Até ao lavar dos cestos é vindima. Assenta que nem uma luva a este ano vitícola no Douro, cujas adegas já receberam uva equivalente a uma produção de 220 mil pipas de vinho.
Já diz o ditado popular. E o sentido é mesmo esse. Por mais dificuldades que os produtores de vinho enfrentem durante o ano, é no lavar dos cestos, com as uvas na adega, que se percebe cabalmente como foi a campanha.
A quebra de produção estimada no início da vindima para a região demarcada do Douro era de 20 por cento. E, segundo dados do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP), a quebra real andará em linha com essa estimativa. Há vários Douros no Douro e diferentes factores (altitude, exposição solar, regime hídrico, regime de viticultura, etc) ditaram diferentes respostas na mesma região ao ano mais seco das últimas duas décadas e ao segundo menos chuvoso desse período. Essa diversidade permitiu afastar o cenário de catástrofe que se previa em Maio, quando praticamente todo país estava já em seca severa. Ainda haverá vindimas durante mais uma semana, mas já é possível afirmar que o pior não aconteceu. No cômputo geral, pelo menos.
“Há 412 centros de vinificação a trabalhar este ano, receberam até terça-feira 168 milhões de quilos de uvas. Se fizéssemos uma conversão de 750 quilos para 550 litros, que é a capacidade de uma pipa, estaríamos a falar de 220 mil pipas [depois da adicção de aguardente, nos vinhos do Porto]”, avançou ao Terroir o presidente do IVDP, Gilberto Igrejas. Número que compara com as 294 mil pipas de produção declarada em 2021 (ano que registou 264 mil pipas de colheita, antes da fortificação).
“Em anos normais” é aquela conversão que é feita pelo IVDP, mas 2022 não foi normal. E nos vários Douros há um que está a sofrer mais no lavar dos cestos. “É possível que na sub-região do Douro Superior, onde as condições climatéricas foram mais adversas para a prática da vitivinicultura, que os 750 quilos [e o rendimento de transformação da uva] não sejam suficientes para produzir os tais 550 litros”, explicou ainda o responsável, ressalvando que o encerramento da vindima no Douro só ocorrerá na próxima semana e que dados fechados só existirão “depois de 30 de Novembro”.
De acordo com um balanço feito esta semana pela Associação para o Desenvolvimento da Viticultura Duriense (ADVID), a sub-região do Baixo Corgo passou mais ou menos incólume. O Cima Corgo sofreu um pouco, nomeadamente com o desenvolvimento deficitário das plantas. E o Douro Superior foi a sub-região que mais alterações registou: menos folhagem, cachos mais leves, mas em maior número por videira, menos produtividade e bagos desidratados ela por ela em relação ao histórico desde 2014.
Muito calor, pouca chuva
O Observatório Vitícola da ADVID recolhe há nove anos, de forma sistematizada, informação em 25 parcelas de referência, com o objectivo de assessorar os seus associados (que representam cerca de 6 mil hectares no total de 44 mil hectares de vinha da região) na tomada de decisões Segunda-feira, durante a conferência “Ano Vitícola 2022: antecipa o futuro?”, uma das iniciativas que assinalam os 40 anos da associação, os seus técnicos fizeram o balanço de um ano que ficará para a história na região.
Comecemos pelo calor e pela precipitação, que tantos pediram e tanto – só faltou dançar. O Pinhão foi a estação meteorológica automática, de entre as que entraram na análise da ADVID, “que registou temperaturas mais elevadas e menos precipitação”, sintetizou Branca Teixeira. “O Cima Corgo foi a sub-região mais quente e mais seca. E desde 2017 que nenhum ano se assemelha ao de 2022, em nenhuma das sub-regiões”.
Este 2022 entrou para o pódio dos três anos mais secos das últimas duas décadas, seguido por 2017 e 2005. Secos, mas não tanto, foram também os anos de 2002, 2009, 2012 e 2015. A ADVID relaciona-os em dois grupos. Os primeiros três com precipitações anuais abaixo dos 400 milímetros e temperaturas médias do ciclo vegetativo entre os 21 e os 21,5 graus centígrados. E os outros com precipitações anuais entre os 400 e os 600 milímetros e temperaturas médias do ciclo vegetativo entre os 20 e os 21 graus centígrados. Em 2005, choveu ligeiramente menos, mas 2022 teve temperaturas mais elevadas, o que faz deste ano “o aluno malcomportado da sala de aula”, como o descreveu o técnico da ADVID Igor Gonçalves. “Não há outro ano igual”.
Noutro fórum, no relatório de vindima da Fladgate Partnership, o director de enologia do grupo – que não é associado da ADVID –, prefere outra comparação. “Este Restricted Spring Growth [subdesenvolvimento das videiras, que em muitas vinhas não chegavam ao arame superior] é consequência de um ciclo de vários anos muito secos seguidos. Podemos recuar até aos anos 1940. Essa década como um todo foi muito seca e quente. Os registos mostram que há quatro anos em que também tivemos menos de 200 milímetros de chuva durante o período de dormência: 1942, 1943, 1945 e 1948”, explica David Guimaraens.
O enólogo recua 80 anos para concluir: “2022 é um ano em que as nossas videiras sofreram, mas sabemos que é um ciclo e ansiamos regressar a ciclos vegetativos mais normais.” Ao Terroir, lembrou que para além de estarmos perante “um ano sequíssimo”, houve “várias ondas de calor”.
Os 46,5 graus no Pinhão
Quatro para sermos exactos. Pelo menos no Cima Corgo, em Maio, Junho, Julho e Agosto. No Baixo Corgo, só se fizeram sentir as três primeiras. E, no Douro Superior, onde os termómetros chegaram a marcar 47 graus centígrados, faltam dados do Instituto Português do Mar e da Atmosfera para o período de referência que permitam falar na ocorrência do fenómeno.
Em Junho é “normal o tempo mudar pelo S. João” — no Douro chamam-lhe “a queima de S. João” —, mas não no início do mês, conta David Guimaraens, que este ano lhe chamou “queima de Santo António”. E, em Agosto, o vale do Pinhão e e o Cima Corgo sofreram com temperaturas extremas durante doze dias. Foi nessa altura que o relógio da farmácia no Pinhão marcou o recorde que pôs toda a gente a falar. “A 14 de Julho, aqui no Pinhão, registámos 46,5 graus centígrados, a […]