Nas últimas semanas destacámos, nesta rúbrica semanal, o tema das infraestruturas portuárias e a situação da SILOPOR, com uma reflexão mais aprofundada sobre a importância dos portos e dos silos portuários na competitividade do setor agroalimentar.
Essa reflexão foi bem acolhida, naturalmente, no setor e numa boa parte da “sociedade civil”, o que muito agradecemos, mas o seu objetivo era o de alertar os decisores políticos para o agravamento da situação. Para nós era evidente que nada fazer perante a greve às horas extraordinárias, significaria uma eventual rutura no aprovisionamento de cereais e de outras matérias-primas para a alimentação humana e animal. Tal situação poderia pôr em causa o abastecimento de milhares de explorações pecuárias, milhões de animais para alimentar, incluindo animais de companhia, bem como as produções de carne, leite, ovos e pão, essenciais para a população.
Recorde-se que escrevemos ainda sobre o agroalimentar e os dados do comércio externo, e as previsões que tínhamos sobre importações e exportações, que agora se confirmam ao nível dos grandes números. Contudo, numa altura em que as empresas da indústria alimentar e das bebidas continuam a enfrentar enormes desafios, os últimos dados do INE revelam que o setor alcançou os 7 040 milhões de euros de exportações em 2022, o que demonstra o enorme potencial deste setor para a economia do país.
Entretanto, numa nota divulgada pela imprensa, apesar do setor ter ultrapassado as previsões que apontavam para exportações na ordem dos 7 mil milhões de euros, Jorge Henriques, presidente da FIPA, mostra-se cauteloso quanto ao futuro, uma vez que o setor tem como meta ultrapassar os 10 mil milhões de euros em vendas para o exterior dentro de três anos.
E, aqui chegados, deparamo-nos com o problema essencial a que temos feito referência e no qual continuaremos a insistir: o de que as infraestruturas portuárias têm de ser parceiras e não forças de bloqueio. Tem de haver uma visão estratégica conjunta entre Agricultura e Alimentação, Economia, Infraestruturas e Finanças.
O dossiê da SILOPOR, felizmente muito falado e noticiado esta semana por todos os media, na sequência de um comunicado de imprensa das IACA (Associação Portuguesa dos Industriais de Alimentos Compostos para Animais), ACICO (Associação Nacional de Armazenistas, Comerciantes e Importadores de Cereais e Oleaginosas, APIM ( Associação Portuguesa da Indústria de Moagem), FPAS (Federação Portuguesa das Associações de Suinicultores) e FEPASA (Federação Portuguesa das Associações Avícolas), não pelas melhores razões, deveria ter feito “soar o alarme” em todo o Governo, na opinião publica e publicada.
O problema de fundo, sem dúvida relevante, não se pode resumir às atualizações salariais dos trabalhadores da SILOPOR e à revisão do Despacho da então Secretária de Estado do Tesouro, que já deveria ter acontecido.
Temos agora um mês, desde a suspensão da greve (sim, a greve está suspensa. Não acabou, tal como ficou suspensa a dos trabalhadores das Administrações Portuárias) para um período de negociações que, esperamos, possa fazer regressar a estabilidade social na empresa, a estabilidade que tão necessária se torna neste período particularmente difícil.
No entanto, é preciso olhar para além desta “espuma”. É necessário ver mais longe, integrar a SILOPOR numa estratégia de articulação com outras estruturas, analisar uma futura privatização e garantir uma posição de neutralidade. É igualmente importante fazer investimentos em novos equipamentos e em armazenagem. Ao que sabemos, a empresa liberta meios financeiros para que tal seja possível.
Mas não basta olhar para o Sul, a Norte também existem problemas em Leixões. A concessão está a acabar e o porto de Aveiro não pode ficar sobrelotado.
As empresas precisam de estabilidade e previsibilidade, de estruturas que sejam dinâmicas, flexíveis e competitivas. Só assim reduziremos os famigerados custos de contexto.
Exportámos mais de 7 mil milhões de euros em 2022, com um crescimento notável.
Quanto poderíamos ter exportado se existisse um país mais perto das empresas e maior articulação entre os diferentes membros do Governo para um objetivo comum?
O que tem acontecido até hoje é que o setor privado vai dando respostas, suportando custos de milhões (até quando?), enquanto aguarda por soluções e uma estratégia à altura do que está em causa.
Não existe sensibilidade política da parte do atual Governo?
Para já, numa altura em que se vai renegociar o acordo de exportação de cereais no Mar Negro, com atrasos dos navios entre 17 a 21 dias, seria importante a retoma das reuniões da cadeia de abastecimento para que tenhamos a verdadeira noção dos stocks, das previsões dos mercados, para anteciparmos problemas e encontrarmos soluções de curto e de médio prazo. Ao mesmo tempo, devemos olhar com mais atenção para a SILOPOR e discutir políticas integradas e coerentes.
Estivemos no fio da navalha e muito perto de ruturas que iriam acontecer se a greve não fosse interrompida. Eventualmente, teríamos ficado numa situação caricata de termos navios ao largo e as empresas não disporem de matéria-prima para a sua laboração.
Ninguém de bom-senso compreenderia.
O que está verdadeiramente em causa não são os aumentos salariais da empresa, como facilmente se percebe. Essa é apenas a parte (mais) visível do problema.
A pergunta que deixamos é, e daqui a 30 dias?
Ainda temos tempo para mostrar e demonstrar que, todos juntos, podemos fazer mais. Podemos fazer melhor.
O País certamente merece…e agradece!
Jaime Piçarra
As infraestruturas portuárias não podem ser forças de bloqueio – Jaime Piçarra