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Novas tecnologias, um “campus” e paz com os bombeiros. O que está a mudar na Proteção Civil

Quatro anos depois da tragédia dos incêndios de 2017, a Autoridade de Proteção Civil está quase recomposta. No último ano, com o novo presidente, a dimensão tecnológica e do conhecimento tem assumido um papel preponderante no apoio às decisões operacionais.

A frugalidade do espaço, uma pequena divisão com secretárias e cadeiras simples separada por um vidro de onde se vê a grande sala de comando de operações, contrasta com a dimensão do trabalho vital que ali se faz. Entrámos no coração da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) de onde flui para o terreno, como sangue por artérias e veias, informação, análises e conhecimento, pela primeira vez mostrado e explicado aos jornalistas pela voz do seu presidente, Brigadeiro General Duarte da Costa, no cargo desde 24 de novembro de 2020.

A dezena de ecrãs que forram a parte superior de duas das paredes do designado Núcleo de Apoio à Decisão e Análise de Incêndios Rurais (NADAIR) são como janelas que, em tempo real, nos mostram a área florestal através das câmaras instaladas nas torres de vigia, todo um histórico de incêndios, a intensidade dos mesmos, a energia libertada, a matéria combustível conhecida, as condições meteorológicas, os meios de combate disponíveis mais próximos, mas também uma completa radiografia sobre o número de residentes, atividades económicas, infraestruturas, como escolas, hospitais, pontos de água – que como camadas vão sendo puxados pelos analistas sempre que é necessário.

Em momentos críticos toda a informação é essencial para a tomada de decisão e esta é disponibilizada para o terreno numa fração de segundos. Premiado internacionalmente (Special Achievement in Geographic Information System da multinacional norte-americana Environmental Systems Research Institute, uma das maiores do mundo) este “instrumento tecnológico” tem o nome de “FEB Monitorização”.

FEB de “Força Especial de Bombeiros” que tem algumas das suas melhores cabeças nesta sala com vista para todo o país, onde no verão passado, na fase mais crítica dos incêndios, passaram também a ter em permanência um piro-meteorologista do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (estuda a influência do clima e das condições atmosféricas no comportamento dos incêndios florestais) e um investigador do Instituto Superior de Agronomia.

“Quando aqui cheguei em 2018, o controlo das operações era feito por cartas e rádio”, assinala Duarte da Costa que nesse ano assumiu funções de Comandante Nacional Operacional. O seu sucessor, André Fernandes acena e sorri, admitindo a sorte que tem de ter esta ferramenta a funcionar. “Aqui temos uma espécie de visão a 360 graus. Acompanhamos toda a situação para que não falte nada a quem está no terreno”, afiança.
O FEB Monitorização é uma ferramenta tecnológica que pode mostrar informação sobre o histórico de incêndios

O FEB Monitorização é uma ferramenta tecnológica que pode mostrar informação sobre o histórico de incêndios, a intensidade dos mesmos, a matéria combustível conhecida, as condições meteorológicas, os meios de combate disponíveis mais próximos, mas também uma completa radiografia sobre o número de residentes, atividades económicas, infraestruturas, como escolas, hospitais, pontos de água – que como camadas vão sendo puxados pelos analistas sempre que é necessário.

André Fernandes, 41 anos, é formado em geografia pela Faculdade de Letras de Lisboa e tem um vasto curriculum nos bombeiros e formação em proteção civil. Ali na sala, meio tímidos com a invulgar invasão de estranhos, estão Alexandre Penha, 44 anos, o braço direito de Fernandes, responsável pela coordenação destes sistemas de apoio à decisão e gestão de ocorrências; Carlos Mota, 37 anos, licenciado em Ciências do Ambiente, chefe da “Célula Operacional de Apoio à Decisão” do comando nacional, analista de incêndios e fogo controlado; e João Santos, 50 anos, o chefe de equipa do “Grupo de Análise e Uso de Fogo”, especialista na área do fogo controlado e pós-graduado em Sistemas de Informações Geográfica (SIG).

“Em 2020 / 2021 consolidou-se este núcleo. É uma ferramenta feita pela prata da casa, desenvolvida por bombeiros e para bombeiros para uso operacional”, reforça o presidente da ANEPC. Na nota que publicaram na sua página oficial a propósito do prémio, os norte-americanos sublinharam que o FEB Monitorização “promove a inovação e o desenvolvimento de ferramentas que contribuem para melhorar a eficácia e eficiência da ação dos elementos da proteção civil nacional”, realçando que se trata de “um exemplo notável da contribuição do SIG para a eficácia da ação, eficiência e economia”.

Apoio à decisão com conhecimento especializado

A importância desta nova tecnologia e a presença de peritos na ANEPC foi bastante vincada, ainda recentemente, no julgamento para determinar eventuais responsabilidades nos incêndios de Pedrógão Grande, onde um dos técnicos que assinou o relatório da Comissão Técnica Independente (CTI), que avaliou os fogos de junho de 2017, afirmou que Portugal não tinha técnicos especializados de apoio à decisão.

Paulo Fernandes, adiantou ao coletivo de juízes do Tribunal de Leiria que para haver antecipação no combate ao incêndio é necessário “um conhecimento especializado”, que virá “de cima para baixo e quem recebe a informação cumpre-a”.

No entanto, à data do incêndio de Pedrógão Grande, “Portugal não tinha um único técnico especializado para apoio à decisão”. “Aquilo que um comandante de bombeiros pode fazer localmente depende muito dos meios que tem e esse tipo de conhecimento [especializado] não se espera que um comandante local tenha. Há pessoas especializadas em incêndios, que depois traduzem essa informação”, reforçou.

A equipa do NADAIR produz diariamente uma “Análise Estratégica Operacional” a qual, desde este ano, pode ser consultada online e é difundida por várias entidades. Esta avaliação percorre todas as zonas do país, analisando as variações meteorológicas (temperatura, vento, humidade), o comportamento do fogo nos anos anteriores (intensidade, progressão no terreno, etc.).

Com esta informação a ANEPC pode fazer uma coisa que se tem revelado determinante para a deteção e eliminação dos incêndios mais rapidamente (ou também no caso de potenciais inundações quando estão previstas chuvas fortes) que é o pré-posicionamento de meios no terreno.

Esta movimentação de peças no xadrez do território passou a ser apoiada este ano com outra nova ferramenta tecnológica que são os drones – não nenhum dos 12 que a Força Aérea Portuguesa adquiriu para apoiar a vigilância florestal, mas próprios da ANEPC.

“Ativou-se a equipa da Força Especial de Proteção Civil (FEPC) que opera quatro drones de reconhecimento operacional, que permitem localmente e por decisão da ANEPC pré-posicionar os meios em áreas de previsíveis maiores riscos de incêndio rural e operá-los em apoio à decisão operacional para incêndios em desenvolvimento”, explica Duarte da Costa.

Informação a salvar vidas

É também produzida a “informação operacional”, na qual se definem as prioridades, as recomendações de segurança aos comandantes locais e a análise operacional do incêndio que está a decorrer. É este o apoio à decisão operacional na prática.

“Os comandantes têm sempre a última palavra, mas podem tomar as suas decisões com base na informação disponível. Sempre na lógica do aconselhamento, não da imposição”, sublinha André Fernandes.

“Toda esta inovação vai ter reflexo no futuro. O histórico dos incêndios […]

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