Passada a Feira do Porco que, pelas dificuldades que a Fileira atravessa, excedeu todas as expectativas, sendo uma mostra de notável resiliência e de esperança, a semana ficou marcada por um conjunto de factos e situações claramente contraditórias que, infelizmente, são o espelho da sociedade e da realidade em que vivemos.
Estas situações devem fazer-nos refletir e pensar de que lado da história é que queremos estar ou de como queremos ser relembrados quando passar a tempestade e, num cenário mais estável, menos incerto, nos confrontarmos com uma nova ordem mundial que deve ser igualmente, uma nova ordem moral, assente na justiça, na liberdade de expressão e de opinião, no respeito e nas decisões com base na Ciência, recusando-se, definitivamente, a ideologia e os populismos.
Nesta nova ordem as organizações supranacionais devem ser ouvidas e respeitadas, em nome da paz e do progresso, da promessa de vivermos num Mundo efetivamente melhor, no qual as preocupações com os valores sociais e o desenvolvimento sustentável estejam no topo das prioridades.
Onde está, por exemplo, a Organização Mundial do Comércio, numa altura em que assistimos a uma guerra que põe em causa o funcionamento dos mercados, as trocas comerciais, em que se acelera a disrupção, se promovem as relações bilaterais, rejeitando-se o multilateralismo, se banaliza o egoísmo das nações e se aumenta a fome no mundo?
Numa semana em que nos confrontámos com o impacto da decisão da Índia de proibir as exportações de trigo, o que será mais um impacto na escalada de preços à escala mundial – já antes a Indonésia o tinha feito com o óleo de palma – tivemos o Dia do Agricultor, em Elvas, no dia 17 de maio, mas na véspera, fomos brindados com mais uma pérola da RTP na sua missão de serviço público, com o “Linha da Frente”, semelhante a um outro, de que todos nos lembramos, sobre o bem-estar animal. Esse outro recordou, entre outros aspetos, questões antigas ao nível da comunicação proativa, ao invés da reativa que é, ainda, mais usual por parte das organizações das diferentes fileiras da produção animal e da atividade agroalimentar em geral.
Entretanto, tivemos, também, os apelos insistentes da parte do Secretário-Geral das Nações Unidas a que os países não proíbam as exportações de alimentos, desde logo de cereais. A fome e a pobreza agravam-se nos países em vias de desenvolvimento, o que agrava o potencial de novas guerras, migrações e acrescenta ainda maiores problemas aos que já decorrem das alterações climáticas, bem evidentes, por exemplo, nos países do Sul da Europa como Portugal. Infelizmente, no que à seca diz respeito, batem-se sucessivos recordes desde que existem registos.
Por outro lado, a imprensa nacional recorda que existem cerca de 20 milhões de toneladas de cereais na Ucrânia por escoar e que a Rússia não quer deixar sair. Já os ucranianos, apoiados pelo Ocidente, pretendem fazer chegar aos mercados o trigo que pode mitigar a fome no mundo.
A Alimentação como arma de arremesso, moeda de troca, numa guerra sem fim à vista e que tende a agravar as condições de vida de todos, sem exceção. Neste momento, as sanções tendem a ser mais questionadas e a dependência energética vai obrigar os países a fazer escolhas, a tomarem decisões fraturantes, com impactos sociais e económicos para os quais podemos não estar preparados.
Por isso, ainda é mais importante a coesão, evitar os populismos e ideologias bacocas, sem sentido, e estarmos ainda mais atentos a todas as tentativas de, em nome do serviço público, denegrir a imagem de um Setor – a produção animal – que é importante para a soberania alimentar, para o País, para o seu território, para a afirmação de Portugal no quadro da União Europeia e no mundo.
Enquanto se apelava à produção de alimentos para conter a fome e travar os efeitos da guerra, em Elvas, no Dia do Agricultor, com base na tecnologia, na agricultura de precisão, na biodiversidade e respeito pelo ambiente e pelo solo, na RTP 1, foi atacada, uma vez mais, a atividade pecuária, aludindo a casos de resíduos acima da média, à utilização de substâncias proibidas, a denúncias de análises que revelavam ilegalidades, mas que, afinal, refletiam resultados absolutamente legais, criando-se a perceção, errada, de que mesmo assim o produto tinha problemas. Alguns dos casos referidos no programa são casos de polícia, devem ser denunciados às autoridades e as empresas devem ser severamente punidas. Não são e não devem servir de exemplo de todo um setor que não pode ser julgado por alguns que aproveitam as debilidades jurídicas e a falta de meios das entidades públicas para continuar a prevaricar.
Nem tudo são rosas, mas o setor da alimentação animal e de produção pecuária tem um imenso trabalho de colaboração com as entidades públicas, que produzem Códigos de Boas-Práticas, de bem-estar animal, promovem a redução de antibióticos, preocupam-se com a legislação, com o ambiente, com a saúde animal e humana, com os consumidores. São empresas certificadas, com controlo de qualidade, sujeitas a certificações da parte dos seus fornecedores.
É legitima a liberdade de expressão e de opinião.
Já não é aceitável que se denigram quaisquer atividades por exemplos a todos os títulos condenáveis, que devem ser encaminhados para a Justiça. Dar a voz a quem não tem bases científicas ou conhecimento, a quem se esconde, cobardemente, em imagens ou vozes distorcidas, não é informação.
Tal como no programa anterior sobre o bem-estar animal, aqui deixamos (mais um) repto: as portas das empresas estão abertas, o mundo rural não está assim tão longe, visitem as explorações agrícolas e pecuárias, a indústria da alimentação animal tem o maior prazer em os receber e mostrar como funciona e tudo o que faz para que Portugal produza produtos de qualidade, com segurança alimentar e de excelência.
Não é necessário denegrir ninguém para se valorizar outros segmentos de mercado.
Também é tempo de responder aos convites que têm sido feitos para alguns jornalistas visitarem as empresas. De promover o contraditório e recusar o espetáculo mediático, apenas em nome das audiências. Formar e informar, com responsabilidade.
Os consumidores ou os espetadores não são estúpidos. Como todos nós, apenas precisam de informação, credível, de base científica e de conhecer o funcionamento dos setores. Depois, em consciência, tomarão as suas opções, com liberdade e de forma consciente.
Com todos estes acontecimentos, alguns bastante perturbadores, torna-se cada vez mais claro que é importante comunicar, se possível a uma só voz, agir e não reagir.
A não ser assim, torna-se tudo mais difícil, mas temos de ser capazes de remar contra a maré!
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA
O artigo foi publicado originalmente em IACA.