Publicado em: 18 de Fevereiro, 2025
Publicado na revista científica Fire Ecology, este estudo analisa as variáveis associadas à ocorrência de incêndios florestais no Grande Vale do Côa no período 2001-2020. Este estudo fornece mais informações sobre a história do fogo e os fatores de risco, demonstrando que os esforços para reduzir o risco de incêndios florestais catastróficos nas regiões mediterrânicas podem beneficiar de uma abordagem mais holística da gestão da paisagem que tenha em conta vários fatores ecológicos, socioeconómicos e climáticos. O rewilding pode ter um papel fundamental a desempenhar nessa abordagem.
Incêndios florestais a aumentar
Em muitas paisagens, os incêndios florestais que ocorrem naturalmente podem apoiar a biodiversidade, regular o fluxo de nutrientes e manter os habitats. No entanto, as alterações climáticas estão a aumentar a incidência de incêndios florestais catastróficos, que podem ter um impacto devastador na vida selvagem, na propriedade e nas pessoas.
O aumento das temperaturas e os períodos de seca mais longos e mais intensos significam que esses incêndios estão a acontecer com maior frequência, rapidez e intensidade, e durante mais tempo. Muitos locais na Europa estão em risco, em especial as regiões mediterrânicas. Em 2023, por exemplo, ardeu na UE uma área com cerca de duas vezes o tamanho do Luxemburgo, o que corresponde a mais de meio milhão de hectares.
Os fatores climáticos são apenas uma das razões pelas quais o risco de incêndios florestais catastróficos nas regiões mediterrânicas está a aumentar. Muitas destas regiões registaram durante muitos anos um abandono rural e de terras crescente. À medida que as pessoas foram abandonando as suas terras, o número de animais em pastoreio foi diminuindo. Com a diversidade e a abundância de herbívoros selvagens em liberdade, como o veado e a cabra-montesa, anormalmente baixas ou ausentes em muitas zonas, a falta de qualquer tipo de pastoreio significa que as paisagens estão cada vez mais cobertas por florestas jovens, frequentemente monótonas, ou por matos densos. A proliferação desta vegetação inflamável, associada à plantação de pinheiros e eucaliptos, torna estas paisagens cada vez mais susceptíveis a incêndios florestais.
O fator humano
Este novo estudo revela que apenas 2% dos incêndios na região do Grande Vale do Côa têm origem natural. Dos 89% de incêndios na região do Grande Vale do Côa provocados pelo homem, dois terços são causados por negligência, que incluem as queimadas de pastagens, bem como a queima de restos de culturas ou o trabalho com máquinas em dias quentes e sem autorização. A queimada pastoril é uma técnica historicamente utilizada no vale para limpar o terreno e fertilizá-lo para o pastoreio de ovelhas e cabras. Os autores deste estudo verificaram que as zonas onde as ovelhas eram pastoreadas com maior densidade eram mais susceptíveis de arder do que as outras zonas, o que pode estar ligado a esta prática, que continua atualmente. Pelo contrário, as zonas de pastoreio de gado bovino não são susceptíveis de arder com mais frequência, uma vez que as queimadas pastoris não são utilizadas nestes casos.
Os investigadores concluíram também que, em 20 anos, 78% das áreas arderam duas vezes e que, em algumas áreas, a frequência média de grandes incêndios no Grande Vale do Côa é de seis em seis anos. Se os fogos acontecem com demasiada frequência – o que é um problema em muitas zonas de Portugal – o ecossistema não tem tempo para se regenerar e evoluir para uma paisagem mais madura, onde os arbustos propensos ao fogo são o tipo de vegetação mais dominante. Esta situação pode efetivamente prender a paisagem num ciclo de incêndios sem fim.
A importância de gerir o pastoreio, das áreas protegidas e do rewilding
O pastoreio por animais domésticos tem sido apresentado como uma forma de reduzir o risco de incêndio, sendo apoiado como tal por subsídios tanto em Portugal como por toda a Europa. No entanto, os resultados do estudo demonstram que, com a realidade espacial e temporal analisada, a densidade do gado não está associada a um menor risco de incêndio. Isto porque a eficácia das práticas de pastoreio na prevenção de incêndios florestais é altamente influenciada pela forma como o gado é gerido. Quando o pastoreio imita a dinâmica natural, com uma diversidade de espécies de herbívoros a pastar em grandes áreas e a consumir não só prados, mas também material lenhoso, tem um impacto mais positivo na prevenção de incêndios. Os sistemas de criação de gado em pequenas parcelas sustentadas regularmente com alimentação suplementar têm um impacto mais limitado. Esta diferença sublinha os benefícios ecológicos únicos do rewilding e o papel dos herbívoros selvagens e semisselvagens na criação de paisagens mais resistentes ao fogo.
A equipa de investigação também descobriu que havia uma probabilidade 15% menor de deflagração de incêndios em áreas protegidas, incluindo Parques Naturais e áreas protegidas privadas, como as áreas rewilding geridas pela Rewilding Portugal. Este facto pode estar relacionado com a redução do acesso público e com as restrições ao uso do solo, bem como com a vigilância por parte dos vigilantes da Rewilding Portugal nas áreas que estão a ser renaturalizadas.
Uma abordagem integrada
No futuro, as alterações climáticas em curso significam que o risco de incêndios florestais de grande dimensão nas regiões mediterrânicas irá quase de certeza aumentar – particularmente em terrenos rurais abandonados.
O estudo indica que o pastoreio por gado domesticado – por si só – pode não ser uma solução eficaz, dependendo da forma como o gado é gerido na região. Para reduzir o número de ignições e o risco de incêndio, é fundamental uma abordagem mais holística da gestão da paisagem, que aborde as causas sociais dos incêndios florestais e a gestão dos solos. As zonas protegidas e as soluções de base natural para a gestão dos solos podem desempenhar um papel nesta redução. A educação, o aumento da consciencialização do público e a restrição do acesso a áreas propensas a incêndios durante a época de incêndios também podem ser ferramentas importantes para reduzir o risco de incêndios em áreas rurais.
No Grande Vale do Côa, a equipa da Rewilding Portugal está a abordar a dimensão social dos incêndios florestais através da renaturalização de terrenos marginais e da promoção de atividades sociais e económicas nessa base. Temos também contratado pessoas locais para ajudar na vigilância dos incêndios, reconhecendo também o papel dos pastores que trabalham nas terras adjacentes às áreas rewilding como eficientes gestores e guardiões da terra.
O artigo foi publicado originalmente em Gazeta Rural.