Manuel Cardoso

O ângulo morto do vinho em Portugal

Há quem prefira não o considerar na verdadeira amplitude e há quem o ignore liminarmente. Implícita ou explicitamente, temo-lo referido nos nossos artigos e intervenções, suscitando, sabemo-lo, sorrisos condescendentes dos que se acham sumidades catedráticas destes assuntos. Vimos insistir num momento em que o tema merece mais atenção do que nunca: há que olhar com atenção, muita atenção, para a necessidade de incutir beber-se vinho aos jovens que, atingindo a idade legal de o poderem fazer, normalmente o relegam para um segundo plano (ou para plano nenhum!…) em relação aos shots e às cervejas. Esses jovens são o ângulo morto do não-consumo do vinho em Portugal.

Há muitos estudos e opiniões – referimo-nos aos bons estudos e às boas opiniões – sobre identificação de hábitos e preferências por faixas etárias e sobre o comportamento, atitudes e percepção em relação ao vinho. Cada geração tem os seus valores específicos e um diferente perfil de consumo de álcool. Normalmente despertado numa primeira experiência que fez um clic de prazer e transmitiu confiança, o interesse no consumo ao longo da vida vai evoluindo com a maturidade, e a idade vai modulando gostos e estilos.

Ora, as gerações mais novas, com mais acesso a informação, aderentes a causas, têm sido sucessivamente atingidas por um marketing muito eficaz por parte das cervejas e doutras bebidas, que se oferecem em prêt-à-porter e em todo o lado, quer seja ambiente de trabalho, de lazer, de festa, de viagem ou de comemoração. Se fizermos um círculo nos grupos que, em cada um destes ambientes, estiverem os jovens, veremos que não será vinho o que se encontra nos seus copos. O que não deve ser aceitável por parte das marcas de vinho e de quem nelas toma decisões de marketing. Independentemente dos valores de cada geração, a afirmação do vinho como valor cultural do nosso país e como valor alimentar saudável da dieta mediterrânica deve ser o pano de bandeira na qual se inscrevam os demais argumentos a favor do seu consumo.

As diferenças de gerações têm de ser consideradas no momento de se idealizar o marketing e as campanhas de promoção. No momento de se definir a pedagogia própria para cada público-alvo. Tendo como fio condutor aquele que estabelece uma relação de pertença com o grupo dos que apreciamos, valorizamos e bebemos vinhos. Na mesma equação têm de ser colocadas os vários graus das preocupações com a saúde, com a vontade de menos ou mais álcool, com os problemas legais (as taxas de alcoolémia ao volante, por exemplo), com a argumentação totalitária das campanhas anti-álcool, e, como incógnitas mas calculáveis, toda a vontade de estar associado a um sector amigo do ambiente, que combate o despovoamento e promove o povoamento do interior do país, que pratica uma agricultura anti-incêndios, que conserva a natureza e a biodiversidade, o solo e os recursos hídricos e que mantém a paisagem. Demonstrar que beber vinho não é só uma atitude de prazer, mas de inteligência, de sintonia com a história e a cultura de Portugal. Com a ecologia de Portugal. Em embalagens apelativas para os mais novos e coerentes com estes valores.

Numa determinada fase e numa determinada época, o slogan “Beber vinho é dar de comer a milhões de portugueses” teve sucesso por dar resposta a problemas de renovação dos vinhedos, de colocação de mão de obra, de carências alimentares calóricas graves da população, de fazer circular dinheiro e de necessidade de aumento das nossas exportações. Estamos longe desses tempos de há quase um século, em que urgia dar resposta pronta à crise da nossa Primeira República e à crise mundial de 1929, a Grande Depressão. Mas podemos perfeitamente alinhar argumentos actuais, os de que “Beber vinho é salvar o planeta”. Porque até, é. Poderá ser, se for bebido, sobretudo se o começar a ser pela geração que terá de o salvar, a geração que hoje em dia está num ângulo morto para quem deve promover o consumo de vinho em Portugal!

Nota: os bons estudos e as boas opiniões que acima referimos estão disponíveis na net. Há os da Wine Intelligence e os de universidades e institutos, além de algumas opiniões, excelentes, emitidas nas nossas revistas do sector. É pena que num tema destes, de muitos milhões de euros de valor, haja tantos com opiniões de treinadores de bancada. Compreende-se. Ler e estudar artigos e escrever sobre isso dá trabalho. Tal como dará trabalho penetrar nos segmentos da população que o não faz e que gostaríamos de trazer para o mundo dos consumidores de vinho. A afirmação de que “Beber vinho é salvar o planeta!” não é gratuita (se, em diversas línguas, se colocarem estas palavras num motor de busca na net, o resultado é surpreendente!). É sustentável. Desde logo, porque Portugal é um bom exemplo. E depois, pelos argumentos que estão em muitos desses bons estudos. É lê-los e estudá-los, quem duvide.       

Manuel Cardoso

Consultor e escritor, ex Director Regional de Agricultura e Pescas do Norte, 2011-2018; ex Vice-Presidente do IVV, 2019-2021.

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