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Novas recomendações da FAO para a educação florestal

Qual o estado da educação florestal no mundo? Quais as lacunas nos vários níveis de ensino e diferentes regiões? Como ultrapassar as principais carências identificadas? Estas são algumas das questões do estudo da FAO “Global assessment of forest education” que, através de inquéritos conduzidos em seis grandes regiões do mundo, traça o panorama e estabelece recomendações globais para o ensino florestal.

Só com uma educação florestal robusta será possível avançar no sentido de uma gestão florestal sustentável e conseguir o devido reconhecimento dos bens e serviços florestais, assim como superar o crescente afastamento entre as pessoas, a natureza e as florestas, destaca o recente relatório “Avaliação Global sobre a Educação Florestal”.

O “Global assessment of forest education”, no original, é um documento publicado pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação) em parceria com a IUFRO (União Internacional de Organizações de Investigação Florestal) e a ITTO (Organização internacional de Madeiras Tropicais), no âmbito de um projeto internacional de educação florestal criado em 2019. A informação recolhida ajudará os países a atingirem os ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, aliando-se também aos recursos educativos da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).

O relatório tem como ponto de partida as preocupações, reveladas nos últimos anos em diferentes fóruns, sobre a insuficiência, desadequação e desatualização dos temas abordados na educação florestal em várias partes do mundo. Outra preocupação é a falta de recursos para promover uma adequada consciencialização e compreensão sobre a importância e a relação das florestas com temas estratégicos, que vão das alterações climáticas ao restauro ecológico, passando pela preservação da biodiversidade, saúde humana e desenvolvimento sustentável.

Entre as carências identificadas, várias estão diretamente relacionadas com a educação florestal, como é o caso da falta de experiência de campo ou do deficiente enquadramento social e cultural dos valores florestais, enquanto outras dizem respeito a áreas como a iliteracia digital, a falta de recursos de ensino acessíveis e a discriminação étnica e de género no ensino e emprego florestais.

Ultrapassar estas e outras limitações, rumo a uma educação florestal mais abrangente, acessível e inclusiva, que permita caminhar rumo aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável traçados para 2030 é o objetivo das recomendações traçadas, porque, como realçou Alexander Buck, diretor-executivo da IUFRO, “a educação florestal pode ser um pequeno sector educativo, contudo, tem potencial para ter um papel muito maior”.

Nos inquéritos realizados, os educadores e estudantes dos ensinos básico e secundário revelaram que os temas relacionados com a educação florestal não estão integrados nos currículos enquanto disciplinas individuais, sendo focados noutras disciplinas com exploração limitada. As questões florestais são, assim, abordadas no âmbito de conceitos como “ambiente” e “desenvolvimento sustentável”, mas não como assuntos específicos.

Verificam-se também carências no que diz respeito ao ensino sobre o valor cultural e social das árvores, desde o conhecimento tradicional, aos dos direitos das comunidades aborígenes e da importância das florestas para as populações locais. Além disso, são identificadas dificuldades na motivação dos estudantes para prosseguirem estudos neste ramo.

As abordagens mais consistentes relacionam-se com a biodiversidade, o respeito pela natureza e, no caso do ensino secundário, com a desflorestação e degradação das florestas, temas considerados essenciais.

Na generalidade, em termos globais, a educação florestal está concentrada em aulas teóricas e o ensino prático, no terreno, é praticamente inexistente. Muitos educadores identificam também como limitações a falta de acesso a material educativo e as fracas competências digitais.

A América do Norte e a Europa apresentam maior quantidade de recursos educativos do que o resto do mundo. Apesar de já existirem políticas governamentais de apoio à educação florestal, muitos educadores ainda se deparam com obstáculos como turmas com demasiados alunos, falta de laboratórios e de condições para desenvolver aulas de campo.

Os formadores e estudantes de áreas técnicas e profissionais também identificaram carências na abordagem de temas socioeconómicos associados à educação florestal. Por exemplo, as relações entre as florestas e a saúde humana não são assuntos abordados e, mesmo na América do Norte, questões relacionadas com a gestão florestal, em zonas rurais e urbanas, são pouco exploradas. Contudo, na generalidade, conceitos como silvicultura ou gestão e planeamento florestal estão entre os mais focados.

O estudo aponta ainda que será necessário formar cada vez mais profissionais especializados em gestão florestal urbana. Enfatiza, em paralelo, a importância crescente das competências digitais neste ramo.

As oportunidades de emprego na área florestal são limitadas na generalidade, mas variam de país para país. As condições laborais também não são particularmente atrativas em grande parte do mundo. Apesar de se considerarem moderadamente preparados para entrarem no mercado laboral, os estudantes com formação técnico-profissional são pouco valorizados, apresentando um nível de reconhecimento inferior àqueles que seguem estudos universitários.

No ensino universitário foram igualmente detetadas algumas falhas, nomeadamente na falta de relevância dada às questões sociais. Apesar de muitos temas associados à educação florestal serem mais explorados do que há alguns anos, há margem para melhorias: o nível de competências genéricas evoluiu, mas ainda é insuficiente.

Para o mercado de trabalho, experiências em regime part-time ou em estágios revelam-se vitais como oportunidades de aprendizagem. Contudo, estas experiências práticas são frequentemente inexistentes ou escassas. Esta é, aliás, indicada como uma das descobertas mais relevantes deste estudo. Talvez por isso, os estudantes se consideram (apenas) moderadamente preparados para desempenharem funções profissionais após a licenciatura.

Tanto a presente análise como estudos anteriores revelaram também problemas de igualdade de género e étnica entre os estudantes universitários de cursos florestais. Estas descriminações surgem, consequentemente, no mercado de trabalho: mulheres e minorias confessam-se hesitantes em prosseguir estudos associados à área florestal e, globalmente, verifica-se que o género é um fator mais determinante na contratação de profissionais do que a etnia.

Tal como nas licenciaturas, também nos mestrados e doutoramentos os temas que incidem nos recursos florestais, na conservação e ecologia, no planeamento e na gestão são mais abordados do que as questões sociais e culturais.

Relativamente às recomendações para o ensino superior, elas incidem também sobre as ferramentas digitais, aconselhando-se a aplicação e domínio de tecnologias como a realidade aumentada e a inteligência artificial.

Após a análise dos resultados obtidos nos inquéritos conduzidos em cada região, e tendo em conta a opinião de especialistas, formularam-se recomendações para fortalecer a educação florestal a nível global. São três as categorias em que incidem: conteúdos e materiais educativos; abordagens no ensino e na aprendizagem; dimensão social.

Conteúdos mais abrangentes e materiais educativos mais acessíveis

A educação florestal precisa de espaço próprio no ensino, desde os níveis base e com recursos acessíveis e atrativos, pelo que se recomenda:

  • Incorporar mais temas associados às florestas nos currículos dos ensinos básico e secundário. Devem focar-se em áreas insuficientemente exploradas, nomeadamente relações com fatores sociais e culturais.
  • Considerar a implementação de uma ferramenta global para desenvolver os currículos nacionais, como um Forest Education Global Core Curriculum (FEGCO), que promova o trabalho prático e o debate a nível mundial.
  • Fornecer materiais educativos relativos às florestas para todos os níveis de ensino, de acesso fácil e sem fins comerciais – baratos ou gratuitos. Facultar também conteúdos comerciais a preços acessíveis, criados por editoras educativas ou associações públicas. Estas são oportunidades de negócio a destacar para motivar os criadores de conteúdos.
  • Criar plataformas de disponibilização e partilha de conteúdos florestais.

Novas abordagens no ensino e na aprendizagem, mais práticas e digitais

A evolução da sociedade contemporânea exige uma transformação das estratégias tradicionais utilizadas no ensino e na aprendizagem, nomeadamente:

  • Apoiar o ensino com ferramentas educativas digitais, nos níveis básico e secundário. A tecnologia pode mesmo, em alguns casos, ser um bom substituto das aulas de campo. Na formação técnica e vocacional e no ensino universitário, o essencial será incutir nos estudantes competências para o uso de meios digitais que aumentem a sua empregabilidade.
  • Facultar aulas de campo nas florestas para todos os níveis de escolaridade. Trata-se, afinal, do ambiente de aprendizagem mais eficaz.
  • Melhorar a formação de professores relativamente a tópicos florestais e a competências digitais, nos ensinos básico e secundário. Nos ensinos técnico e universitário, o foco deve estar no reforço das competências pedagógicas dos educadores. Redes sociais que promovam a interação entre educadores de vários pontos do mundo, semelhantes ao LinkedIn, podem revelar-se úteis.
  • Criar oportunidades de estágio e de trabalho em regime part-time, na área florestal, é vital para os estudantes adquirirem experiência prática. Além disso, é fulcral promover atividades para a juventude, como excursões, workshops e outros programas ao ar livre.

Foco na dimensão social

Na dimensão social, as carências identificadas conduziram à ideia de que é necessário, entre outras medidas:

    • Promover o debate sobre os desafios da educação florestal entre professores, estudantes e profissionais do ramo, dentro e fora das instituições de ensino.
    • Desenvolver investigação na área da educação florestal, tal como ocorre na gestão de florestas, para encontrar soluções baseadas na ciência que melhorem os conteúdos lecionados, os materiais educativos, as estratégias pedagógicas e didáticas, os níveis de interesse e de empregabilidade na área.
    • Criar aplicações digitais educativas e inovadoras que permitam a partilha de conhecimentos entre especialistas e cidadãos, aumentando a consciência social sobre a necessidade de preservar e valorizar os recursos florestais. Estas aplicações constituem oportunidades de aprendizagem para aqueles que não têm a oportunidade de prosseguir estudos formais e viabilizam uma educação florestal contínua ao longo da vida.
    • Formar os líderes políticos e os responsáveis pela tomada de decisão relativamente às questões e políticas florestais, para compreenderem a importância e os princípios de uma gestão sustentável.

O relatório sublinha ainda o papel determinante dos governos e das instituições educativas na concretização destas medidas. Os governos devem desenvolver planos e estratégias aplicáveis aos diversos níveis de escolaridade, facilitando o alcance dos ODS.

Os seus programas políticos devem, pois, encorajar as escolas a desenvolverem aulas de campo nas florestas. Compete-lhes, ainda, criar incentivos para que as empresas privadas colaborem com os programas de educação florestal e ofereçam oportunidades de estágio e de trabalho a estudantes da área. As empresas podem ainda partilhar feedback relativamente às competências que consideram cruciais no mundo laboral e que identificam como lacunas ou fragilidades na formação dos jovens. Devem também fomentar os projetos de investigação no seu património florestal.

Por sua vez, as instituições educativas são convocadas a reformularem os seus currículos, garantindo que os alunos dos ensinos básico e secundário compreendem a importância ambiental, social e económica das florestas, assim como as oportunidades de carreira nesse ramo. Devem também focar-se no ensino prático, nas aulas de campo, em contacto direto com as florestas e as árvores. Os professores precisam de receber formação adequada na área da educação florestal, garantindo um ensino de qualidade, e devem estabelecer redes de contacto e partilha com outros profissionais.

Nos ensinos técnico, profissional e universitário é necessário tirar partido das potencialidades das novas tecnologias aplicadas ao sector florestal. A ligação entre estas instituições e os empregadores é essencial, facilitando a entrada dos estudantes no mercado de trabalho e proporcionando-lhes oportunidades – estágios, por exemplo – para adquirirem experiência prática.

Em suma, é fulcral reconhecer o valor da floresta: não só ambiental, mas também económico e social, e adotar soluções inclusivas e relevantes no âmbito local. Todos os elementos da sociedade podem e devem estar envolvidos neste processo de melhoria, promovendo a aproximação entre as pessoas e a natureza, e caminhando para a gestão sustentável das florestas mundiais.

O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.


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