Jaime Piçarra

Notas da Semana – Resolver ou Complicar? – Jaime Piçarra

Depois de um curto interregno, regressámos às entrevistas nos jornais e na televisão, infelizmente não pelas melhores razões, mas antes para falar de preocupações que a todos nos afetam e que tenderão a amplificar-se no muito curto prazo.

Perguntam-nos, entre outras questões, se os apoios da nova PAC serão suficientes, mas existe ainda um longo caminho até janeiro de 2023 e temos de ultrapassar e mitigar os impactos de uma crise que se movimenta ao sabor da Guerra e de todos os danos colaterais. Essa deveria (deverá) ser a prioridade de todos, com a consciência de que esta não é uma crise como as outras que tivemos no passado. À guerra acrescem os impactos dos incêndios e, sobretudo, a maior seca do século XXI e, já a partir de setembro, as opções quanto à poupança do gás, que não deixará de afetar a economia e, naturalmente, a nossa Indústria.

As opções irão ser feitas, em princípio existirá uma tendência para que os diferentes setores sejam impactados com a mesma equidade, como aliás já foi referido pela Confederação do Comércio, mas vamos esperar pelas propostas do Governo.

Em Bruxelas, o Agroalimentar, através das suas organizações representativas, já pediu à Comissão Europeia que o setor da Alimentação seja isento destas obrigações, mas não é tão seguro assim que tal venha a acontecer.

Na alimentação animal, já se analisa, por exemplo, a questão da granulação pelo consumo de energia, uma área a que todos nós temos dado particular atenção nos últimos anos, não só por questões de higiene e segurança alimentar, mas também pela eficiência na utilização dos recursos e sustentabilidade da Indústria.

Tudo isso parece agora não ter a mesma importância do passado, o que se compreende…a par desta importante questão que nos vai colocar à prova a partir do próximo mês e ao longo de todo o inverno, com maior ou menor gravidade –  em função da dependência do gás russo, dos compromissos, da solidariedade europeia e das temperaturas com que nos confrontaremos durante esse período, sobretudo no Leste e Norte da Europa – temos as restrições à utilização da água, seja para a agricultura ou para toda a população, que irão pôr em causa o nosso modelo de sociedade e a nossa resiliência, com as inevitáveis consequências na produção de alimentos, menores produtividades e produções.

Temos, ainda, as questões da mão de obra, um gravíssimo problema que afeta todo o tecido produtivo, as questões da demografia, a inflação e as taxas de juro que tenderão a aumentar enquanto a inflação não se situar em níveis da ordem dos 2%, de acordo com o BCE (estamos nos 10%, convêm recordar).

Definitivamente, esta não é uma crise como as outras.

Nunca antes tínhamos vivido uma pandemia que criou disrupção nas cadeias de abastecimento, as tensões a nível global – para além da guerra, temos atualmente problemas no Afeganistão, no Irão, as relações entre a China e os EUA, cuja tensão  tende a escalar devido ao Taiwan – e, no caso da União Europeia, a Estratégia “Do Prado ao Prato” que convinha revisitar porque, já aqui o dissemos e repetimos, a Europa não é uma Ilha e dificilmente vamos conseguir impor ao mundo, em particular aos nossos principais aliados e parceiros comerciais, as mesmas regras que exigimos aos operadores europeus: ambientais, de segurança alimentar e bem-estar animal e, cada vez mais, as relativas às energias renováveis, sobretudo perante uma crise energética que poderá aumentar as tensões económicas e sociais.

De que serve impor limites às produções agrícolas e matérias-primas, como por exemplo os Limites Máximos de Resíduos (LMR), a utilização de pesticidas, as limitações à produção de organismos geneticamente modificados ou às novas técnicas de melhoramento de plantas, se não existe uma harmonização global ao nível da avaliação e da gestão de risco com base científica?

Vale a pena criar potenciais disrupções na importação de matérias-primas para a alimentação animal (ou humana), que podem conduzir à rejeição de matérias-primas relevantes como os cereais ou oleaginosas, provenientes de países terceiros, em nome da segurança alimentar, sem que nada se faça ao nível das importações de produtos de origem animal desses países, como o Brasil, Argentina ou Estados Unidos?

Convém ser mais pragmático e menos hipócrita, sobretudo na conjuntura atual em que a segurança (“food security”) e a soberania alimentar são tão importantes.

No que respeita às ajudas, Portugal tem apoiado os setores da forma como se conhece, com ajudas insuficientes, meros paliativos, em setembro vão chegar os 24, 3 milhões de euros da reserva de crise, mas vai ser preciso mais, muito mais para o que aí vem, quer a montante, quer a jusante. Existe ainda a noção de que os apoios são menos robustos em Portugal comparativamente a outros Estados-membros, criando distorções de concorrência e menos capacidade competitiva.

É igualmente incompreensível que a Comissão Europeia na recente derrogação de medidas da PAC, os cerca de 1,5 milhões de hectares previstos para entrar em produção, não sejam elegíveis para matérias-primas destinadas à alimentação animal, com destaque para o milho e para a soja.

Uma situação inadmissível que dever conduzir a um protesto veemente do Governo português, sobretudo quando é de esperar uma quebra na produção de cereais na União Europeia na qual se inclui o milho, cuja produção também foi revista recentemente em baixa.

Por último, lamentamos profundamente que a situação da agricultura, da alimentação e do agroalimentar não tenha sido objeto de debate no Estado da Nação, não sabemos se por falta de sensibilidade ou por não termos uma forte representação da agricultura e do mundo rural na Assembleia da República.

Mas não seja por isso, podem recorrer às organizações do Setor.

A IACA estará sempre disponível para esse debate, que deve ser urgente. Os próximos tempos vão ser difíceis, penosos e a comunicação vai ser determinante.

Para já, para além do repto, aqui deixamos um apelo aos governantes e decisores políticos, em Portugal e em Bruxelas: ajudem-nos a resolver, não compliquem ainda mais os nossos problemas e constrangimentos.

A segurança alimentar das populações em Portugal não está adquirida!

Jaime Piçarra

Secretário-Geral da IACA

O artigo foi publicado originalmente em IACA.


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