No quadro das reuniões da PAC, ou na definição dos ecoregimes, muitos de nós referiram como dificuldades os custos de contexto e as relações difíceis entre o Ambiente e a Agricultura, o envolvimento de muitas áreas da Governação ou até de entidades diferentes do mesmo Ministério. Estas situações estrangulam o desenvolvimento sustentável das atividades agrícolas, em particular da pecuária.
As medidas têm de ser atrativas, simples e exequíveis, e aplicadas ao país que temos, sem perder de vista os compromissos de Portugal no quadro europeu e perante a sociedade, mas sem fundamentalismos.
Este é claramente um ponto fraco do nosso sistema de licenciamento, que desmotiva, atrasa, onera os custos, retira-nos capacidade competitiva. O mais grave é que há anos que sabemos que é assim, pugnamos e exigimos alterações, criamos Grupos de Trabalho ou Comissões de Acompanhamento, deixamo-nos envolver na esperança de que tudo vai mudar, ser mais simples, flexível, …e afinal tudo, ou quase tudo fica na mesma. As mesmas teias costumeiras, os processos que não andam, investimentos que ficam por fazer, burocracias num mundo que se quer ágil, dinâmico, digital, mas também previsível na capacidade de análise e de resposta.
Precisamos de uma Administração que produza legislação exequível e compreensível, que regule, mas que promova a capacidade competitiva do país sobretudo nesta fase pós-pandemia e sem perder de vista os objetivos estratégicos da União Europeia.
Devemos centrar o crescimento nas empresas para criar emprego, pagar melhores salários. Apostar no agroalimentar, que sempre deu provas de resiliência e que cresceu nos momentos mais difíceis, não raras vezes descredibilizado publicamente.
Apesar de resiliente, o setor lida atualmente com os elevados custos de contexto, a complexidade dos processos, das decisões, um estrangulamento que é real e que faz dos empresários, seja qual for a sua dimensão, verdadeiros heróis.
E se esta é uma marca, infelizmente, da realidade empresarial em Portugal, é ainda mais importante que a mudança se faça sentir agora, pelos apoios que vamos receber nos próximos anos e que não nos podemos dar ao luxo de desperdiçar.
Neste contexto, ainda é mais premente a celeridade do regime de licenciamento das explorações e dos sistemas de tratamento e valorização dos efluentes.
Queremos ou não uma verdadeira valorização dos efluentes pecuários, queremos ou não apostar na economia circular, no cumprimento das metas da Estratégia do Prado ao Prato?
Recorde-se que uma das metas, que condiciona a nova PAC, à luz dos compromissos ambientais, incluindo os previstos nos ecoregimes, aponta para uma melhoria na fertilidade do solo. É ela que permite travar a degradação na perda de nutrientes, reduzir a utilização de fertilizantes em, no mínimo, 20%, no horizonte 2030.
Naturalmente que esta promoção dos fertilizantes orgânicos, em detrimento dos químicos, contribuirá igualmente para a redução das emissões, interligando, como é bom que aconteça, as componentes animal e vegetal, da atividade agrícola em Portugal.
Não esqueçamos que o solo é essencial para o funcionamento da cadeia agroalimentar, onde, na verdade, tudo se inicia.
No entanto, estas metas e objetivos podem estar seriamente comprometidos com a recente publicação da Portaria nº 79/2022, de 3 de fevereiro, que define o regime aplicável à gestão dos efluentes.
Infelizmente, a Estratégia Nacional para os Efluentes Agropecuários e Agroindustriais, ENEAPAI 2030 , já era preocupante, quer pelo retrato da situação relativamente a dois setores sob pressão ( leite e suinicultura), quer pela existência de dados desatualizados que não refletem, por exemplo, as alterações significativas nos regimes alimentares e condicionam toda a estratégia e também não acolhem as propostas dos produtores e respetivas organizações na fase de discussão pública.
No que respeita à Portaria, a sua inexequibilidade é uma evidência, desde logo do ponto de vista técnico (as guias, parcelas, agricultores que têm de ser licenciados como valorizadores…), mas também político porque, uma vez mais, os principais interessados (agricultores e produtores pecuários) não foram ouvidos. Em reuniões recentes com os ainda responsáveis pela Agricultura, ficou a promessa de ultrapassar ou mitigar os estrangulamentos, mas era bom que a Portaria fosse suspensa para se evitar multas da parte da IGAMAOT e penalizações desnecessárias, o que alimenta a imagem negativa do setor.
Sendo aceite e claro, como parece ser, que o país aposta na valorização dos efluentes na atividade agrícola, vale a pena estar atento à apresentação pública do Roteiro de “Gestão dos Fluxos Gerados na Atividade Agropecuária”, a realizar no próximo dia 20 de abril pelo Grupo Operacional Efluentes (GO Efluentes). Esta pode ser uma peça fundamental neste processo e que importa ter em conta numa eventual revisão da Estratégia.
Temos uma tarefa difícil pela frente, e não podemos negar a realidade. que é bem complexa e exigente. Existe uma questão urgente a resolver, não a podemos adiar e há que procurar uma solução sustentável para a gestão e valorização dos efluentes pecuários.
Compete-nos a todos transformar um problema numa oportunidade e essa é uma prioridade na qual toda a fileira agroalimentar se deve concentrar porque também passa por aí a melhoria da imagem da atividade agrícola no nosso país.
No entanto, temos de dispor de instrumentos que permitam ir ao encontro das estratégias e essa deve ser a mensagem para o futuro Governo.
Fazendo o que nos compete, provavelmente teremos de gritar até à exaustão, que somos e queremos ser parte da solução, mas precisamos de uma maior cooperação entre Agricultura e Ambiente e um melhor envolvimento da pecuária com os agricultores em todo este processo.
Para que aos olhos da opinião pública fique bem claro que se não cumprirmos as metas definidas é porque não nos deram os meios e as ferramentas necessárias.
Em nome de uma Fileira agrícola e agroalimentar verdadeiramente sustentável.
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA