Depois da Cimeira sobre os Sistemas Alimentares Sustentáveis, promovida pela ONU e que decorreu nos passados dias 23 e 24 de setembro, cujo balanço foi muito menos mediático que o seu lançamento, tendo ficado, em nossa opinião, aquém das expectativas – o que é normal nestes eventos supranacionais – o próximo grande acontecimento à escala global é seguramente a Cimeira do Clima.
Estando agendada para o período de 30 de outubro a 12 de novembro, em Glasgow, na COP26 não vão faltar as promessas e os alinhamentos costumeiros, cada um a prometer metas mais ambiciosas, vamos recordar o acordo de Paris e reforçar a liderança da União Europeia no combate às alterações climáticas.
Não vão faltar certamente os ambientalistas e os “profetas da desgraça” a lamentar uma grande inação e imobilismo, que os políticos adiam as reformas, reivindicar que as mudanças são inevitáveis e a tentação de encontrar “culpados”. Muito provavelmente, vamos voltar a ouvir que parte do estado do Planeta tem a ver com a intensificação da agricultura, com a desflorestação e a atividade pecuária, como se esta não fosse da maior relevância para o combate à desertificação, para o equilíbrio do território e dos ecossistemas. Para o sustento de milhões de pessoas em todo o mundo, produção de riqueza e contributo para dietas equilibradas e saudáveis.
Como se não estivéssemos a fazer a nossa parte, a ser parte da solução e a trabalhar em prol da sustentabilidade, desde há muito tempo!
Provavelmente, à medida que nos aproximarmos da data do evento vão multiplicar-se as greves climáticas, a pressão da opinião pública e publicada e as propostas de que vamos ter de mudar atitudes e comportamentos, apostar num novo paradigma e modelo de Sociedade, como se cada país fosse uma Ilha e não existisse, para o bem e para o mal, uma interdependência que resultou da globalização, influenciada por tensões e por uma geopolítica complexa, dominada pela China, EUA, India, Rússia, onde existem tensões que influenciam todas as decisões, sendo uma evidência que os interesses do Pacifico parecem sobrepor-se aos do Atlântico, ou seja, os grandes acontecimentos parecem condenar a União Europeia para um plano inferior das relações internacionais.
E também por isso, porque sente essa fragilidade, a UE tem vindo a apostar cada vez mais no Green Deal, no Pacto Ecológico Europeu, na Lei do Clima, numa agenda em prol do ambiente. Tudo isto faz sentido, mas só será efetivamente aplicável se existirem compromissos à escala internacional e, tal como nos sistemas alimentares sustentáveis, que já têm uma definição clara a nível da FAO (não é preciso inventar a roda), vai ser preciso negociar e provavelmente sermos menos ambiciosos. Se queremos cumprir metas exequíveis e levadas a sério.
No que respeita aos EUA, vão pretender fazer esquecer a Administração Trump neste dossier que é particularmente mediático e atrativo para a opinião pública mundial. O Reino Unido, que acolhe a Cimeira, vai querer desviar atenções de uma das consequências negativas do Brexit como a crise dos camionistas, com grande impacto no funcionamento da cadeia alimentar e de abastecimento.
Aparentemente conscientes destas limitações e assumindo o necessário pragmatismo, a UE e os EUA acordaram um compromisso comum de reduzir as emissões de metano em 30% até 2030, focando-se na necessidade de investir em novas tecnologias, reduzindo as emissões da produção de combustíveis fósseis, da atividade pecuária e combatendo o desperdício alimentar.
O compromisso de apontar publicamente estratégias de alimentação inovadoras, formulações de alimentos para animais e ingredientes para a alimentação, que podem reduzir significativamente as emissões de metano da fermentação entérica, é certamente uma excelente notícia.
Os líderes políticos dos EUA e da UE procuram agora o apoio ativo das 17 maiores economias mundiais para subscreverem a promessa global sobre as emissões de metano durante a COP 26.
Este objetivo de redução de 30% é ligeiramente inferior à meta de 35-37% enumerada na comunicação da estratégia da UE sobre o metano publicada em 2020. A boa notícia é a de que esta lógica de atuação não refere a necessidade de alterar padrões alimentares como a redução do consumo de produtos animais, com o consequente abate de efetivos, reconhecendo, como estratégia, a necessidade de implementação de soluções tecnológicas.
Um dado relevante é o de que o Conselho Ambiental da UE também apoiou esta visão conjunta. A Itália é o primeiro Estado-membro da UE a assinar o compromisso, aguardando-se que outros o possam subscrever.
Era bom que Portugal também avançasse nesta linha, deixando aqui este apelo para os nossos decisores políticos. Desde logo a Agricultura e o Ambiente. Não é preciso ser-se fundamentalista, basta assumir maior humildade e pragmatismo.
Em conjunto com outras estratégias de mitigação, como a melhoria das técnicas de agricultura e pastoreio, a genética animal e as práticas de produção são uma das chaves para a redução do impacto ambiental.
A redução da contribuição da agricultura e da produção animal para as alterações climáticas é uma prioridade fundamental para a alimentação animal. Todos temos a noção de que só é possível conseguirmos mudanças significativas na redução das emissões globais de metano através da utilização da ciência e da tecnologia e não apelos drásticos e irrealistas para mudar os padrões de consumo alimentar.
A criação do FeedInov e a participação da IACA em algumas Agendas Mobilizadoras é uma resposta proativa para esta mudança, mas há que ter a noção de que a Europa não pode caminhar sozinha neste processo, devendo aliar-se com os principais blocos para ter uma influência efetiva no panorama mundial.
Talvez isso implique alguns recuos, mas há que ter a noção da realidade. Vale a pena recordar uma frase que faz cada vez mais sentido nas relações internacionais: Se queres ir depressa, vai sozinho. Se queres ir longe, leva companhia.
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA
O artigo foi publicado originalmente em IACA.