frutos secos

Nozes: um manjar de deuses e reis

As nozes fazem parte da alimentação humana há milhares de anos, embora não se saiba ao certo quando se terá descoberto que as sementes da nogueira, escondidas dentro de uma casca rija, eram nutritivas, deliciosas e suavemente crocantes: dignas do manjar de deuses e reis.

Presença comum nas mesas de Natal, são um par tradicional de outros alimentos como o figo, o queijo, o chocolate ou o mel. Falamos das nozes, uma semente que conhecemos como fruto e que saboreamos ao natural, na doçaria, em cremes de barrar, snacks e barritas, gelados, iogurtes, temperos e que até podemos beber em leites e licores.

Se esta versatilidade é relativamente recente, a descoberta de que as sementes da nogueira eram, em simultâneo, um energético e delicioso fruto terá milénios. Os primeiros indícios de utilização das nozes foram descobertos nas escavações da gruta de Shanidar, no noroeste iraquiano e sugerem que este fruto poderia já fazer parte da dieta dos Neandertais, há possivelmente mais de 40 mil anos.

As primeiras nogueiras terão sido plantadas muito depois, embora também em tempos remotos: pensa-se que a plantação tenha começado há cerca de oito mil anos, na Grécia Antiga. A escolha das melhores e maiores sementes para plantar novas árvores terá sido replicada por várias culturas da Antiguidade, em locais que vão desde o Médio Oriente à Ásia Central e Europa Mediterrânica, locais onde a nogueira comum e os seus frutos se tornaram muito valorizados e plenos de simbolismo.

Na antiga Pérsia, as nozes eram um prazer gastronómico reservado à realeza, conhecidas como “nozes reais”, e pensa-se que a nogueira tenha sido uma das árvores plantadas nos Jardins Suspensos da Babilónia, refere a obra “World edible nuts economy”. O nome científico da nogueira que temos na Europa, Juglans regia, confirma esta valorização, associando as nozes a Júpiter, o rei dos deuses na mitologia Romana.

As referências da Antiguidade somam-se ao longo de vários milénios, não apenas pela valorização alimentar das nozes, mas também pelo seu significado simbólico, frequentemente relacionado com a fertilidade. Por exemplo, no Império Romano, a noz estava também associada a Juno, mulher de Júpiter e deusa das mulheres e do casamento. Já então era “atirada” aos noivos após o casamento, da mesma forma que se atira hoje arroz, como estímulo à fertilidade. Para os Gregos, as nozes teriam ligação ao deus Dionísio e ao mito de Carya, “princesa” por ele desejada que, após a morte, foi tornada nogueira por Dionísio, para eternizar a sua memória.

Ainda hoje, na província francesa de Poitou, é tradição que, após o casamento, os noivos dancem à volta de uma grande nogueira que existe no centro da vila, ritual também associado à fertilidade, pois diz-se que a mulher terá mais leite aquando da amamentação.Pensa-se que a Juglans regia pode ser originária de partes do Mediterrâneo e da Ásia, com vestígios milenares descobertos no Irão e em França. Em Portugal é considerada uma exótica bem-adaptada. Conheça mais aqui sobre a espécie.

Nozes e nogueiras: dos pigmentos à medicina tradicional

A par da valorização ancestral das nozes na alimentação, muitas outras aplicações das várias partes da árvore e do fruto foram descobertas. Uma das menos óbvias foi a criação de um corante natural.

Quando se mói a casca da noz (e também a casca da nogueira), o pó que dela resulta é um pigmento acastanhado que, após preparado, pode ser usado para colorir tecidos e mesmo para aplicar como maquilhagem na pele e nos cabelos. Já os Persas o utilizavam na coloração das lãs com que teciam os seus tapetes e hoje estas aplicações ganham novo interesse, com a procura crescente de pigmentos naturais menos nocivos (menos tóxicos e alergénicos, por exemplo) do que as tintas sintéticas.

Tão ou mais antigas são as aplicações medicinais das folhas da nogueira (ao natural e em infusões). Em muitas culturas europeias e asiáticas, têm sido tradicionalmente usadas para ajudar a tratar diferentes inflamações e distúrbios da pele, como queimaduras superficiais e eczema, descamação do couro cabeludo e transpiração excessiva. Algumas destas tradições ainda se mantêm e em 2011 a Agência Europeia do Medicamento confirmou a segurança da terapêutica de aplicações tradicionais à base de folhas para duas finalidades: inflamações superficiais da pele e excessiva perspiração de pés e mãos.

Em diferentes culturas, há distintas aplicações medicinais tradicionais das nozes e da nogueira. Por exemplo, na Península ibérica conhece-se o uso das folhas como elixir antisséptico bocal/dental e da faringe; na Turquia, as folhas frescas eram aplicadas na testa para aliviar a febre e nas articulações para reduzir a dor reumática; e na Palestina as infusões com folhas são conhecidas no tratamento da diabetes e das doenças cardíacas, assim como na melhoria da saúde vascular e da próstata em idosos.

O óleo das nozes é outra das suas utilizações de longa data. Em tempos foi usado na iluminação pública, mas as suas aplicações na saúde, cosmética, higiene e alimentação reforçam hoje as suas virtudes. Ingrediente de sabões e cremes na cosmética artesanal, o óleo de noz pode ser aplicado na pele, como hidratante, e o facto de ser rico em ómega-3 torna-o reconhecido para a redução das inflamações cutâneas, como o eczema.

Pela mesma riqueza é considerado um dos óleos alimentares mais saudáveis. Embora não seja comum em Portugal, é aconselhado especialmente para temperos. O óleo prensado a frio, técnica que permite a estabilidade e preservação dos ácidos gordos, é o mais aconselhado e desta prensagem resulta ainda mais um produto: uma farinha seca, conhecida como “torta”, utilizada na panificação e pastelaria, revela o CNCFS – Centro Nacional de Competências dos Frutos Secos.Da nogueira, utiliza-se quase tudo: na carpintaria, a casca é ainda usada como espessante de tintas ou ingredientes para polir, e na cosmética, pode ser adicionada a sabonetes, como elemento esfoliante; as folhas, com propriedades antisséticas e absorventes, são utilizadas igualmente em produtos de cosmética; e a madeira, de grande qualidade e beleza, muito resistente e com veias escuras, é facilmente trabalhada e tornou-se numa das nobres escolhas para o mobiliário e peças decorativas no período de transição entre o renascimento e o barroco.

Seis nozes ao dia: alto valor biológico na medida certa
Com uma elevada quantidade de lípidos, que correspondem a cerca de 60% do conteúdo do miolo, as nozes sobressaem pela qualidade das gorduras que proporcionam, ou seja, pelos ácidos gordos insaturados, como o ómega-3 e ómega-6. Com um teor de proteína que ronda os 13%, fornecem também aminoácidos essenciais, como a arginina, que tem sido destacada pelo seu papel na prevenção de doenças vasculares e regulação do colesterol.

Em paralelo, a Associação Portuguesa de Nutrição destaca as nozes como fonte de fibras, de vitaminas, nomeadamente vitamina E (lipossolúvel e antioxidante) e do complexo B (entre as quais B6, que contribui para a renovação celular e o bom funcionamento do sistema imunitário), assim como de minerais, onde se inclui magnésio e fósforo.

Para desfrutar dos benefícios deste alimento de alto valor biológico, a porção diária recomendada pela Associação Portuguesa de Nutrição é de 30 gramas (para este e outros frutos oleaginosos), o que equivale a cerca de seis nozes.

Como todos os alimentos, as nozes devem ser consumidas com moderação, e neste caso é preciso compreender que o excesso equivale a consumir mais calorias do que as necessitamos, uma vez que as nozes têm alto valor energético: 100 gramas equivalem a cerca de 650 calorias. Não esquecer que se aconselham entre 1800 e 2500 calorias por dia, para adultos saudáveis.

Um estudo de setembro de 2022, da Universidade do Minnesota, sugere que incluir este fruto seco na dieta não só traz como benefício um menor ganho de peso como melhora saúde cardíaca. Segundo o mesmo trabalho, as nozes promovem também outros benefícios: melhoram a saúde óssea, reduzem a inflamação e o risco de doenças da bexiga, por exemplo.

Como partir nozes? Conheça a dica

Coloque-as numa taça e cubra-as com água a ferver, garantindo que ficam bem submersas. Cubra depois a taça com papel de alumínio e um pano de cozinha e aguarde cinco horas. Após este tempo de pausa, as nozes serão mais facilmente abertas com a ajuda de um quebra-nozes, soltando-se facilmente a película amarga que envolve o fruto dentro da casca, chamada sarcocárpio, que, na verdade, é a “capa” que previne a oxidação da noz.Um estudo de setembro de 2022, da Universidade do Minnesota, sugere que incluir este fruto seco na dieta não só traz como benefício um menor ganho de peso como melhora saúde cardíaca. Segundo o mesmo trabalho, as nozes promovem também outros benefícios: melhoram a saúde óssea, reduzem a inflamação e o risco de doenças da bexiga, por exemplo.

Uma presença tradicional do Pão-por-Deus ao Natal

As nozes são apreciadas em dezenas de receitas por todo o território português, em especial na doçaria, onde são aplicadas inteiras, aos pedaços ou moídas em receitas como o bolo de mel da Madeira, os Camafeus da Ilha Terceira, ou as broas de Avintes.

Como a apanha da noz acontece no outono (após a maturação, entre agosto e outubro), esta estação e o início do inverno eram habitualmente as alturas de maior abundância das nozes. Elas tornaram-se, por isso, uma presença comum nos doces da época, incluindo nos Bolinhos e Broas dos Santos, que se fazem e oferecem dia 1 de Novembro, Dia de Todos os Santos, para cumprir a tradição do Pão-por-Deus, e no Bolo-Rei e Bolo-Rainha, tão típicos das mesas do Natal português.

Inspire-se neste fruto nobre e leve-o também à sua mesa, ao natural ou em três receitas doces que fazem perdurar tradições e sabores dignos do manjar de deuses e reis: Bolo-Rei, Bolo de Noz e Biscoitos de noz e canela.

O artigo foi publicado originalmente em Florestas.pt.


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