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No Douro já se vindima. “O atípico está a tornar-se normal”

A ideia de um Douro pintado de amarelos e laranjas e mergulhado na azáfama das vindimas de Setembro está a ser transformada pelas alterações do clima e também dos vinhos que por lá se produzem. Este ano, a colheita já arrancou em vários locais e há quem diga estar a fazer a vindima mais precoce de sempre, muito graças ao tempo extremamente quente e seco que marcou o ano e encolheu o tamanho dos bagos. A quebra de produção é certa, falta saber até onde irá.

As tesouras movem-se rápidas e silenciosas nas mãos de Natalina Ribeiro, 56 anos. A cada movimento, há um novo cacho de uvas de um roxo escuro a deixar as videiras cheias de folhas verdes e a acabar num balde, antes de ser transferido para caixas marcadas com o nome da Real Companhia Velha, que serão, depois, levadas pelos trabalhadores para o tractor que as vai tirar dali. Na Quinta das Carvalhas, mesmo em frente à pequena mancha urbana do Pinhão, as vindimas arrancaram na terça-feira. “Não me lembro de alguma vez ter começado tão cedo”, diz Álvaro Martinho, director de viticultura da propriedade. Há mais especificidades este ano. A maior parte dos cachos está bem recheada de bagos, mas bagos muito pequenos. “Deviam ter, se calhar, o dobro do que está agora”, estima Natalina.

Anos secos e temperaturas altas não são novidade para o Douro, mas as condições que se fizeram sentir este ano levam Álvaro Martinho, duriense de 50 anos que sempre viveu na região, a classificar o ano vinícola em curso como sendo “de extremos”. “Tivemos dois factores climáticos extremos, o que complicou muito o ano. Ao nível do regime hídrico estimamos que até esta data ocorreu aqui pelo menos 50% da precipitação [normal] e, ao mesmo tempo, nesta parte final do ciclo, assistimos a temperaturas muito elevadas”, diz, lembrando que houve um dia em que foram registados 47 graus centígrados no Pinhão.

O resultado faz-se sentir em toda a paisagem. Levantando os olhos e o corpo das videiras sobre as quais se curva todo o dia, desde que a colheita começou, Natalina Ribeiro não tem dúvidas: “Este ano está mais seco, mesmo as videiras estão muito mais secas. Secou tudo muito rápido por falta de chuva”, diz. E não são apenas as videiras, garante Álvaro Martinho: “Basta olhar para a floresta aqui à volta, estamos a ver sobreiros, medronheiros, azinheiras, pinheiros a secar. É um ano muito extremo. Eu, pelo menos, não tenho memória de outro assim.”

Para a uva, o “défice hídrico” com que se desenvolveu teve consequências no tamanho que alcançou. Muito calor e falta de água aceleraram a maturação da uva, mas impediram que os bagos crescessem como deviam. A estagnação no crescimento foi rápida e há alguns que nem vale a pena atirar para o balde negro que cada trabalhador tem a seu cargo. Como o cacho de poucas e pequenas uvas, algumas ainda esverdeadas, que Fernando Azevedo, 60 anos, deixa aos pés da videira, depois de o cortar. “Se pomos isto na caixa, deitam-no fora”, justifica o trabalhador, tesoura em punho, já a caminho do próximo cacho. E o mesmo lamento ouve-se também da sua boca: “Se não chover, o bago não se desenvolve. Deviam ser maiores do que o que estão.”

Estas condições do clima e as consequências que tiveram no desenvolvimento da uva são uma das razões para que as vindimas tenham sido antecipadas em várias quintas da região. A Adega Foz Tua, em Carrazeda de Ansiães, anunciou o arranque da vindima a 12 de Agosto, dizendo que era “a mais precoce de sempre”. No dia 16, já estava concluída. A Real Companhia Velha começou a colher algumas uvas nas Carvalhas e na Quinta de Cidrô, em São João da Pesqueira, no dia 17 – também um recorde. A Sogrape já iniciou a vindima numa das quintas do Douro, cerca de duas semanas antes do que seria habitual, e a Symington planeia começar na próxima terça-feira, a 23 de Agosto. “Vai ser exactamente igual a 2017, que foi um recorde em termos da data mais precoce em que a Symington alguma vez vindimou”, diz fonte da empresa. Nesse ano, a Quinta do Crasto anunciava o arranque das vindimas a 8 de Agosto.

Rui Soares, presidente da ProDouro – e também da Real Companhia Velha, que criou com a Fladgate Partnership esta associação destinada a grandes e médios produtores de vinho da região -, refere que nem todos […]

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