Um caminho que não é novo
Depois do lançamento da Carta de Sustentabilidade 2030 em setembro, que a IACA naturalmente subscreveu, e que representa um conjunto de compromissos da indústria da alimentação animal, em linha com os ODS das Nações Unidas e o “Farm to Fork”, cumpriu-se esta semana mais uma etapa neste caminho da sustentabilidade, iniciado pela FEFAC há 15 anos, ainda o slogan “Do Prado ao Prato” tinha a ver com a rastreabilidade e segurança alimentar, na sequência das respostas às crises alimentares iniciadas, como todos nos lembramos, com a BSE.
A Indústria, representada pela FEFAC, apostou numa estratégia de proatividade e de autorregulação, antecipando-se ao legislador, na altura com a implementação de Códigos de Boas Práticas. -Todos sabemos que se assim não for, a tendência é para que nos criem restrições – não raras vezes, com base em propostas absurdas ou fundamentalistas – apenas para dar respostas meramente conjunturais, de resposta à pressão da opinião pública ou publicada e aos populismos, quase sempre demagógicos.
Veja-se, por exemplo, a questão da chamada “fórmula aberta” em que tivemos de dirimir argumentos no Tribunal Europeu de Justiça. Todos nos mobilizámos e fizemos defender os nossos interesses.
Valeu a pena, como valerá sempre a pena defendermos aquilo em que acreditamos.
De facto, em 2005, foi iniciado um caminho em prol da soja responsável, com uma ligação à RTRS e que se viria a concretizar a partir de 2007, então com a FEFAC liderada pelo português Pedro Corrêa de Barros. Em 2015 foi lançado um Guia da FEFAC para o aprovisionamento de soja responsável (FEFAC Soy Sourcing Guidelines, FSSG) que define um conjunto de critérios e objetivos que vão desde as práticas da produção de soja, às preocupações ambientais, passando pela preservação da paisagem e da biodiversidade até às condições sociais de laboração, ao trabalho escravo e à relação e integração com as comunidades.
Em 2017, em Lisboa, tivemos a honra de, na Embaixada do Brasil, assinarmos um Memorando de Entendimento (MoU) para um projeto a implementar no Estado de Mato Grosso, para desenvolver a Soja Plus. Neste momento estão incluídos e reconhecidos pelo Guia da FEFAC, num processo de benchmarking independente, levado a cabo pelo Internacional Trade Center (ligado à OMC), 19 sistemas diferentes de produção de soja, na Europa, nos EUA e na América do Sul. O reconhecimento destes sistemas não se trata de mais uma certificação ou da criação de mais custos; trata-se, sim, de um contributo para a agenda de sustentabilidade, respondendo às exigências dos consumidores e que foi reconhecido por organizações ambientalistas, agências internacionais, retalhistas e outras empresas, associadas no Consumer Goods Forum (CGF) e que já conta com cadeias de supermercados de Portugal, incluindo as mais representativas no nosso país. É bom lembrar que esta estratégia da FEFAC visou criar uma imagem mais favorável do aprovisionamento da soja, conter as discussões absurdas entre soja GM e não GM (a soja responsável não tem em conta essa distinção) e abordar o problema da desflorestação, que ocupa hoje um espaço mediático como nunca aconteceu. A lógica da FEFAC assenta numa estratégia e abordagem claras relativamente às preocupações da União Europeia e no combate às alterações climáticas.
A aposta reforçada no presente
Foi precisamente devido a esta evolução da agenda que foi lançado esta semana um novo Guia, com este upgrade, dando respostas às grandes questões da atualidade. O Guia 2021 tem 73 critérios, dos quais 54 obrigatórios e 19 são ambições. Para percebermos a evolução, 17 critérios que em 2015 eram “aspiracionais”, são hoje essenciais no novo Guia.
Todo este processo tem sido apoiado pelo IDH, organização holandesa para Iniciativa para o Comércio Sustentável que conta com apoios governamentais não apenas da Holanda, mas de outros países e que tem monitorizado anualmente o aprovisionamento de soja responsável. De acordo com a última avaliação do Soy monitor, 38% da soja utilizada na União Europeia cumpre os requisitos do Guia FEFAC e quase 20% é livre de desflorestação. A soja responsável tem vindo a ser cada vez mais utilizada pela indústria da alimentação animal (49% segundo os últimos dados) e as estimativas apontam para que 78% dessa matéria-prima seja proveniente de zonas com baixo risco de desflorestação.
É evidente que para este caminho também contribuiu, e muito, a moratória da soja do Amazonas, um compromisso dos nossos fornecedores, assinado em 2006, que mostrou que a desflorestação foi reduzida em 80%, sendo perfeitamente possível, com diálogo e cooperação, atingir os objetivos de um aprovisionamento mais sustentável e cada vez mais “mainstream”.
O caminho que queremos construir e percorrer
No entanto, este caminho, em que se procura maior confiança e transparência de mercado, não é de fácil implementação. Exige uma cooperação à escala mundial e um reconhecimento dos consumidores, desde logo pela valorização destes produtos, e dos decisores políticos e Governos, através de políticas públicas que apoiem a reconversão dos sistemas de produção.
Sob pena de, se tal não acontecer, perdermos competitividade, não existir matéria-prima disponível para as necessidades do mercado, e, enfim, não termos condições para criar qualquer tipo de valor e muito menos um verdadeiro desenvolvimento sustentável, que deve ser a ambição de todos e é, seguramente, a do setor da alimentação animal.
Neste caminho para a transição verde, consubstanciado no Pacto Ecológico Europeu e na estratégia “Farm to Fork”, para além da PAC, a mensagem-chave tem sido a de “não deixar ninguém para trás”, ser inclusivo.
Se tivermos em conta o contexto atual de pandemia, as lições já retiradas da COVID 19 no funcionamento das cadeias de abastecimento e a profunda crise social e económica que vamos enfrentar nos próximos anos, sabemos que se o compromisso da inclusão não for levado a sério e baseado em estudos de impacto e planeamento, muitas explorações e empresas agroalimentares ficarão inevitavelmente pelo caminho. O exemplo de Matosinhos e a meta da descarbonização deixa-nos de algum modo inquietos, pelo menos ao nível da perceção do que pode acontecer.
A indústria da alimentação animal está a fazer a sua parte, como lhe compete, criando maior transparência e protegendo os ecossistemas, para gerar confiança.
Dos decisores e das políticas públicas, esperamos trabalho conjunto, coerência e que honrem o compromisso, tantas vezes reiterado, da inclusão.
Que não seja pela ausência de apoios públicos à transição – não se confunda com subsidiodependência – que não vamos responder aos objetivos 2030.
Certamente que o País e os cidadãos europeus não iriam perdoar os decisores!
Jaime Piçarra
Secretário-Geral
O artigo foi publicado originalmente em IACA.
Notas da Semana – O “caderno de encargos” da Presidência portuguesa – Jaime Piçarra