Nem tudo o que é verde é assim tão bom. As falhas do Nutri-Score

O sistema simplificado de rotulagem nutricional por cores e letras já foi adotado por alguns países da Europa e a DECO quer que seja implementado de forma uniformizada em Portugal. Os especialistas são unânimes ao afirmar que o Nutri-Score é vantajoso em comparação com o modelo atual ou com a inexistência de um modelo, mas não deixam de apontar falhas que poderão sair caras a médio e longo prazo. E uma delas é a falta de discussão sobre o assunto. A VISÃO pesou os prós e contras deste sistema

Com uma oferta cada vez mais vasta de alimentos embalados e prontos a comer e os estilos de vida cada vez mais acelerados, os processados enchem as prateleiras dos supermercados e das despensas das casas portuguesas, ganhando um espaço de destaque no regime alimentar diário. O preço destes produtos alimentares continua a ser um dos fatores que mais pesa no momento da compra, mas quando o objetivo é escolher o que é mais saudável é na leitura do rótulo que está a solução. Porém, no caso português, é aqui que pode estar o problema.

Uma vez que 40% dos portugueses têm dificuldade em interpretar a informação presente num rótulo alimentar, a adoção de um sistema de rotulagem simplificado tem sido a aposta de algumas marcas no mercado português e é vista pelos especialistas como caminho a seguir na hora de facilitar a perceção sobre o quão bom ou mau pode ser um alimento embalado. Embora a análise exclusiva do esquema colorido seja superficial, o Nutri-Score é o sistema simplificado de rotulagem que mais tem captado as atenções de algumas empresas alimentares e a DECO quer que seja implementado de forma uniformizada em Portugal, estando já a reunir com os partidos com assento parlamentar para dar seguimento ao assunto, seguindo os passos de alguns países europeus, que já implementaram este sistema.

Quanto a esta iniciativa da DECO, Maria João Gregório, presidente do Programa Nacional de Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS) da Direção-Geral da Saúde (DGS) diz à VISÃO “que quanto mais alargada for a discussão na sociedade civil sobre este tema tanto melhor”. Até porque, continua numa resposta enviada por escrito, “neste momento, mais importante do que a adoção do Nutri-Score em Portugal, é a adoção de um modelo único a nível europeu, consensualizado por todos os países europeus. Sabemos que a União Europeia tomará uma decisão sobre este assunto em breve. E Portugal, através dos Ministérios da Agricultura, Negócios Estrangeiros, Economia e Saúde tem naturalmente participado nesta discussão”.

O Nutri-Score é, para já, o único modelo simplificado a ser mencionado por cá, mas há prós e contras no Nutri-Score que têm de ser pesados e o certo é que a discussão sobre este e outros modelos de rotulagem simplificados parece estar a passar despercebida, mesmo após ter sido enviada uma carta aberta ao Parlamento por parte da organização de defesa do consumidor. “Haver diálogo e procura ativa pela melhoria do sistema de rotulagem é um debate que não está a ser tido e essa inércia é capaz de ser algo que irá causar algum arrependimento no futuro, certamente”, lamenta Helena Trigueiro, nutricionista e doutoranda.

O que é o Nutri-Score?

O Nutri-Score é um sistema simplificado de rotulagem nutricional que, com o recurso a um algoritmo, classifica os alimentos por cores (do verde ao vermelho) e letras (do A ao E) numa escala que ajuda o consumidor a avaliar um alimento – os mais saudáveis são rotulados a verde com a letra A e os menos saudáveis a vermelho com a letra E. Este modelo foi desenvolvido pela Santé Publique France, a agência nacional de saúde pública francesa, e encontra-se já em vigor em sete países europeus: Alemanha, Bélgica, Espanha, França, Luxemburgo, Países Baixos e Suíça.

Segundo a DECO, que se juntou à Auchan, à Danone e à Nestlé na criação da página de Facebook Mais Nutri-Score, o algoritmo do Nutri-Score tem por base um sistema que atribui pontos com base na composição nutricional do produto (por 100g ou 100ml), sendo que se subtraem os pontos positivos aos negativos, cálculo esse que, no final, irá resultar na cor e na letra a apresentar em destaque. Nos pontos positivos incluem-se fatores como “proporção de fruta, legumes, leguminosas, frutos secos, azeite e óleo de colza e noz, tal como o teor em fibras e proteínas” na composição do alimento, lê-se no site da DECO, que dá conta também dos elementos considerados como pontos negativos, como é o caso da “energia (calorias), teor em gordura saturada, açúcares e sal”.

Por cá, marcas como a Pescanova e a Iglo também já usam voluntariamente o Nutri-Score, modelo também adotado nos produtos de marca própria por supermercados como Aldi, E.Leclerc e Pingo Doce, por exemplo. O Continente, por seu turno, usa o modelo de semáforo ao estilo britânico nos alimentos embalados de marca própria, um modelo que foi implementado há 13 anos e que avalia quatro nutrientes: “lípidos (gorduras), ácidos gordos saturados (gorduras saturadas), açúcares e sal”, sendo que cada um deles é classificado com uma cor (verde, amarelo ou vermelho) de acordo com a quantidade presente no alimento, explica por escrito Mayumi Delgado, responsável da equipa de nutrição do Continente. “Existe ainda a cor cinza, atribuída ao valor energético (calorias), que não tem qualquer significado nutricional”, explica. Além das cores, que acabam por destacar os nutrientes de forma direta os nutrientes com impacto negativo na saúde, o semáforo apresenta ainda “a percentagem de dose de referência, tendo em conta a dose de alimento consumida (porção)”, informação visual que acaba por ser de perceção mais direta – uma pessoa hipertensa, por exemplo, percebe logo que determinado alimento com um vermelho no sal é de evitar.

Os prós do Nutri-Score (que podem trazer água no bico)

A complexidade do atual sistema de rotulagem é um dos fatores para a incompreensão quase generalizada a nível alimentar por parte dos portugueses, uma vez que este modelo é bastante descritivos no que diz respeito à quantidades de nutrientes e “essa informação obriga a alguns cálculos” e as pessoas têm de adaptar “as percentagens ao que é recomendado ao longo do dia”, explica Pedro Graça, diretor da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto, salientando que “este duplo cálculo nesta rotulagem, que é obrigatória em todos os alimentos embalados, torna-a difícil de compreender e é difícil de transformar em ações no dia-a-dia no momento da compra” e, por isso, “termos um sistema mais simplificado é melhor do que o atual sistema”, até porque, de acordo com Alexandra Bento, bastonária da Ordem dos Nutricionistas, a não compreensão nutricional “aumenta para 60% quando estamos a falar de uma população com um nível de escolaridade inferior”. No entanto, Maria João Gregório não deixa de notar que todos os modelos simplificados “apresentam limitações, inerentes a qualquer processo de ‘simplificação’”.

O estudo Nutri-Score: Uma Ferramenta de Saúde Pública para Melhorar os Hábitos Alimentares da População Portuguesa mostrou que se trata de uma ferramenta que é facilmente reconhecida e interpretada “independentemente do estrato socioeconómico e demográfico, especialmente em comparação com o sistema de semáforo”, o que poderá ajudar a combater a falta de literacia alimentar que é apontada pelos especialistas como uma das causas para as más escolhas alimentares (não só em qualidade, como também em quantidade), que, por seu turno, podem desencadear o aparecimento de determinadas patologias, como a obesidade, diabetes tipo 2 e hipertensão. Ainda no que diz respeito ao potencial efeito protetor contra doenças relacionadas com hábitos alimentares, a Organização Mundial da Saúde (OMS) destacou, no início de setembro, o mais recente relatório da Agência Internacional para a Investigação do Cancro (IARC), que sugere que a adoção do Nutri-Score na Europa pode ajudar os consumidores a reduzir o risco de doenças não transmissíveis, como o cancro.

A uniformização deste modelo por vários países europeus poderá ser uma forma de compreender a classificação de um produto embalado mesmo quando não se entende a língua local, o que poderá promover melhores hábitos além fronteiras, sendo este um outro aspeto positivo apontado pelos especialistas. “O Nutri-Score distingue-se dos demais sistemas disponíveis no mercado por avaliar facilmente os alimentos de uma forma […]


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