Jaime Piçarra

Notas da semana – Estaremos preparados para o embate? – Jaime Piçarra

Como certamente se recordarão, há cerca de 25 anos, quando fomos confrontados com as crises alimentares, desde as dioxinas à BSE, passando por outras menos mediáticas, os Conselhos Agrícolas eram dominados pelos temas da segurança alimentar. Os Ministros da Agricultura de então mostravam alguns sinais de preocupação porque saíam da sua “zona de conforto” natural, uma vez que a DG AGRI perdia claramente peso e poder político para a então DG SANCO (posteriormente DG SANTE), reforçando-se a influência da sociedade civil ou da opinião pública e publicada, e dos consumidores. Sinais de que vinham aí “outros tempos”, em que as questões dos mercados passaram para segundo plano.

Ninguém tem dúvidas que a segurança alimentar, no plano da higiene e sanidade – não na disponibilidade de alimentos -, é hoje um ganho civilizacional e irreversível, para o qual as empresas souberam dar as respostas adequadas.

Mas há que estar atento aos novos sinais, de conflito e desagregação, sobretudo nesta fase pós-pandemia e de grandes tensões internacionais.

Vem isto a propósito das principais conclusões do Conselho de Ministros de 11 e 12 de outubro, sob a presidência da Eslovénia, em que do ponto de vista da comunicação oficial, foram destacados o ponto de situação da PAC e os Planos Estratégicos Nacionais (PEPAC), bem como o pacote legislativo “Fit for 55”, ou seja, questões claramente ambientais e climáticas, sendo ignorados os problemas de mercado, uma vez que também se analisou, é certo que no ponto diversos, a conjuntura atual da carne de suíno.

Bem difícil e preocupante como todos sabemos.

Uma vez mais, pese embora a evidência da alta dos custos de produção – alimentação animal, energia, combustíveis, logística… – e a baixa dos preços ao produtor, com um excesso de oferta e redução da procura, desde logo da parte da China, as questões de mercado e da viabilização de empresas ou setores, passam para segundo plano, face ao ambiente e alterações climáticas.

E, o mais relevante, em nossa opinião, é que o pedido foi apresentado pela Bélgica e apoiado por mais 17 Estados-membros, entre os quais a França e a Alemanha (Dinamarca e Espanha ficaram de fora), com a Comissão a mostrar uma enorme insensibilidade perante o problema.

De facto, estavam em cima da mesa um conjunto de medidas, desde ajudas à armazenagem privada (que sabemos é recusada pela maioria dos países e produtores), apoios à exportação, para encontrar novos mercados, e ao nível da alimentação animal, a resolução urgente do diferendo UE/EUA sobre o milho ou dar prioridade à utilização dos cereais na alimentação animal em detrimento, por exemplo, dos biocombustíveis.

Perante a degradação da conjuntura, mais do que evidente, o Comissário Agrícola respondeu que qualquer intervenção neste momento para além de ser onerosa, iria dar sinais errados aos mercados, dificultaria o necessário ajustamento e prolongaria a crise.

E, pasme-se, reconheceu que as margens estão a ser pressionadas por ambos os lados e que vivemos uma tempestade perfeita. Terminou a sua análise do mercado a referir que a DG AGRI não deixará de acompanhar a evolução do mercado e que estarão prontos para tomar as medidas adequadas, quando se justificar. Entretanto, sugeriu que sejam tomadas medidas direcionadas para o setor, no quadro dos instrumentos disponíveis como o Desenvolvimento Rural e as ajudas de Estado, passando a responsabilidade aos Estados-membros.

Se esta não é a altura adequada, quando a maioria dos países da União estão a solicitar medidas urgentes, se a situação é crítica, perguntamo-nos quando será?

Que Europa é esta que estamos a construir ou que nos querem impor?

Tudo isto numa altura em que foi apresentado mais um estudo de impacto das Estratégias “Do Prado ao Prato” e da Biodiversidade, que aponta para quebras nas produções de suínos, aves e bovinos na ordem dos 15%, de cereais e oleaginosas de 12 a 13% e 8% nos vegetais e culturas permanentes. Os preços poderão aumentar até 40% como é o caso da carne de suíno. Com estes níveis, será possível manter a competitividade nos mercados externos, conter as importações, e alimentar a população europeia com preços razoáveis?

Este é mais um estudo que demonstra que os ganhos ambientais não compensam as perdas para a competitividade da agricultura e da agroindústria europeias. O ambiente a sobrepor-se, definitivamente, aos mercados.

Isto não é sustentabilidade. É cegueira e fundamentalismo.     

Nesta perspetiva, o que parece, numa conjuntura em que o Vice-Presidente Frans Timmermans se assume como o homem-forte e a estrela da Comissão, é que o Comissário Janusz Wojciechowski, segue a linha politicamente correta: deixar que o mercado se ajuste e funcione, se reduzam os efetivos e a capacidade produtiva e assim reduzir as emissões, e colocar a Europa na liderança ambiental, onde estará “orgulhosamente só”, perdendo capacidade de exportação e condenada ao empobrecimento.

Falamos de inovação, resiliência, de tecnologias e digitalização, mas recusamos novas tecnologias como as NGT ou tudo o que seja biotecnologia e, o mais grave, é que não cuidamos do presente para preparar os desafios e metas de 2030.

Caros Senhores, perante tantos estudos de impacto, não era aconselhável refletir e recuar um pouco nas ambições, sobretudo quando sabemos que os fundos disponíveis, nomeadamente nos eco regimes, não vão compensar as perdas de rendimento e o valor ambiental não vai ser remunerado pelos consumidores no muito curto prazo?

Onde está o tão proclamado equilíbrio entre a sustentabilidade ambiental, económica e social?

Porque não estão em causa apenas os suínos, mas a generalidade dos produtos alimentares, desde logo os de origem animal, a postura do Comissário Agrícola e da Comissão, perante problemas concretos e urgentes dos Estados-membros, não deixa de nos causar uma profunda desilusão, inquietação e enormes preocupações.

Com os resultados deste Conselho, sentimo-nos abandonados e entregues a nós próprios. Estaremos preparados para o embate?

Para já, uma péssima notícia para o Dia Mundial da Alimentação.

Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA

O artigo foi publicado originalmente em IACA.

Notas da Semana: “Se queres ir depressa, vai sozinho. Se queres ir longe, leva companhia” – Jaime Piçarra


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