecipados meios para que o incêndio não chegasse a estas proporções”.
“Quem está no teatro de operações, a comandar as operações, pediu meios de reforço para o local. Esses reforços são autorizados ou despachados pela Proteção Civil Regional. Porque não foram neste caso? É uma pergunta que tem de ser feita ao comandante regional”, questiona o comandante de Cabo Ruivo, acrescentando que “hoje os meios aéreos começaram a atuar só depois das nove”. “Porquê?”, pergunta ainda.
Escassez de pilotos
Jorge Mendes aponta ainda a “falácia constante” que é replicada todos os anos, de que não temos meios aéreos suficientes. “Quando dizemos que este ano temos 79 meios aéreos – para já não temos 79, temos 74 -, destes 74 só se podem pilotar metade, porque não temos pilotos para fazer a hora toda, portanto, escolhe-se uma janela temporal”, lembrando que “como não temos pilotos de substituição quando se diz que é de sol a sol não é verdade”.
“O piloto quando faz o número de horas de voo previstas, tem de parar e não pode voar mais. O ideal é entrar um novo piloto para pilotar a aeronave, mas não temos”, explica.
Paulos Santos considera que “as regras de aeronavegabilidade” são um dos vários constrangimentos de uma operação de combate a incêndio numa região com o tipo de orografia que tem Ponte da Barca. “Os meios aéreos estão limitados temporalmente, tal qual como um motorista de camiões só pode conduzir 10 horas por dia, a mesma coisa aplica-se também aos pilotos dos meios aéreos”, explica o comandante de Carcavelos, referindo que este “é um constrangimento que só seria ultrapassado com a duplicação das tripulações – o que por aquilo que me dizem, é de todo impossível”.
Quanto ao que é efetivamente possível de ser feito, Paulo Santos recorda que “desde as 00:00 de sábado até às 17:00 desta segunda-feira tivemos mais de 200 incêndios”. Ponte da Barca é “um incêndio onde o dano é essencialmente ambiental, porque os sítios onde estão as aldeias são onde há oportunidades de combate, mas corremos o risco de evoluir mais para sudoeste, onde será mais gravoso”, culminando com a única certeza para tenta controlar um incêndio: “Há muitas variáveis. Não é fácil.”