Proibições ou restrições aos cortes da cauda e castração, indicadores obrigatórios ou voluntários de bem-estar dos animais, regras voluntárias e obrigatoriedade da rotulagem do bem-estar, limitações nas gaiolas ou sistemas sem gaiolas: estas são algumas das opções que serão avaliadas no impacto económico, social e ambiental, tendo em conta a revisão da legislação global da União Europeia (UE) em matéria de bem-estar animal no final de 2023.
A primeira avaliação de impacto da Comissão Europeia aborda as principais deficiências identificadas durante o processo de levantamento e avaliação da legislação da UE sobre o bem-estar dos animais durante o transporte, na exploração e no abate.
Para além da proposta já anunciada que proíbe a utilização de gaiolas para determinadas espécies, na sequência da iniciativa de cidadania e da resolução do Parlamento Europeu, a avaliação de impacto também analisará os períodos mínimos e máximos de duração do transporte, as inspeções veterinárias obrigatórias de animais antes e durante a carga, a definição de princípios e requisitos comuns de bem-estar dos animais nas explorações, incluindo uma boa nutrição, proibição ou restrições ao corte da cauda e bicos, castração, regras específicas para as vacas leiteiras e a possibilidade de estabelecer regras pormenorizadas sobre espécies adicionais no futuro (por exemplo, para os peixes, e que pode incluir o abate).
No que diz respeito à rotulagem, a avaliação do impacto terá em conta 3 opções:
- Requisitos comuns mínimos para o bem-estar dos animais, com o fundamento dos princípios gerais;
- Rótulo obrigatório ou voluntário do bem-estar dos animais da UE, limitado a sistemas de gaiolas, durante a transição para sistemas sem gaiolas
- Rótulo obrigatório ou voluntário da UE para o bem-estar dos animais com critérios para além das gaiolas.
Durante o segundo semestre de 2021 será lançada uma consulta pública, pelo que todos devemos estar atentos e participar.
No balanço da presidência e no quadro do acordo da PAC, a Ministra da Agricultura referiu o dossier do bem-estar animal, quer ao nível da rotulagem, quer o transporte de animais vivos, como uma importante vitória da presidência portuguesa e que está claramente no centro da agenda política.
Sabemos que o transporte marítimo tem sido questionado em muitos países e que as exportações de animais vivos (bovinos e pequenos ruminantes) têm tido um papel decisivo na capacidade competitiva destes setores em Portugal, pelo que há que acautelar estas questões, quando é sabido que a UE tem as regras mais restritivas de bem-estar animal a nível mundial.
Por outro lado, se tivermos presente que a Comissão Europeia já anunciou a intenção de proibição total das gaiolas ou jaulas a partir de 2027, preparando-se para lançar uma proposta de “phasing-out” até final de 2023, para além da avaliação de impacto, é fundamental o setor ter alguma previsibilidade porque existem investimentos a fazer, para responder aos desafios dos próximos anos.
Provavelmente os setores mais afetados serão as galinhas poedeiras e os coelhos, mas é sabido que o Parlamento Europeu quer ir mais longe, com impactos em toda a produção animal.
Sem áreas suficientes para alojar os animais que atualmente são produzidos nos sistemas que conhecemos, estaremos confrontados com um cenário de menos animais e quebras significativas de efetivos pecuários na UE, que não deixará de arrastar as atividades a montante e a jusante, colocar em causa a competitividade da produção animal e a sua capacidade exportadora, e o papel da UE num comércio global que vai crescer nos próximos anos, tendo em conta a procura de carnes e leite no mercado mundial no horizonte 2050.
Esperemos apenas que os Estados-membros possam fazer uma discussão séria e com base científica, que não isolem ainda mais a Europa do resto do mundo, como tem acontecido em tantas áreas da sociedade e, definidas as regras, que sejam exigidas, sem quaisquer hesitações ou hipocrisias, nas importações de países terceiros.
Não podemos ignorar igualmente os avanços obtidos, claramente civilizacionais, ao nível da sanidade animal e da biossegurança das explorações pecuárias e que têm sido decisivos para uma efetiva segurança alimentar e proteção da saúde pública.
Valores essenciais de que não podemos abdicar.
Porque o bem-estar animal é um ativo de todos, se não existir um debate coerente e racional, sem fundamentalismos, teremos certamente uma forte ameaça à sustentabilidade do tecido agroalimentar e ao papel da atividade pecuária, absolutamente estratégico no território, no mundo rural e nas metas definidas na Estratégia do “Prado ao Prato”, bem como no quadro do PEPAC.
Sem esquecer que sem produtos de origem animal não é possível falamos de sistemas alimentares sustentáveis.
Jaime Piçarra
Secretário-Geral
O artigo foi publicado originalmente em IACA.