E agora, o que podemos esperar?
No passado dia 1 de março, a Fundação ANTAMA e o CIB, numa Conferência com o título particularmente feliz “Semeando Inovação, Colhendo Sustentabilidade”, não quiseram deixar de marcar (e celebrar) os 25 anos de cultivo do milho Bt na Península Ibérica, a introdução dos organismos geneticamente modificados, da biotecnologia em Portugal e Espanha.
Desde já as nossas felicitações pela realização do evento e o agradecimento pelo convite formulado à IACA para abordar o impacto dos OGM no setor da alimentação animal.
Muita coisa se passou desde 1998, com avanços e recuos, infelizmente uma autêntica “via-sacra”, justa ou injustamente, com muitas inverdades e não raras manipulações de dados científicos, em que a ideologia, o princípio da precaução (neste contexto), e sobretudo, o medo, condicionaram e contaminaram o debate em torno de uma questão que é cada vez mais relevante não só para a sustentabilidade da agricultura, mas também da alimentação: a inovação e a tecnologia para responder aos desafios da Sociedade.
Ainda nos lembramos quando há 25 anos atracou no porto de Lisboa o primeiro barco de milho supostamente geneticamente modificado e um grupo de ativistas do Greenpeace se amarrou e acorrentou, com o espalhafato habitual, os media no local e noticia nos jornais e televisões, pela novidade (ainda não existiam as redes sociais), …e os ativistas levados à força, como não podia deixar de ser, pela polícia marítima.
Na altura, a legislação era ainda mal conhecida das autoridades e lá fomos chamados ao Ministério da Agricultura para ajudar a “responder à crise” que foi contida porque o milho estava a ser importado dentro das regras europeias, eventos aprovados pela regulamentação comunitária, tão seguro quanto o milho convencional.
Os agricultores foram igualmente autorizados, em Portugal, tal como em Espanha, a semear o único evento (ainda hoje, pasme-se!) aprovado para cultivo – o MON 810 – mas estes 25 anos foram marcados, para além da resiliência de muitos de nós – sobretudo aqueles que acreditam na engenharia genética e nos quais orgulhosamente nos incluímos -, pela destruição de campos de milho ou problemas em algumas unidades fabris em diversos países europeus (sem que o vandalismo tenha sido punido) e por milhares de debates sobre o tema dos transgénicos, desde os danos ambientais aos problemas na saúde, humana e animal, pese embora os pareceres científicos da EFSA favoráveis que estão na base das aprovações de eventos para importação pela Comissão Europeia, pela ausência de maioria qualificada dos diferentes Estados-membros. Ao nível do cultivo de milho, continuamos com o mesmo evento “velhinho”, não sendo de admirar que as áreas cultivadas e que se têm praticamente resumido a Portugal e Espanha, na ordem dos 120 00 hectares, porque as regras da coexistência e as limitações do evento, apenas para lutar contra a broca, não permitem, como é evidente, uma maior expansão.
Pelo contrário, é de admirar que, com tantas exigências, os produtores de milho ainda resistam, contra os ventos e marés, a produzir milho geneticamente modificado, essencialmente para a indústria da alimentação animal, que se orgulha de o rotular e utilizar na alimentação dos animais, sem que até hoje tivessem ocorrido quaisquer problemas.
Só lamentamos que a União Europeia não tenha aprovado mais eventos, com múltiplos fins e resistências, a mais moderna tecnologia, à semelhança do que tem acontecido nos EUA, Argentina, Brasil…um pouco por todo o mundo, ao serviço de pequenos e grandes agricultores. E na soja, recorde-se, que mesmo a Roménia teve de abandonar o cultivo de soja geneticamente modificada largamente (maioritária nos principais exportadores) no processo de Adesão, numa União Europeia que continua a proibir esta produção.
Sim, numa altura em que tanto falamos de proteína e de desflorestação, a União Europeia nega a possibilidade de cultivar soja transgénica.
Desde 1996, a biotecnologia, que tantos insistem em negar na Europa, é utilizada por 17 milhões de pequenos agricultores, em mais de 30 países, ao serviço da agricultura e pecuária, indústria e consumidores. Os dados do ISAAA são elucidativos, sem margem para dúvidas.
Tal como salientámos aquando do webinar, para a indústria de alimentação animal, estes 25 anos ficaram marcados por grandes inquietações, com a preocupação se os eventos iriam ser ou não aprovados e se iríamos assistir a disrupções nas cadeias de abastecimento, de milho ou soja. Não queremos que os eventos sejam aprovados apenas para não existirem ruturas de abastecimento, mas porque as matérias-primas são tão seguras quanto as convencionais.
Por outro lado, num mercado global e para Portugal e Espanha, tão dependentes das importações de países terceiros, o que faz sentido é a existência de regras harmonizadas a nível mundial, pelas diferentes autoridades e organizações internacionais, desde logo o Codex Alimentarius.
A Guerra na Ucrânia deveria ter preocupado mais os decisores políticos para as questões da autonomia e soberania alimentar porque essa é uma questão decisiva para a sustentabilidade.
A procura de alternativas ao milho proveniente do Mar Negro, obrigou-nos a maior exposição e dependência de origens onde estão muito presentes a cultura de milho ou soja transgénicos, pelo que as aprovações ditas assíncronas são ainda mais relevantes nas decisões políticas, que terão de ser sempre avaliadas com base científica e no risco potencial. Esse será sempre um caminho irreversível, bem como o direito a uma informação credível e sólida.
A IACA sempre defendeu e continua a defender o direito à livre escolha.
Em 2021, realizámos uma Conferência Internacional sob o lema “Informar para Decidir” que nos deve continuar a orientar na tomada de decisões, mas estas devem ser honestas e consequentes, não baseadas no medo, no ruído ou na pressão de determinadas correntes ideológicas. Sem Hipocrisia!
Numa altura em que se discute o futuro do agroalimentar no quadro do Green Deal ou da Estratégia “Do Prado ao Prado” e a utilização das tecnologias na melhoria da competitividade, no combate às alterações climáticas, em que apostamos (e bem) na utilização eficiente dos recursos, negar o direito à biotecnologia constituirá um retrocesso civilizacional que, certamente, iremos pagar muito caro no futuro, afastando a Europa da inovação, da aposta no conhecimento e da fixação de talentos.
Temos de definir o papel de Portugal e da União Europeia na cadeia de abastecimento global e já sabemos que não existe outro caminho para a sustentabilidade nos seus 3 pilares, sem o recurso à tecnologia.
É evidente que a biotecnologia não será a solução mas sem esta ferramenta, tudo será seguramente mais difícil. E que, temos a certeza, só nos poderá conduzir a menos soberania e mais empobrecimento.
Parabéns à Fundação ANTAMA e ao CIB pela excelente iniciativa.
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA
Notas da Semana – O que (não) aprendemos com a guerra – Jaime Piçarra