Em entrevista ao ECO em Bruxelas, o cabeça de lista do CDS ao Parlamento Europeu exclui qualquer acordo com “este PS”. Para as europeias, Nuno Melo quer eleger, pelo menos, dois deputados.
Garante que o CDS nunca viabilizará um Governo de António Costa, nem fará acordos com o atual PS, ao invés do PSD de Rui Rio. Em entrevista ao ECO, Nuno Melo, vice-presidente do partido, acusa o Executivo de António Costa de falhar em várias frentes e de “publicidade enganosa”. O cabeça de lista do CDS ao Parlamento Europeu quer eleger pelos menos dois eurodeputados e promete fazer campanha contra a criação de impostos europeus, assim como o fim da regra da unanimidade no Conselho.
Quais vão ser os temas da campanha do CDS para as eleições europeias?
A frase do nosso cartaz de pré-campanha ilustra muito daquilo que pretendemos ser nestas eleições para o Parlamento Europeu: “Portugal. A Europa é aqui”. Queremos ter como temas de campanha tudo o que, do ponto de vista europeu, é importante para Portugal. Não queremos ser como o PS, ou como o dr. António Costa, que disse recentemente que o PS é o partido que melhor representa os interesses europeus em Portugal. Ora, nós pensamos exatamente pela ordem inversa: queremos ser os que melhor representam os interesses de Portugal em Bruxelas. Teremos em conta uma agenda interna com uma ligação europeia e os temas clássicos europeus.
Por exemplo?
O Brexit, com as consequências que nos afetam. Mas também o caso do terrorismo, como uma realidade de que a UE ainda não se libertou. Os casos dos fluxos migratórios e da crise dos refugiados, a ascensão dos nacionalismos e dos extremismos de direita e de esquerda, as questões das fronteiras e de macropolítica relacionadas com os Estados Unidos, Brasil e China num contexto em que a UE deve ter uma voz. Também as regras da unanimidade [na tomada de decisões no Conselho] que são fundamentais e têm de prevalecer.
E depois, há todos os outros temas relacionados com Portugal: as infraestruturas e o desaproveitamento dos fundos comunitários, o estado miserável dos serviços públicos.
Demarca-se do federalismo europeu. Este é um dos pontos em que o CDS vai insistir para marcar a diferença com PS e PSD?
Esta é uma marca nossa de quase sempre. O CDS sempre foi profundamente europeísta e defendeu a adesão à CEE desde 1974, na declaração de princípios. Mas o CDS não é federalista. Fiz a campanha de 2009, assumindo esse não federalismo numa lógica que mantive em 2014, diferenciando-me de Paulo Rangel que é federalista. Mas assumindo, um e outro, uma candidatura conjunta porque realmente assim era, e porque, no PPE, gravitam diferentes perspetivas em relação à integração europeia. E agora, em 2019, também. Estamos onde sempre estivemos.
O objetivo é eleger quantos eurodeputados?
O objetivo é, no mínimo, o que conseguimos em 2009: dois deputados. Tendo em conta que, dois deputados em 2009, implicava menos votos porque Portugal elegia mais eurodeputados nessa altura. Para eleger dois deputados em 2019 precisamos de mais votos. Portanto, um bom resultado é conseguir igual ou melhor do que em 2009 em mandatos.
Um bom resultado é conseguir igual ou melhor do que em 2009 em mandatos.
Em 2014 concorreu como número dois da lista ‘Aliança Portugal’ liderada por Paulo Rangel. Mas agora vão em listas separadas. Paulo Rangel é seu adversário…
É meu adversário e meu amigo. Uma pessoa que respeito.
Mas concorreram na mesma lista.
Estivemos na mesma lista defendendo a propósito do federalismo/não-federalismo, posições opostas em 2014 de forma cristalina, para que não houvesse dúvidas. Questionado várias vezes sobre esta questão em 2014, assumi sempre o não-federalismo num contexto do PPE onde existem ambas as correntes. Em 2014, havia circunstâncias que aconselhavam que os partidos concorressem juntos. Estávamos intervencionados pela troika, os dois partidos estavam juntos no Governo e, PSD e CDS iam ser avaliados nas europeias pela sua governação. Seria estranho que não fossem coligados.
Entretanto, tudo se alterou. Hoje vivemos tempos de uma “geringonça” e isso faz com que, do ponto de vista do futuro, os dois partidos tenham visões diferentes. Por exemplo, o PSD admite, ainda que em tese, a possibilidade de acertos com o PS, designadamente após eleições legislativas. O CDS afirma e garante claramente que nenhum voto no CDS servirá para validar um Governo do dr. António Costa. Faz hoje claramente muito mais sentido que nos candidatemos separadamente. Não invalida a estima que tenho pelo Paulo Rangel nem o facto de concordar com ele em muitas coisas. Não invalida o CDS ter divergências em certas matérias.
Essa maior proximidade da atual liderança do PSD ao PS pode ser uma vantagem para o CDS nestas eleições?
Não sei se é uma vantagem. É uma opção do PSD que não é a nossa. O CDS é um partido com vocação de poder, com linhas ideológicas e programáticas próprias.
Acho importante os partidos assumirem ao que vão e quais os seus propósitos. Deste ponto de vista, é positivo que, no PSD, se admita a possibilidade de entendimentos em algumas circunstâncias com o PS o que, de resto, já vem acontecendo, quer no processo da descentralização como nos recursos próprios da UE. Acontece que com este PS, o CDS não quer acordos. É cristalino. Não os fez para a descentralização nem para os recursos próprios — dos quais, de resto, discordamos –, nem fará depois das legislativas com o dr. António Costa.
Nós somos oposição a este PS. Achamos que este PS corporiza um mau Governo até pela sua assumida proximidade e acordos com uma extrema esquerda que, para mim, simboliza muito do PREC — e por não ver nisso um problema. Estamos nos antípodas. Com este PS não estamos nem estaremos. Somos claros: o eleitorado saberá que cada voto no CDS não viabilizará o que quer que seja deste PS. Respeitamos que o PSD tenha outra posição mas, enfim, os eleitores avaliarão.
“Nós somos oposição a este PS. (…) Somos claros: o eleitorado saberá que cada voto no CDS não viabilizará o que quer que seja deste PS. Respeitamos que o PSD tenha outra posição mas, enfim, os eleitores avaliarão.”
É contra a criação de qualquer tipo de impostos europeus para reforçar os recursos da UE?
O CDS é absolutamente contrário à possibilidade de criação de uma máquina tributária em Bruxelas que lance e cobre impostos aos cidadãos. A fiscalidade é uma área soberana clássica dos Estados de que nenhum chefe de Governo deveria estar disponível para abdicar.
Mas Portugal não tem interesse em reforçar os recursos da UE?
Portugal tem todo o interesse, não necessita é desta via. Por uma razão óbvia: estamos a falar de uma proposta da Comissão para reforço do orçamento comunitário que previa um aumento da dotação dos países de cerca de 1,1%, a proposta do Parlamento Europeu foi de 1,3% e a proposta do dr. António Costa era de 1,2%. Se se focar na proposta do dr. António Costa, perceberá que isto rondará os 370 milhões de euros. Para que Portugal reforce o orçamento da UE em 370 milhões de euros obviamente que eu não estou disponível — por uma razão conceptual sou contra impostos europeus. E Portugal não deveria estar disponível para permitir a consagração de uma máquina tributária em Bruxelas que o dr. António Costa depois quer forçar através do fim da regra da unanimidade, para permitir que 16 países apenas imponham o que outros não querem.
Só no BPN, o Estado já injetou sete mil milhões de euros. Não me consta que, existindo problemas no setor bancário em vários países da UE, eles se federassem a pedir a criação de impostos europeus para recapitalizar a banca. Só no BPN estávamos a falar de sete mil milhões de euros. Para o orçamento da UE estávamos a falar de 370 milhões. Para se conseguirem 370 milhões de euros, bastará uma melhor gestão do Orçamento do Estado. Bastará que o dr. António Costa não ceda à agenda ideológica da extrema esquerda que custa muito dinheiro a muitos setores. Somos contra impostos europeus.
O Governo tem estado bem nas negociações do orçamento comunitário para 2021-2027?
O Governo tem falhado em várias áreas. Exemplo emblemático é o dos corredores energéticos: com o Governo PSD-CDS e com Rajoy em Espanha, os corredores energéticos que permitissem entre outras coisas aproveitar o Porto do Sines e as plataformas de gás liquefeito, diminuir a dependência do gás da Rússia e exportar para o centro da Europa eram estratégicos e vitais. Ora, há uma semana ficou a saber-se que as autoridades espanholas chumbaram a criação do terceiro corredor de acesso que permitiria que Portugal exportasse este gás. O dr. António Costa dizia que era preciso falar grosso na UE, nem sequer consegue convencer o seu congénere socialista espanhol. E isso é grave.
A mesma coisa em relação aos fundos de coesão. Para Portugal está prevista uma redução de 7% dos fundos de coesão. É inaceitável que, sendo um dos critérios mensurados o impacto do aquecimento global e as suas consequências, Portugal perca 7% enquanto outros países, em muito melhores condições, ganhem 8%. Países com muito maior rendimento per capita na UE como o Luxemburgo não perdem, Portugal perde.
Mas isso é a proposta inicial da Comissão.
É a proposta da Comissão que o Governo defendeu em Portugal. Países que crescem mais do que Portugal, como a Espanha ou a Roménia, veem aumentados os fundos de coesão. Isto é verdadeiramente inaceitável se se considerar até que Portugal tem uma das maiores dívidas do mundo, esteve intervencionado pela troika, teve incêndios terríveis, tem um problema gravíssimo de desertificação do interior e que, de acordo com os estudos, será dos países que mais sofrerá com o impacto do aquecimento global.
Apesar disto tudo, Portugal é um dos países mais prejudicados nos fundos de coesão que servem precisamente para corrigir as assimetrias. Isto é inaceitável. Mas esta proposta da Comissão é a que o Governo português tem defendido.
O Governo não tem estado à altura?
Como não tem estado na Política Agrícola Comum. Portugal é, neste momento, o 25.º país, no critério por hectare, no recebimento dos fundos da UE. É um dos países que mais se atrasa nas apreciação dos projetos e que mais se atrasa na sua execução. O programa VITIS – uma área fundamental para Portugal – devia estar aprovado em outubro de 2018 e ainda não está. O Governo está disponível para aceitar um corte cego de 15% no segundo pilar (nos apoios da PAC). Também na PAC, o Governo não defende o interesse português.
Que balanço faz do primeiro ano de Mário Centeno na presidência do Eurogrupo?
Traduziria o seu desempenho com um exemplo. A propósito do Pacto de Estabilidade, o presidente do Eurogrupo foi claro, dizendo que seria decisivo que Portugal tomasse medidas adicionais para poder cumprir as metas do Programa de Estabilidade. Isto era o presidente do Eurogrupo. Ora, o seu secretário de Estado Mourinho Félix, em resposta, disse que as medidas constantes para 2019 seriam suficientes para garantir o cumprimento das metas.
O que significa que tivemos o ministro Mário Centeno a contradizer o presidente do Eurogrupo Mário Centeno ou, pelo menos, o secretário de Estado do Governo português, a contradizer o presidente do Eurogrupo que é simultaneamente o seu ministro. Demonstrando com este exemplo todo o paradoxo de uma governação e do desempenho de alguém que exerce os dois cargos. Mário Centeno não pode dizer uma coisa enquanto presidente do Eurogrupo que depois não aceita ou, na prática enquanto ministro das Finanças em Portugal. Mas é isto que se vê e não é bom.
Mas houve progressos durante as negociações para a reforma da Zona Euro.
Não sei se houve. Vamos ver: o Governo beneficia de circunstâncias que o governo PSD-CDS não teve. O governo PSD-CDS saneou as contas públicas, extinguiu o ciclo da troika e, a par disso, houve uma melhoria da conjuntura económica e financeira que torna mais fácil governar hoje do que em 2011-2015. Isto parece-me evidente.
Ora, a propósito da Grécia, eu ouvi o presidente do Eurogrupo Mário Centeno defender as vantagens da linha austeritária implacável que permitiu à Grécia uns extraordinários resultados. Quando tudo isso que ele defendeu foi rigorosamente o que António Costa, como líder da oposição até 2015, demonizou. Tanto que, quando o Syriza venceu as eleições, o dr. António Costa dizia que aquele era o caminho que Portugal deveria seguir.
E alguns, como João Galamba — que hoje está ao seu lado no Governo — contestaram e apoucaram [Mário Centeno]. A coerência é uma das maiores virtudes da natureza humana. Essa coerência é difícil de perceber num Governo que tem em diferentes protagonistas todas as posições. Qual é a posição do Governo quando falamos do Eurogrupo ou do euro? É a de João Galamba ou é a de Mário Centeno? É a de Centeno ou de Mourinho Félix? E, já agora, é o que o PS considerava um pecado em 2015 mas que, agora, no Eurogrupo em 2019, acha extraordinário?
A dívida do país é o principal problema que está por resolver?
A nossa dívida é a nosso grande drama. Gostava de sublinhar que durante muitos anos, e sucessivos governos de diferentes partidos, Portugal conseguiu conviver com dívidas próximas dos 60% do PIB. Foi assim até 2011, quando grande parte dos atuais governantes do PS apoiavam o engenheiro Sócrates. E, em 2011, quando entregaram o país para balanço tinham duplicado essa dívida para valores próximos dos 112% do PIB.
Ora, não é a mesma coisa um Governo decidir e implementar as suas políticas tendo uma dívida de 60% do PIB ou ter uma dívida que supera a riqueza toda criada durante um ano. Quem criou as circunstâncias que nos penalizam naquela que é hoje a nossa maior tragédia foram os socialistas, que hoje governam e que, depois se permitem a publicidade enganosa de dizer que devolvem rendimentos às famílias.
Ora, se tivermos em conta o que aconteceu desde a bancarrota em 2011, o programa de austeridade que o PS negociou não devolve sequer migalhas em relação ao que onerou os contribuintes portugueses por via dessa governação desastrosa.
Como avalia a política económica e financeira do Governo?
Como uma oportunidade perdida. Se avaliar governos de esquerda ou de direita — como o de Schröder ou de Aznar — que aproveitaram ciclos de crescimento para fazer as grandes reformas estruturais e assegurar o aforro que, num ciclo seguinte de crise inevitável, lhes permita superar as dificuldades. Este Governo o que tem feito é, perante uma conjuntura mais favorável, gastar tudo pensando em votos e [nas eleições de] 2019. Deixando margem nenhuma para um tempo mais difícil que poderá acontecer.
Não acautelou os interesses do país?
É um Governo que pensa na próxima eleição e não quer saber da próxima geração. Um Governo que gasta tudo no que rende votos desde a redução do horário de trabalho e outras reivindicações — para satisfazer o PCP e o Bloco – mas que, no final, martiriza as nossas contas públicas.
E depois temos o que acontece nos serviços públicos, numa altura em que se paga muito mais impostos. Nos serviços públicos, em tudo o que depende do Estado, gere-se o caos. Da saúde — com o aumento das dívidas a fornecedores, o aumento das listas de espera, a falta de material médico-cirúrgico — aos transportes públicos. Estes são exemplos que contrariam a publicidade enganosa de que o Governo vive. Este Governo é um caso perfeito de publicidade enganosa.