Segunda-feira, 1 de Maio, depois do jantar, eu e mais alguns milhares de pessoas assistimos ao programa “Notas Soltas”, no Canal 1 da RTP. Um dia após o encerramento da Ovibeja, marcada pela visita do Presidente da República e pela “não-visita” do Ministro da Agricultura, António Vitorino comentava a contestação dos agricultores à falta de pagamento das medidas agro-ambientais. Como seria de esperar, Vitorino deu razão ao governo do seu partido e garantiu que o ministro estava seguro no lugar. Nada de novo até aqui, nem a afirmação de ser “necessário instaurar condições de diálogo, não apenas sobre estas medidas (…) mas sobretudo sobre o futuro da agricultura portuguesa, porque eu receio que estejamos distraídos”.
“Mas acha que a agricultura portuguesa tem futuro?”, interrogou Judite de Sousa. “Um futuro terá que ter. A questão é se o futuro será o imobilismo. Eu acho que não”. E falou então da reforma da PAC iniciada em 2003 para ir até 2013 mas que será revista em 2008. Fez depois alguns comentários sobre os beneficiários da actual PAC e rematou com 3 apontamentos sobre essa questão: 1) a tendência para os cereais, a carne e o leite perderem importância relativa numa futura PAC; 2) a hipótese de “co-financiamento” (actualmente a PAC é totalmente financiada através do orçamento comunitário) com o risco de variarem os apoios à agricultura de acordo com a capacidade financeira de cada estado; 3) a abertura de uma “janela de oportunidades para o desenvolvimento rural e para um conjunto de produções mais adaptadas à nossa realidade, solo e até à “cultura” dos próprios agricultores. (…) Em 2008 é o debate, para 2009 espera-se a conclusão e antes de 2013 teremos uma nova PAC, está já aí ao virar na esquina (…) temos de criar condições para o debate sobre o que interessa para Portugal…”
Estes apontamentos de António Vitorino devem merecer a nossa atenção. De facto, embora veja e diga as coisas “ao jeito” do partido a que pertence, Vitorino sabe do que fala no que toca à PAC. Foi comissário Europeu até Barroso assumir a presidência da comissão.
Comecemos pelo final: O desenvolvimento rural, a diversificação de actividades no espaço rural e na exploração agrícola são propostas positivas que se vislumbram para os próximos anos. Também parece acertado apostar em produções vegetais para as quais Portugal tem vantagem em termos naturais (hortícolas, azeite, etc), até porque a moda “politicamente correcta” é cada vez mais vegetariana. Mas sejamos prudentes: Os outros países do Sul da Europa e do Norte de Africa também tem condições semelhantes e (neste último caso) mão-de-obra mais barata. Não vamos agora, portanto, dedicar-nos às estufas da mesma maneira que há alguns anos outros correram às minhocas na esperança da riqueza rápida. Não abandonemos sectores que funcionam, como o caso do leite, mas precisam de renovação etária, aumento de dimensão e melhorias ao nível do ambiente e bem-estar animal.
Por outro lado, devemos encarar com preocupação a possível “renacionalização” da PAC, ainda que parcial sob o nome de “co-financiamento”; Dizer que cada país cuide da sua agricultura irá deixá-la à mercê do orçamento nacional e da importância relativa que o sector aí tiver. Importância essa que se pode avaliar pela opinião pública e/ou “publicada”. Daí que, mais do que as palavras de Vitorino, me tenham chamado a atenção duas intervenções da entrevistadora: na primeira, quando Vitorino disse ser preciso falar do futuro, não perguntou “qual”, disparou num tom entre a interrogação e a exclamação: “mas acha que a agricultura portuguesa tem futuro?” Depois, em comentário às possíveis alterações da PAC: “isso não são boas notícias para Portugal: A nossa agricultura, que já é incipiente, tenderá a ter uma expressão mais reduzida…”. Este é um problema para os agricultores portugueses. Se uma das mais importantes e respeitadas jornalistas pensa assim, que imagem terá do sector o resto do país? Na hora de dividir a “herança” anual do deficitário orçamento português, que importância terá uma agricultura “incipiente” e sem “futuro”?
Carlos Neves
Jovem Agricultor